sábado, 19 de julho de 2014

Patativa, O Poeta Nascido em Assaré

 imagem: http://releiturape.wordpress.com

O QUE MAIS DÓI

O que mais dói não é sofrer saudade
Do amor querido que se encontra ausente
Nem a lembrança que o coração sente
Dos belos sonhos da primeira idade.
Não é também a dura crueldade
Do falso amigo, quando engana a gente,
Nem os martírios de uma dor latente,
Quando a moléstia o nosso corpo invade.
O que mais dói e o peito nos oprime,
E nos revolta mais que o próprio crime,
Não é perder da posição um grau.
É ver os votos de um país inteiro,
Desde o praciano ao camponês roceiro,
Pra eleger um presidente mau.


Assaré fica no sertão sul do Ceará. O poeta roceiro continua fiel à sua paisagem, de lá ele descortina o mundo.  Publicado em sucessivas edições nacionais esgotadas, estudado na França e na Inglaterra, ele costumava, todas as manhãs olhar o horizonte em busca de sinais de um bom inverno. Fiel à poesia que ele debulhava na memória como um rosário infindo, e à sua gente.
Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa de Assaré, ex-cantador de viola, roceiro a vida toda, é a poesia em pessoa. Sua obra está longe de caber nos folhetos de cordel até aqui publicados. Mas o poeta guardava toda ele, de cor e salteado em sua memória. Com a mesma facilidade com que declamava horas seguidas seus versos para multidões sempre atentas, ele compunha de cabeça, sem recorrer a escrita, e quase tão somente se comunicava por meio deles.
Patativa era também a síntese de sua gente, do camponês nordestino, que se depara com uma realidade físico-social permanentemente adversa. Do emigrante que deixa sua terra natal expulso pela injustiça e tenta sobreviver nas grandes cidades. Como ninguém, o velho poeta conhecia os sonhos e o sofrimento do seu povo; como ninguém esse lendário sertanejo soube transformá-los em poesia.
Porque em Patativa, a poesia era decorrente da vida. Ato simples e essencial como conversar, alimentar-se, matar a sede, pensar e respirar. Raciocinava e falava em língua poética. Frequentemente o poeta era abordado nas ruas, nas escolas, nas roças, nos caminhos sem fim dos sertões ou na turbulência dos grandes centros urbanos, para dizer suas poesias. Grande parte dos seus admiradores sabe de cor os seus poemas, que são praticamente de domínio popular.
Certa vez Patativa do Assaré fez uns versos contra um político e foi preso por alguns minutos em um quartel. Lá, em uma gaiola, cantava uma patativa. O poeta de improviso, fez estes versos:


 imagem: http://ocantodopoetapassarinhopatativa.blogspot.com.br/

Patativa descontente
Nessa Gaiola cativa
Embora bem diferente
Eu também sou Patativa
Linda vizinha pequena
Temos o mesmo desgosto
Sofremos da mesma pena
Embora em sentido oposto
Meu sofrer e teu penar
Clamam a vizinha lei
tu presa para cantar
e eu preso porque cantei.

extraído do livro Ceará dos Anos 90 - censo cultural