quarta-feira, 8 de novembro de 2017

O Serviço Militar e a Gestão do Governador Sampaio

Na Capitania do Ceará, no período colonial, uma das grandes preocupações tanto das autoridades quanto das elites latifundiárias era controlar a população pobre e os indígenas, obriga-los a trabalhar e a produzir, sobretudo quando da expansão da cotonicultura no final do século VXIII. Uma das formas utilizadas para coagir a população era ameaça de recrutamento para os grupamentos militares e policiais. Prática largamente usada, o recrutamento colocava em pânico a massa, pelo tratamento brutal dispensado aos convocados.

Praça Carolina, atual Praça Waldemar Falcão 
No dia 3 de setembro de 1817, o Governador Sampaio recebia uma Carta Régia comunicando-lhe o consórcio do Príncipe D. Pedro I com a arquiduquesa Carolina Josefa Leopoldina Francisca Fernanda de Habsburgo-Lorena , que ocorrera no dia 3 de maio daquele ano em Viena, Áustria. Este acontecimento tão longínquo foi o motivo para darem o nome de Praça Carolina ao principal largo da Fortaleza de então.  O Engenheiro Silva Paulet alinharia o lado ocidental da praça que mais tarde seria ocupado por residências. Em 1814, foi construído na praça, o primeiro Mercado Público. 

Não havia critério, nem organização regular, nem planejamento. Tudo dependia das necessidades do momento e do arbítrio das autoridades. o procedimento era simples: fixadas as necessidades dos quadros, os agentes recrutadores saíam a cata das “vítimas”; não havia hora ou lugar em que se sentissem a salvo, porque os agentes invadiam casas, forçavam portas e janelas, entravam até pelas escolas e salas de aula para arrancar os estudantes.

Planta do forte de N.S. da Assunção s/data. 

Quem fosse julgado em condições de tomar as armas, era incontinenti, arrebanhado e levado aos postos. Explica-se assim, o porquê de, ao menor sinal de recrutadores próximos, a população desertasse dos lugares habitados, indo refugiar-se no mato. Logo que começavam a levar recrutas, era infalível o aumento de preço dos gêneros de primeira necessidade, porque os lavradores abandonavam as roças.
O governador Sampaio usou muito desse mecanismo para combater a vadiagem. Embora houvesse leis tratando sobre o recrutamento, Sampaio chegou a comunicar às autoridades que era preferível alistar apenas os vadios, que prejudicar a agricultura; ou seja, por conta própria o governador alterou a legislação de recrutamento (todos poderiam, em tese, ser convocados), visto que deveriam ser chamados ao serviço militar apenas os que nada produziam ou faziam, devendo ser poupados os trabalhadores da agricultura.

O Governador


Manuel Inácio de Sampaio e Pina foi um dos mais polêmicos governantes cearenses, lembrado como eficiente administrador, e ao mesmo tempo, como um homem autoritário e ambicioso. Nas realizações materiais determinou a reconstrução da fortaleza de N. S. de Assunção (10ª RM), o erguimento do primeiro mercado público da capital e a implantação do primeiro plano urbanístico de Fortaleza, projetos de Silva Paulet.

 A casa que pertenceu a José Antônio Machado e onde estiveram diversos órgãos públicos, foi a primeira sede dos Correios. Foi demolida para a construção do Fórum Clóvis Beviláqua.

Em 1812, Sampaio instalou a repartição local dos Correios (até então o correio só existia para comunicações oficiais, através dos denominados “positivos” pessoas de confiança). Mantinha permanente correspondência com as autoridades das Vilas, de quem exigia informações periódicas com o propósito de tomar conhecimento sobre os mais diversos acontecimentos da capitania.

Não se pode dissociar essa preocupação de Sampaio com o clima vivido no Brasil em decorrência das agitações revolucionárias da Europa do começo do século XIX. Em 1816, para melhor “aplicar a lei e manter a ordem” criou-se uma segunda comarca judicial no Ceará, localizada no Crato (a sede da primeira comarca passou então, de Aquiraz para Fortaleza).

Tido como homem inteligente, culto, assim dado às armas como às letras, o governador teria lançado as bases literárias do Ceará ao promover outeiros, reuniões literárias realizadas no palácio do governo.
Não obstante as realizações, Sampaio mostrou-se autoritário ao perseguir e reprimir adversários. Daí bateu-se com o capitão-mor Antônio Moreira Gomes, rico comerciante português e homem de muito prestígio na terra. Sampaio, coagindo a Câmara Municipal, conseguiu que os vereadores cassassem o posto de Gomes. Da mesma maneira confrontou-se com o ouvidor João Antônio Rodrigues de Carvalho, e com o naturalista João da Silva Feijó.

No quesito servilismo, mandou que a população da vila de Fortaleza festejasse com luminárias, por três noites consecutivas, o nascimento do filho de Dom Pedro Carlos, o infante Dom Sebastião de Bourbon e Bragança. Quando foi notificado da morte de Dona Maria I (primeira rainha reinante de Portugal), em 15 de junho de 1816, determinou que todo povo da vila e distritos vestisse luto rigoroso por seis meses e aliviado por outros seis.

Atendendo que os pobres e os escravos não podiam atender rigorosamente a esta determinação, por questões econômico-financeiras, permitiu que os homens trouxessem no chapéu e as mulheres na cabeça, qualquer retalho preto. Os que se recusassem seriam punidos com 30 dias de cadeia, para cada vez que fossem pegos sem o distintivo.

Ao reprimir a “Revolução” de 1817 no Ceará, Sampaio chegou a acusar adversários políticos de estarem envolvidos na revolta, visando assim, livrar-se dos opositores. O governador deixou o Ceará em janeiro de 1820 quando foi assumir o governo de Goiás. Faleceu em Portugal no ano de 1856. A rua Governador Sampaio no centro de Fortaleza, recebeu esse nome em homenagem a esse governante português.

Fontes:
História do Ceará, de Airton de Farias
Ceará (homens e fatos), de João Brígido
fotos do arquivo Nirez