domingo, 22 de novembro de 2015

A Tragédia dos Aviadores Alemães em Aracati

Em meados do ano de 1923, três aviadores alemães Werner Junkers, Hermann Mueller e Willy Thill empreenderam o raid Cuba-Rio de Janeiro, utilizando dois aparelhos. Tempos depois, amerissaram em Belém do Pará. Um dos aviões, no entanto, sofreu um acidente no Rio Marajó, onde faleceu o piloto Willy Thill e houve perda total do hidroavião que pilotava.


Junkers e Mueller, porém, não desistiram. Prosseguiram o voo alcançando São Luís do Maranhão, Camocim e Aracati, no Ceará. Vinham na aeronave Junkers D218. Chegaram a Aracati no dia 25 de junho de 1923, às 13h30min debaixo de aplausos e aclamações da população de Aracati e das imediações.

Duas horas depois, às 15:22 horas,  o Junkers D218 estava pronto para seguir o raid, rumo ao sul. A decolagem foi feita sob o maior entusiasmo. Quando, porém, o aparelho fazia uma curva para começar a evoluir sobre a cidade, a multidão atônita, viu o avião fazer um movimento estranho, e capotar no ar, seguindo-se uma grande explosão.



A muito custo conseguiu-se dominar o incêndio, mas os aviadores não puderam ser salvos. Os corpos dos jovens foram transportados para o salão nobre da Câmara Municipal e muitas expressões de pesar foram apresentadas pelo povo de Aracati, tendo o comércio local, encerrado as portas naquele dia.

Passado pouco mais de um ano desse trágico acontecimento, no final de 1924, foi erigido um monumento em memória dos aviadores. Construído com doações da colônia alemã e admiradores de vários Estados do Brasil, o monumento consiste de uma coluna de 3,50 metros de altura, em mármore branco, sobre um pedestal de alvenaria. O trabalho foi executado pela marmoraria de A. Gondim, de Fortaleza.


Era desejo dos promotores que o monumento fosse erigido no local do desastre, mas sendo este um ponto muito próximo ao Rio Jaguaribe, sujeito a inundações periódicas devido as enchentes do rio, o local escolhido foi uma das artérias da cidade – a entrada sul de sua principal rua do Comércio.  

extraído do livro
"Os Monumentos do Estado do Ceará", de Eusébio de Sousa
fotos IBGE e arquivo Nirez   

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Construção e Tragédia do Açude Orós

O ano de 1958 foi mais um ano de seca no Ceará, a exemplo do que já havia ocorrido em 1915, 1919 e 1932. A população sertaneja sofria com a falta de água, alimentos e trabalho. Em setembro de 1958, a alma sertaneja ganhou um novo alento, quando a construção de um grande açude começou a ganhar formas. A obra na região centro-sul do Ceará, no município de Orós, era uma antiga promessa do DNOCS – Departamento Nacional de Obras contra as Secas – do que seria o maior reservatório do Nordeste, com 2 bilhões de metros cúbicos de água armazenada. 


Com o Orós surgiu a possibilidade de se represar as águas do Rio Jaguaribe e de se aproveitar o famoso boqueirão da região que na parte mais baixa tinha 75 metros de largura. A expectativa era captar toda a água do alto Jaguaribe e seus afluentes. A promessa também incluía energia farta, “que propiciaria extraordinário surto industrial”.

Desde 1911 que já se falava na existência do Boqueirão de Orós, garganta por onde passam as águas do rio Jaguaribe, local propício para receber uma enorme barragem de represamento e aproveitamento consequente das águas armazenadas. Mas alguns problemas de engenharia antecederam a obra: foi constatado que o projeto demandaria uma quantidade astronômica de cimento – para que se obtivesse todo o cimento necessário para a conclusão da obra, seria necessário que, uma composição ferroviária despejasse em Orós, 100 toneladas de cimento, todos os dias, durante três anos.


Após muitos estudos de viabilidade, um engenheiro de Porto Alegre, chamado Casimiro Munarsky, sugeriu fazer-se o açude com parede de terra e em forma de arco, um pouco antes do boqueirão. Com a nova engenharia, o açude deixaria de comportar 4 bilhões de metros cúbicos de água, inicialmente projetados, e passaria a comportar 2 bilhões. Obra realizada no governo de Juscelino Kubistchek, a construção do açude inundou alguns vilarejos próximos, dos quais o mais conhecido era Conceição do Buraco,  hoje Guassussê. A obra foi concluída em 1961.

Quando ainda estava em construção, em 1960, uma rachadura na parede do açude provocou uma grande inundação deixando várias cidades completamente alagados e sem comunicação. Na época, o Rio Jaguaribe, que abastece o açude, passou por uma grande cheia fazendo com que o Orós transbordasse e sofresse um arrombamento parcial. Nesse mesmo ano, o então presidente sobrevoou as áreas atingidas pelas águas, conforme relatam alguns pesquisadores. Por ordem dele, o trabalho de reconstrução foi iniciado imediatamente e, assim, o açude foi inaugurado um ano depois com o nome de Juscelino Kubitschek


 O rompimento da barragem

No dia 22 de março de 1960, notícias procedentes de Orós davam conta da situação em que se encontra a barragem do reservatório: que a mesma encontrava-se em boa situação, podendo acumular três vezes o volume d’água já retido; que chuvas em excesso caídas na região do Jaguaribe motivaram a maior enchente já verificada; que o Rio Jaguaribe se elevara 6 metros em menos de 15 horas.

 

No dia seguinte, os jornais começam a divulgar fotografias da barragem do Orós, prestes a ruir diante da pressão das águas. O DNOCS chama a atenção das populações dos arredores para que abandonem seus lares e busquem locais seguros, onde possam ficar a salvos do dilúvio que estava por vir. O bispo de Limoeiro, em reunião com as autoridades municipais trata das providências para evacuação da cidade; o governador do Estado se reúne com secretários a fim de acertarem medidas do plano de emergência para atender as populações do Baixo Jaguaribe. 

Panfleto original distribuído entre a população. Imagem cedida por Luís Antônio Saldanha, natural de Jaguaribe.

Os jornais trazem relatos de Orós e de Jaguaribe, adiantando que o açude não resiste mais nem por 24 horas. Correspondências da zona jaguaribana registram que as cidades se acham praticamente evacuadas. É tentada a operação lona que consiste na colocação de lonas sobre a superfície da barragem para evitar que as águas lavem a parede do açude. 

Sobre toda a região soltaram panfletos que anunciavam a catástrofe, tida como certa. Os moradores que se retiraram de suas casas se amontoavam nos lugares mais altos, como Poço Comprido, São João do Jaguaribe, Ilha Grande, Quixeré e Tabuleiro Alto, em Russas. 

 


No dia 26 de março, a barragem se rompeu parcialmente. Precisamente às 10 horas um grande estrondo foi ouvido: as águas ultrapassaram o nível da barragem e invadiram toda a extensão do Vale do Jaguaribe, destruindo tudo que se encontrava pela frente, levando de roldão povoações, cultivos e criações, deixando um rastro de morte, miséria e desabrigo, causando prejuízos incalculáveis. 

Obra da engenharia nacional, a barragem do Orós suportou, embora em fase de construção, uma pressão muitas vezes superior ao seu nível de segurança. Todavia, parte da obra teve de ser sacrificada a dinamite, para evitar uma tragédia maior, que seria sua destruição total a um só tempo.
  

Fontes: 
DNOCS
Revista do Instituto do Ceará - datas e fatos para a história do Ceará

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Benjamin Abraão – O Polêmico Secretário do Padre Cícero



Ele foi tido como conterrâneo de Jesus e, por isso mesmo, um segundo enviado de Deus quando chegou a Juazeiro do Norte, no Ceará, e se apresentou como o homem que nasceu em Belém, na Terra Santa. O nome? Benjamin Abrahão. O sírio caiu nas graças do religioso mais famoso do Nordeste, o Padre Cícero, e logo se tornou seu secretário pessoal. Daí em diante, Abrahão se fez na vida. Pois, apesar de ter sido considerado um santo, soube aproveitar as oportunidades para colocar em prática as malandragens dos homens de carne e osso, chegando a ser fotógrafo particular de Lampião para ganhar uns tostões.



Esse sírio – chamado de turco pelos inimigos – chegou ao Brasil com 14 anos, em 1915. Veio fugido das perseguições do Império Otomano pela qual passava a Síria, e da ação sanguinária do general Jamal Pachá, que alistava jovens como Benjamin no Exército. Foi morar com uns parentes distantes, os Elihimas, no Recife, que por sua vez faziam a vida vendendo miudezas no comércio. Virou caixeiro-viajante e começou a explorar a credulidade do povo: contava sua vida na Terra Santa e, entre uma história e outra, vendia os produtos. 

Depois de dois anos perambulando pelo sertão, ele se deparou com um grupo de  romeiros indo a Juazeiro para receber a bênção de Padre Cícero. Decidiu se juntar a eles e, quando chegou, o padre reconheceu Abrahão como diferente em meio a tantos caboclos. Porque era um indivíduo branco, meio alourado e bem mais alto que a média. 

A beata Mocinha (Joana Tertuliana de Jesus, secretária e tesoureira do padre Cícero) se aproximou, a mando do padre, para saber de onde vinha o forasteiro. O sotaque estrangeiro o denunciou e foi aclamado por todos quando disse que vinha da Terra Santa. “Padre Cícero se dirige aos fiéis e diz: meus amiguinhos, Benjamin que está aqui é conterrâneo de Jesus”, afirma o historiador Frederico Pernambucano de Mello.



Bastaram 15 dias para Abrahão se converter e ser nomeado secretário pessoal do padre. A beata Mocinha era chefe de uma ordem que tinha por objetivo arrecadar donativos para mandar aos padres que cuidavam do Santo Sepulcro na Terra Santa. A presença de Abrahão ali, então, era como uma purificação para a casa. 

O sírio foi esperto. Já no início, ele se declarou ourives e passou a cuidar das joias do religioso. Não demorou a prosperar na vida: comprou ternos de casimira inglesa e gravata de seda pura. Algumas testemunhas contavam que ele cuidava de joias belíssimas que deviam ser de Padre Cícero.


Rua de Juazeiro na década de 1920
 
Para Benjamim Abraão, os anos de 1917 a 1934 – tempo em que viveu ao lado do padrinho – nunca mais seriam os mesmos. Abrahão virou um homem da sociedade.A morte do Padre Cícero, aos 90 anos, fez com que Benjamin caísse em desespero. O padre era o ganha pão do sírio. Para salvar o bolso, então, ele filmou o enterro do padre para a Aba film e, malandro, abriu as portas para depois oferecer à mesma Aba film uma película (e fotos) de Lampião e de seu bando – já que desde 1930 o jornal New York Times noticiava as muitas façanhas de Lampião.

Abrahão tinha, estranhamente, uma credencial de jornalista quando chegou ao Brasil, escrita em francês. Em certa ocasião conheceu o pioneiro do cinema no Brasil, Ademar Albuquerque, que mais tarde criou a Aba Film. Conseguiu filmadora, tripé e uma máquina fotográfica e foi atrás do grupo, pois já conhecia Lampião de uma visita que o cangaceiro fez ao Padre Cícero em 1926, no Juazeiro.




Lampião não apenas fez pose para a foto como chamou o bando de todo o Nordeste para se reunir na filmagem. O resultado:  Noventa fotos de qualidade heterogênea e um filme de 35 mm (hoje restam 15 minutos dele na Cinemateca Brasileira) em que Lampião é transformado em garoto propaganda da Bayer, que patrocinou o filme. Alegremente agitado, ele diz na gravação que até Lampião usa cafiaspirina quando tem dor de cabeça...

Abraão morreu em 1938, em Serra Talhada (PE), assassinado com quarenta e duas punhaladas, sem que o crime jamais viesse a ser esclarecido, tanto na autoria como na motivação, donde se especula ter sido mais uma das mortes arquitetadas pelo Estado Novo uma vez que o sírio teve seus trabalhos apreendidos pela ditadura de Getúlio Vargas, que nele viu um antagonista do regime. Mas também existe a versão de que o fotógrafo sírio-libanês teria sido vítima de um ladrão, apesar de com este nada de valor haver. 


fontes:
Benjamin Abrahão, Entre Anjos e Cangaceiros. Frederico Pernambucano de Mello. Ed. Escrituras. 352 páginas.
wikipédia 
fotos Aba Film