sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Três lendas sobre Padre Cícero, o Patriarca de Juazeiro

 Rua do Juazeiro - data não especificada

1 – o nascimento de Padre Cícero

História atribuída a Tereza do Padre, antiga serviçal da família Romão Batista. 
Ao nascer o primeiro filho do casal Joaquim e Vicência Romana, um anjo apareceu no quarto de Dona Quinou (como era chamada a mãe do Padre Cícero), trazendo nos braços uma criança loira e de olhos azuis. 

Ante a claridade desprendida pela aparição do anjo, Dona Quinou cegou e não viu a troca efetuada. A criança que se encontrava ao lado da mãe foi retirada, e em seu lugar ficou o menino trazido pelo anjo. 

Daí vem a crença de que o Padre Cícero seria uma das três pessoas da Santíssima Trindade e que Dona Quinou ficou cega para que não visse a troca de crianças e não pudesse tornar público o acontecido.


2 – o homem que quis matar o Padre Cícero

Suspenso de ordens, era hábito do Padre Cícero fazer uma pregação à tarde, em frente à sua residência. Ali se juntavam os romeiros vindos dos lugares mais distantes para ouvi-lo. 

Uma certa pessoa, que nutria grande ódio pelo padre, objetivando matá-lo, usou a seguinte artimanha: fingindo-se doente, deitou-se numa rede, onde levava uma arma, e mandou que seus cabras o levassem até a Casa do Padre Cícero. Quando estivesse próximo ao padre, o mataria. 

E saiu o cortejo até a casa do padre. Lá chegando, um dos acompanhantes falou:
 – Seu Padre, aqui está um homem muito doente que deseja receber a extrema-unção.
O padre respondeu:
não é necessário, este homem está morto.

Apavorados, os cabras baixaram a rede e verificaram que tal pessoa realmente havia morrido pelo caminho. Arrependidos, ajoelharam-se aos pés do padre e contaram tudo, pedindo perdão.

 dia de feira em Juazeiro

3 – Maria Belmira

Quando da chegada de Padre Cícero a Juazeiro do Norte, quase todas as noites o samba imperava entre a população da antiga fazenda Tabuleiro Grande. Certa feita o padre resolveu acabar com o frege. Alegava o sacerdote ser aquilo um antro de perdição, coisa do diabo. 

Brandindo seu bastão, o padre chega ao local e encontra Maria Belmira, mulher do povo, cantando:

São quatro umbigadas, menina
São quatro fulô
São quatro umbigadas, menina
Bonita que eu dou
E quando eu quero, eu quero
E quando eu quero, quero já

O Padre Cícero se aproxima e pergunta:
o que queres mulher?
Ante o olhar severo do sacerdote, a mulher responde:
 – Eu quero...eu quero... é me confessar, seu padre
Depois do ocorrido, tornou-se Maria Belmira um poço de virtudes até o fim dos seus dias.

  

 
Autor do texto: Francisco Renato Sousa Dantas
Extraído do livro Antologia do Folclore Cearense, de Seraine Florival
fotos de Juazeiro - Biblioteca do IBGE

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

As Guerras entre Famílias: Montes x Feitosas


Siará (1647) de Franz Post - mostrava a fortificação que daria inicio a Fortaleza (arquivo Nirez)  

À medida que os recursos do País iam se desenvolvendo, e o interior do Ceará ia sendo desbravado, a violência e a lei do mais forte passaram a vigorar nos lugarejos habitados. Os grandes proprietários, beneficiados com terras doadas pelo governo, e outras benesses que lhes permitiram acumular grandes riquezas, se constituíam em verdadeiros tiranos, dominando hordas selvagens, com armas e ameaças.

Longe da autoridade legalmente constituída, cuja ação ficava enfraquecida pela distância e pela dificuldade de acesso, esses homens viviam de acordo com suas vontades e dominavam os demais colonos de modo completo. Nos pontos mais longínquos, sobretudo, só uma vontade dominava, que era a lei do mais rico; os direitos dos demais, e o dever eram coisas totalmente ignoradas.

 Cidade de Icó, em data não especificada (arquivo IBGE)

A família Feitosa,  originária de Portugal instalou-se inicialmente em Alagoas  e mudou-se para o Ceará por volta de 1707, obtendo várias sesmarias na região dos Inhamuns, tornando-se grande criadora de gado. Gozava de grande prestígio, tanto que um dos seus membros, Francisco Alves Feitosa, foi  designado comandante de uma das milícias da área,  em 1719. 

Os Montes, naturais de Sergipe se instalaram  na região de Icó, por volta de 1682, obtendo igualmente vastas porções de terras. A princípio, essas famílias se uniram para combater os indígenas que resistiam aos conquistadores brancos. Mas essa cooperação transformou-se posteriormente numa luta sanguinária, que pôs em polvorosa a zona sul cearense.

Na época em que o capitão-mor e governador do Ceará Manoel Jaime da Fonseca (1715-1717) concedia doação das terras devolutas ao sul da capitania, se destacavam em poderio dois colonos – o capitão-mor Geraldo do Monte, na margem do Jaguaribe (Boqueirão do Orós) e Lourenço Alves Feitosa, chamado “o comissário”, muito acima, entre os índios Inhamuns.

Um irmão de Lourenço, o coronel Francisco Alves Feitosa, contraiu casamento com uma viúva, irmã de Geraldo do Monte, e por motivos de honra tinha rompido relações com este, quando Feitosa, conduzido por índios da nação Jucá, desbravou a bacia do rio do mesmo nome, e conheceu os vastos sertões que até então só os índios dominavam.

Tendo notícia da descoberta, Monte apressou-se em solicitar uma sesmaria e obteve-a do governo, a despeito de seu cunhado. No entanto, deixou de tomar posse dos terrenos, e decorridos seis anos, Francisco Feitosa conseguiu anular a doação, sob alegação de que as terras estavam abandonadas, obtendo para si a posse do território. Foi o início de um conflito armado que abalou as estruturas do interior  cearense.

Rio Jaguaribe em Jaguaribe, data não especificada (arquivo IBGE)

Durante os anos de 1724 e 1725 as duas famílias se envolveram em grandes hostilidades que repercutiram nos anos subsequentes. As práticas rotineiras de saques, emboscadas, combates abertos, incêndios, assassinatos de índios, vaqueiros e gado, levavam pânico às populações e mostravam a fragilidade dos sistemas jurídico e governamental vigentes. 

As duas facções procuravam manter tropas regulares. Sendo ambos  oficiais superiores de milícias e consideravelmente ricos, formaram pequenos exércitos de índios e mamelucos com os quais sustentaram a guerra durante muito tempo. 

A situação se agravou quando o primeiro ouvidor do Ceará, José Mendes Machado, envolveu-se no conflito tomando partido dos Feitosas quando realizava uma de suas viagens de correição pelo sul do Ceará. Chegou, inclusive, a autorizar ataques à família Montes. O ouvidor, que ganhou o apelido de Tubarão, acabou incompatibilizado com o capitão-mor Manuel Francês e com a Câmara de Vereadores de Fortaleza.

sertão dos Inhamuns, palco de lutas sanguinárias pela posse de terras (foto do livro Ceará de Luz)

Dessas excursões e combates à margem dos rios Salgado, Jaguaribe e outros, cujos vales eram mais conhecidos, ficaram algumas denominações que permaneceram após o conflito. Desse modo alguns sítios à margem do Rio Salgado ficaram conhecidos como Pendência, Arraial, Batalha, Tropas e Emboscadas.  O Sítio Defuntos, no Jaguaribe, tirou também dali a sua denominação, e da mesma forma que o Riacho do Sangue, onde ocorreram verdadeiras carnificinas entre os índios de uma e de outra parte. 

Nos Inhamuns ficaram assinalados os sítios Trincheiras, Cruzes e Saco de Balas. Durante um confronto, um dos Feitosas perdeu um saco de balas que foram encontradas muitos tempo depois. Foi durante essa luta que teria tido início o Arraial de S. Matheus, nas cabeceiras do Rio Jaguaribe, o qual foi o primeiro povoado daquele lado da província. 

A persistência do conflito entre as famílias levou o capitão-mor Manuel Francês a uma intervenção mais objetiva. Em 1725 ordenou aos dois grupos Montes e Feitosas que largassem as armas sob ameaça de pena de morte e confisco de bens.  O número de mortos era de cerca de 400 pessoas dos dois lados. 

Francês determinou ainda que o Ouvidor Tubarão retornasse imediatamente a Aquiraz, mas o Ouvidor preferiu abandonar o cargo e fugir para a Bahia. O capitão-mor dirigiu-se à região dos Inhamuns para ver cumpridas suas determinações. Só assim a luta arrefeceu, embora, vez ou outra ainda acontecessem lutas eventuais.

Foi instalado um processo para apurar as responsabilidades do ocorrido, sem nenhum resultado efetivo.  Os latifundiários saíram impunes, como se nada tivesse acontecido. 

É ignorado que fim levou Geraldo do Monte; quanto a Francisco Feitosa, sabe-se que, avisado por um oficial, por quem o governo o mandara prender, se retirara para o Buriti, no Piauí , de onde mandou matar, na fazenda Cabaças, em sucessivas emboscadas, nove indivíduos ligados a Geraldo do Monte, inclusive dois irmãos deste, colocando-se em tais apuros que se viu obrigado a abandonar aquela sua fazenda e ocultar-se no Boqueirão, onde morreu, segundo se crê.
Os Montes, segundo registros dos historiadores, saíram do conflito empobrecidos e dizimados, enquanto os Feitosas continuaram fortes e a exercer seu poder nos anos seguintes.
Fonte:
História do Ceará, de Airton de Farias
Ceará (Homens e Fatos) de João Brígido

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Cenários do Maciço de Baturité


O Maciço de Baturité é uma formação geológica localizada no sertão central cearense, composta pelos municípios de Pacoti, Palmácia, Guaramiranga, Mulungu, Aratuba, Capistrano, Itapiúna, Baturité, Aracoiaba, Acarape, Redenção, Barreira e Ocara. São montanhas agrupadas em torno de um ponto culminante, o Pico Alto, o segundo mais alto do Ceará, com 1.115  metros de altitude.



O clima ameno, o solo umedecido pelo grande número de córregos, rios e regatos, com a fertilidade do húmus, protegido pela sombra  do arvoredo contra a incidência dos raios solares, fez com que na encosta  do Maciço de Baturité o café se sentisse em casa. A cultura do café impulsionou o progresso na região, especialmente após a inauguração da Estrada de Ferro de Baturité, que teve como principal motivação, o transporte do café, da serra para o Porto de Fortaleza. 

Redenção

Cachoeira do Paracupeba - Redenção

Igreja Matriz de Guaramiranga


Parque das Cachoeiras - Guaramiranga

Pico Alto - Guaramiranga


Pacoti 






fotos: Rodrigo Paiva e Fátima Garcia

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A Ilha


Uma certa sociedade de humanos vivia numa ilha, sem nenhum tipo de contato com outras populações de humanos. A ilha oferecia todas as condições para sua sobrevivência. A alimentação era à base de carne de porco crua. 

imagem: http://www.jornaldehumaita.com/2011_08_18_archive.html

Esse hábito milenar era praticado sem nenhuma contestação. Um dia, por acidente, os porcos escaparam do curral e fugiram para o interior da floresta. Ali, um incêndio, também acidental, terminou matando-os queimados. Horas depois do incêndio, um morador adentrou a floresta e encontrou os porcos. Ao sentir cheiro de carne assada, achou agradável e experimentou.

A partir desse dia esses humanos passaram a consumir carne de porco assada. Para tanto, reuniam os porcos em currais no interior da floresta e ateavam fogo. Assim, durante muito tempo aquela população se alimentou de porcos assados à custa da queima e destruição das florestas.

Mais tarde, alguns problemas começaram a surgir. Os porcos fugiam durante os incêndios. Passaram então a construir currais cada vez mais eficientes. Surgiu até uma escola técnica de aperfeiçoamento de construção de currais à prova de fugas durante incêndios florestais induzidos.

Um dia alguém observou:

- estamos errados! O problema é outro!  Ocorre que este tipo de árvore demora muito a ser incendiada! 

Resultados de pesquisas avançadas indicavam que o problema poderia ser solucionado com um novo tipo de árvore, melhorada geneticamente, que apresentasse maior eficiência de combustão em suas folhas, galhos e troncos e, assim, pudesse assar os porcos mais rapidamente, retirando-lhes as chances de fuga.

Passado algum tempo, outro grupo de pesquisadores argumentou que todos estavam errados. Surgia um novo paradigma, uma nova escola de pensamento e ação. O problema residia no fato de os porcos terem pernas compridas, por isso fugiam com facilidade!

Experimentos genéticos levaram à criação de porcos com pernas mais curtas e com reduzida capacidade de percepção ao aumento de temperatura ambiente. As pesquisas foram se tornando cada vez mais sofisticadas, e com o tempo foram escritos livros, tratados e complexas descrições do processo. 

Além disso, foram criadas escolas, faculdades, universidades, cursos de especialização e pós-graduação e até uma fundação que apoiava as pesquisas que visavam a eficiência daquele modo de assar porcos na floresta.

Ocorre que a população humana dos ilhéus aumentou, e com ela aumentou a necessidade de assar mais porcos, queimar mais florestas, criar novos empregos, incentivar mais pesquisas, novas especializações, novos cargos, novas empresas, que juntos deveriam crescer e fomentar o progresso.

Mas um dia, alguém ousou contestar aquele modo de produção: 

- Não seria mais fácil assar o porco sobre algumas brasas, fora da floresta? 

As reações foram violentas. A indignação geral: quem é você para contestar o sistema? Essa solução já não teria sido proposta pelos especialistas se ela fosse viável? E o que faríamos com as centenas de instituições, e os milhares de empregos?


imagem: O Globo

E o sistema continua até hoje, apesar de muitos já terem percebido que algo está errado:  as florestas estão acabando, os recursos da ilha se tornaram escassos, o clima está cada vez mais hostil, as pessoas estão angustiadas pela competição e pela incerteza no futuro da comunidade, diante do aspecto de devastação da ilha.

As outras espécies animais sumiram da floresta. Junto com o racionamento de água, vieram a miséria, violência, a insegurança e o desrespeito à dignidade humana.

Algumas pessoas, no entanto, acreditam que os processos precisam ser revistos com a máxima urgência, e que existiem formas mais coerentes de existência, com estilos de vida mais inteligentes.

Extraído do livro Pegada Ecológica e Sustentabilidade Humana
De Genebaldo Freire Dias