terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

O Assassinato do Juiz de Vila Nova D’El Rei

Tudo começou numa corrida de cavalos. O do juiz ordinário da Vila Nova D’El Rei, depois Campo Grande, atual Guaraciaba do Norte, na serra da Ibiapaba, Ceará, ganhou um páreo contra o do poderoso coronel Manuel Martins Chaves, mandachuva da região do Acaraú. O coronel quis comprar ali mesmo o animal vencedor. O dono recusou-se a vende-lo. Discutiram, com os ânimos exaltados. E dois sobrinhos do mandachuva mataram o animal. Não podiam admitir, no seu orgulho semifeudal, fosse o tio, homem de vasta influência, ligado à celebre família Feitosa, dona daquelas terras, contrariado em seus desejos. Para eles, aquela recusa era uma afronta.

Manuel Martins Chaves fizera de sua vontade a lei daqueles sertões e, para exercê-la, não hesitava em cometer quaisquer atos, por violentos, arbitrários ou reprováveis que fossem. Sob seu patrocínio, grandes grupos de malfeitores viviam a depredar e a perseguir a população, prontos ao serviço, submissos as determinações do despótico patrono.

Rua Duque de Caxias - anos 50

A questão do cavalo rematava uma velha rixa entre o coronel e o juiz ordinário Barbosa Ribeiro, motivada pelo favor que a este dispensara, em detrimento do coronel, o então governador Cláudio Montaury durante sua gestão, e ainda pela eleição do magistrado, que contrariava os desejos de Manuel Martins. Estava, pois condenado à morte, e foi barbaramente executado no dia 3 de março de 1795. 

Um grupo composto de cerca de 30 indivíduos, alguns usando máscaras, invadiu a casa, nos fundos da Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, arrombando as portas e ferindo-o a tiros e golpes de espada.
O juiz correu, todo ensanguentado, a abraçar-se com o cruzeiro do templo, suplicando que lhe permitissem confessar-se ao vigário, que, impotente e estarrecido, assistia a chacina. Mas os matadores não lhe deram ouvidos e o assassinaram com estocadas no lombo, facadas no estômago, e quase lhe decepando a cabeça a foiçadas. Seu afilhado João do Nascimento tentou defendê-lo e também foi morto. Outros dois que tentaram defende-lo, saíram feridos.

Igreja Matriz de N. Senhora dos Prazeres, fundada em 1761, em estilo barroco

Por essa época, governava a Capitania do Ceará, Luis da Mota Feo e Torres, a quem o crime deixou muito indignado. Abriu-se rigorosa devassa que o Ouvidor José Vitorino da Silveira concluiu em setembro de 1796. Apurou-se no inquérito que os mandantes tinham sido o coronel Manuel Martins Chaves e seu sobrinho, o capitão-mor Bernardino Gomes Franco, e os mandatários Felipe Néri, inimigo do juiz pela morte de seu irmão, seus filhos Sebastião e Manuel, seus sobrinhos Vitor e Raimundo; os cabras Teodósio, João Pereira, Manuel Ferreira, João Fernandes, Felipe Marçal, seu irmão Antônio, João Martins, João de Araújo, José Dias, Francisco Ribeiro, Luis Antônio, Domingos Ferreira, o crioulo Simeão e o africano Pedro.

Desde o ano de 1796, o governo da Colônia se empenhou em prender Martins Chaves e seus principais colaboradores. Mas foram vãos todos os esforços dos governadores, ouvidores, capitães-mores e juízes ordinários, durante muitos anos, até que realizou a prisão do potentado um jovem governador do Ceará, João Carlos Augusto Ulrico Oyenhausen e Grevenburgh (1803-1807), da nobreza lusa e austríaca, que seria Marquês de Aracati, por Decreto de 12 de outubro de 1826.

prédio da antiga Cadeia de Guaraciaba do Norte 

De acordo com relatos do Barão de Studart, o governador João Carlos anunciou uma revista geral nas tropas de Vila Nova D’El Rei. Martins Chaves, com alguns membros mais importantes de sua clientela, quis ser agradável ao governador, decidiu-se a acompanha-lo até certa altura do trajeto. No Sítio Barriga, o proprietário, um padre, insinuou-lhe que se escondessem, por ter motivos para desconfiar das intenções do governador.

Martins Chaves e o sobrinho Francisco Xavier desprezaram o aviso e seguiram com a comitiva do governador até Ibiapina, onde já havia um plano traçado. Para o local já seguira com 400 índios, Manuel da Silva Sampaio, diretor dos índios de Viçosa. Ali chegados, encontraram um barracão onde o governador deveria descansar, e em cujo centro havia uma mesa. Dentro do barracão, João Carlos retirou de dentro de uma das malas uma coroa real, colocou-a sobre a mesa, e dirigindo-se a Martins Chaves perguntou se conhecia de quem era aquela coroa. Respondeu o interpelado que era de sua majestade, sua soberana.

O governador afirmou – pois em nome dela se considere preso! Martins Chaves tirou a espada da cinta e entregou-a ao governador, considerando-se assim, prisioneiro. Francisco Xavier, vendo a cena, convidou João Carlos para um particular, que retorquiu:  – não tenho particulares, siga o exemplo de seu tio!

A comitiva, com os presos sob custódia, cumpriu o seguinte percurso: de Ibiapina a Sobral sob a guarda do capitão de cavalaria Alexandre Neri Pereira; de Sobral a Acaraú e daí a Fortaleza. Da capital passaram a Aracati, onde foram embarcados para Recife. De Recife a Lisboa foram conduzidos pelo ajudante de cavalaria Alexandre José Leite Chaves.

Cadeia do Limoeiro em Lisboa, entrada principal
imagem:http://lisboadeantigamente.blogspot.com.br

Da cadeia de Limoeiro, Manuel Martins Chaves e Francisco Xavier de Araújo Chaves requereram ao príncipe regente o seu livramento, historiando a maneira como foram presos. Nada conseguiram, pois Oyenhausen, foi bastante elogiado pelo feito. Os presos ainda tiveram seus bens confiscados.

Manuel Martins Chaves faleceu na cadeia de Limoeiro, a 27 de maio de 1809, de febre maligna, e Francisco Xavier voltou ao Brasil, ignorando-se a data de sua soltura. Sua filha Antônia, casou com Antônio Ferreira Sampaio, e desse casamento nasceu Antônio Sampaio, o herói cearense notável pelos seus feitos militares.


Assim, o General Sampaio, patrono de nossa infantaria, era sobrinho-neto do coronel Manuel Martins Chaves.

Extraído do livro
A Margem da História do Ceará
De Gustavo Barroso
Fotos IBGE
Fortaleza em Fotos