sábado, 14 de maio de 2011

Escravidão e Abolicionismo no Ceará - Parte 3/3 (Final)

A idéia emancipacionista começou a ganhar corpo a partir de 1879, quando os preços dos escravos estavam em baixa, e os proprietários andavam as voltas com as dificuldades e custos de manter os cativos, em conseqüências da seca que durara até aquele ano.  
Surgiu então uma forte campanha articulada por segmentos médios, intelectuais, burgueses e até oligarquias rurais, todos contagiados pelo ideal liberal e civilizado europeu, onde há décadas o capitalismo condenara o sistema escravagista.
Dessa forma, em 1879, em comemoração ao oitavo ano da Lei do Ventre Livre, surgia uma pequena organização chamada Perseverança e Porvir, fundada por jovens de boa condição financeira, quase todos ligados ao comércio de Fortaleza, como José do Amaral, Manuel Albano Filho, Alfredo Salgado e outros. 
No final de 1880, os membros da Perseverança e Porvir fundaram uma nova entidade a Sociedade Cearense Libertadora, a qual se juntaram como sócios João Cordeiro, Isaac Amaral, Antonio Bezerra, Pedro Artur de Vasconcelos, José Teles Marrocos, Justiniano de Serpa, Pedro Borges e outros. 
A Sociedade Cearense Libertadora lançaria em 1881 o jornal O Libertador, com o objetivo de mobilizar a opinião pública em prol da causa abolicionista. Os periódicos A Constituição, Pedro II e Gazeta do Norte passaram igualmente a simpatizar com a bandeira da abolição, enquanto o jornal O Cearense, a combatia.
O libertador foi fundado em 1° de janeiro de 1881 como órgão da Sociedade Cearense Libertadora. Surge em consequência de uma intensa campanha abolicionista que se desenvolve a partir do inicio da década e torna-se vitoriosa em 25 de março de 1884. Chamava a atenção por ser bem redigido e pela boa aparência gráfica.
 
Jornal Pedro II que representava o Partido Conservador era  simpatizante da causa abolicionista
Em 1882, indivíduos que consideravam as práticas da Libertadora Cearense “radicais” e defendiam explicitamente a abolição “sem perturbação da ordem moral ou econômica no seio da família ou da sociedade”, fundaram o Centro Abolicionista, do qual faziam parte nomes como Guilherme Studart (mais tarde Barão de Studart), Júlio César da Fonseca e João Lopes Ferreira Filho.
Houve também um grupo só de mulheres, fundado em 1883, presidido pela sobralense Maria Tomásia Filgueira Lima. Os caixeiros (empregados do comércio) fundaram naquele mesmo ano o Clube Abolicionista Caixeiral, tendo à frente Antonio Papi Junior. Também em 1883, os estudantes do Liceu, Ateneu Cearense, Instituto Cearense de Humanidades e de outros estabelecimentos organizaram a Libertadora Estudantil.
No geral essas entidades promoviam reuniões as quais não passavam de encontros públicos de setores da sociedade, que através de festas, quermesses, e bailes arrecadavam fundos para alforriar cativos – a maioria mulheres e crianças, enquanto os homens permaneciam escravos em atividades mais pesadas – em pomposas cerimônias sob discursos e efusivos aplausos e pouco resultado prático.
A campanha abolicionista acabou atingindo os segmentos sociais mais humildes. A participação popular ficou evidente nos episódios do ano de 1881.
Sendo a condução dos negros escravos aos navios feita com o uso de jangadas, um grupo de abolicionistas – tendo à frente Pedro Artur de Vasconcelos e José do Amaral, arquitetaram o plano de convencer os jangadeiros a não mais realizar o trabalho. 
Obtiveram de imediato, a adesão do negro alforriado José Luis Napoleão e de Francisco José do Nascimento (o Dragão do Mar), figuras influentes entre os trabalhadores da praia.
Na manhã de 27 de janeiro de 1881, os jangadeiros se negaram a conduzir alguns negros cativos para o vapor Pará. 
Estátua de Francisco José do Nascimento no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura
A noticia se espalhou pela cidade e, logo mais de 1500 pessoas de todos os segmentos sociais afluíram ao porto. Os escravocatas, sob vaias, ofensas e muito irritados, usaram de todos os artifícios – desde ameaças até a oferta de dinheiro – para convencer os homens do mar a embarcar as “peças”. 
Mas os jangadeiros permaneceram irredutíveis. Os negociantes chamaram a polícia, mas esta pouco pode fazer, pois não podia obrigar homens livres a trabalhar. 
Três dias depois, em 31 de janeiro de 881, nova luta. O vapor Espírito Santo tenta levar 38 escravos para o Sudeste do Brasil. Mais uma vez os jangadeiros recusaram-se a fazer o embarque. Uma multidão agora de três mil pessoas presta-lhe apoio, com aplausos e incentivos. 
Jangada do Dragão do Mar - neste porto não embarcarão mais escravos - 1881 (arquivo Ah, Fortaleza!) 
Após muitas discussões, ameaças, vaias e palavrões, os negros não foram embarcados. Naquela noite os abolicionistas colocaram fogo onde estavam trancafiados os cativos e os ajudaram a fugir.
Em 30 de abril de 1881, negociantes interessados em reabrir o porto de Fortaleza para o tráfico interprovincial tentam embarcar alguns escravos, contando inclusive com um forte aparato repressor – 210 homens armados. 
Compareceu pessoalmente à praia o recém-nomeado chefe de polícia, Torquato Mendes Viana, o qual teria chegado a afirmar dias antes que ou os escravos embarcariam ou correria sangue!  Os abolicionistas soltaram panfletos intitulados Pois Corra Sangue, incitando os defensores da causa a impedirem o embarque. Cerca de seis mil pessoas se reuniram na praia, gritando o lema de não se embarcam mais escravos no Ceará.
Em outubro de 882, José do Patrocínio, então conhecido nacionalmente como Marechal negro ou Tigre da Abolição, veio do Rio de janeiro visitar o Ceará para incrementar a mobilização. Foi recebido festivamente, sendo dele a autoria da alcunha de Terra da Luz, atribuída à província.
Painel na entrada da cidade de Redenção - CE, primeiro núcleo urbano do país a libertar os escravos
A 1° de janeiro de 1883, com a presença de José do Patrocínio, Acarape, passou para a história do país como o primeiro núcleo urbano a libertar seus escravos. A vila, por isso, mudou seu nome para Redenção.
Desse modo, a 25 de março de 1884, no 60° aniversário da Constituição do Império e no dia da Anunciação da Virgem Maria – realizou-se em Fortaleza, uma grande festa  para celebrar oficialmente o fim da escravidão na província do Ceará. 
Fortaleza Liberta - quadro de autoria do cearense José Irineu de Sousa, retrata a solenidade de libertação dos escravos de Fortaleza em sessão realizada no salão nobre da Assembléia Provincial (acervo Museu do Ceará)
Livro de Prata  oferecido pelos portugueses residentes em Fortaleza e utilizado na sessão da abolição da escravatura (acervo Museu do Ceará)
Estima-se que existiam naquela data cerca de 16 mil escravos. Após os fogos de artifício, gritos, lágrimas e tiros de canhão, a multidão que compareceu à Praça castro Carrera (Praça da Estação), ouviu quando o presidente da província, Sátiro de Oliveira Dias, concluiu seu discurso anunciando que a província do Ceará não possuía mais escravos.  
O pioneirismo cearense teve imensa repercussão no Brasil, influenciando a campanha abolicionista do Amazonas e das fronteiras do Uruguai.

Fonte:
História do Ceará, de Airton de Farias 
Revista Fortaleza, fascículo 11

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