quarta-feira, 20 de julho de 2011

Aquiraz - A primeira Vila do Ceará

População: 72.628 habitantes (IBGE/2010)
área da unidade territorial: 482,566 km²
densidade demográfica: 150,50 hab/km²
distância de Fortaleza: 24,7 km.

na entrada da cidade a estátua de São José de Ribamar, padroeiro de Aquiraz

Aquiraz, foi a primeira vila da Capitania do Ceará, criada por despacho  de 13 de fevereiro de 1699, por ordem de El-Rei de Portugal. O objetivo principal para a criação da vila seria a de amenizar as violências, abusos e arbitrariedades cometidas por capitães-mores e administrar a justiça, já que os ouvidores de Pernambuco e da Paraíba, que atuavam também no Ceará pouco raramente visitavam a capitania, em razão das grandes distâncias que as separavam.
Em 1701 transfere-se a sede do núcleo de Fortaleza para o núcleo de Barra de Ceará, lugar que teve posteriormente a denominação de Vila Velha, mas voltou para Fortaleza.

Em 1706, a sede é mudada novamente para Barra do Ceará, voltou para Fortaleza em 1708. Em 1710, a vila tomou a denominação de São José de Ribamar. Pela Ordem Régia de 1713, a sede é transferida de modo definitivo para Aquiraz. Por esta razão muitos consideram Aquiraz a primeira capital do Ceará.

Praça da matriz

A história de Aquiraz mistura os primeiros habitante destas terras, os índios potiguaras e outras tribos pertencentes ao tronco tupi como os jenipapo-kanyndé,  com os portugueses religiosos e militares que vieram habitar esta região visando à catequização dos índios e à proteção do território contra invasões de outros povos europeus.

Rua de Aquiraz

Pela divisão territorial de 1999, o município é constituído de 8 distritos: Aquiraz, Camará, Caponga da Bernarda, Jacaúna, João de Castro, Justiniano de Serpa, Patacas, Tapera.

Igreja Matriz de São José de Ribamar 

Construída no século XVIII, o templo apresenta ecletismo no estilo, predominando os traços barrocos e neoclássicos, frutos das várias modificações que passou ao longo dos anos. Alguns detalhes, ainda originais, impressionam por sua beleza e requinte. São eles, dentre outros; As três grandes portas almofadadas da entrada principal, o púlpito de madeira lavrada e os painéis pintados no forro da capela-mor, os quais provavelmente foram obras de índios catequizados.
Destaca-se no nicho central do altar-mor a imagem do padroeiro São José de Ribamar, calçado de botas, relembrando o bandeirante audaz. Segundo a lenda, ela foi encontrada por pescadores em uma das praias do lugar. A princípio quiseram levá-la para um outro povoado, entretanto nem mesmo um carro de boi conseguiu removê-la. Porém, quando surgiu a idéia de que a Igreja de Aquiraz seria o melhor local para o santo, este ficou leve e uma só pessoa conseguiu transportá-lo.O "São José de Botas" continua sendo alvo de grande devoção popular.

Antiga Casa de Câmara e Cadeia 

Atual Museu Sacro São José de Ribamar 

O imóvel teve sua construção iniciada no século XVIII e concluída no ano de 1877. Atualmente  sedia o Museu Sacro São José de Ribamar, fundado em 1967, sendo considerado o primeiro museu sacro do Ceará e o segundo do Norte-Nordeste.
Seu acervo compõe-se de mais de 600 peças de caráter religioso datadas dos séculos XVII , XVIII e XIX, alusivas à fé do povo cearense. 


peças do acervo do museu sacro

O antigo sobradão tem sua arquitetura original bastante conservada, pode-se observar as grades das antigas selas no pavimento inferior, e o assoalho reforçado com vigas de carnaúba na parte superior onde antes funcionava a câmara, o fórum e a prefeitura municipal. 

Mercado das Artes

O Mercado da Carne, hoje Mercado das Artes, século XIX, outrora centro comercial da cidade, impressiona o visitante pela particular técnica de construção, a qual prima pelo uso da carnaúba e do tijolo adobe. Sua parte central era o local de comercialização da carne, a harmonia geométrica da armação do telhado deixa transparecer o caráter arrojado do estilo. Os antigos pontos comerciais, situados na parte externa, foram durante décadas, o coração do comércio da cidade, fato que perdurou até o tombamento do prédio em 1988.

Casa do Capitão-Mor 


A Casa do Capitão-Mor é um raro exemplar do casario setecentista do estado. Conhecida também como casa da Ouvidoria, nome do primeiro núcleo judiciário do Ceará, o singelo edifício é feito com paredes de pau-a-pique, reforçada com amarras de couro de boi, uma referência material ao ciclo econômico das charqueadas, o qual predominou na região durante o século XVIII. A riqueza de detalhes confere ao "antigo palácio" uma atmosfera nostálgica; relembrando um passado distante, marcado por histórias de botijas, fugas de escravos e pela bravura e sagacidade do respeitado e temido "Capitão-Mor".


Os jesuítas que permaneceram por 32 anos, fundaram no local, hoje chamado "sitio colégio", o famoso "Hospício dos Jesuítas". Hospício, no linguajar da época, significava "posto de hospedagem", era lá aonde os padres missionários vinham recuperar suas forças para depois prosseguirem com sua missão de catequizar os aborígines nos mais longínquos confins da capitania. A residência apostólica também abrigou o primeiro centro de ensino do estado e seu primeiro seminário, constituindo-se num dos únicos pólos difusores da cultura daquele tempo. O que restou do extinto estabelecimento são apenas as ruínas da antiga capela de Nossa Senhora do Bom sucesso, construída em 1753. 
Há ainda quem acredite numa famosa "maldição". Segundo a lenda, quando os jesuítas foram expulsos, eles profetizaram que um dia o mar haveria de passar sete metros acima das torres da igreja matriz, espalhando o caos por toda a vila. Todos os bens da ordem foram confiscados, porém reza a tradição que parte dessas riquezas permanece escondida em algum recanto daquela velha habitação.
O sitio dos jesuítas, local de interesse geral devido a sua grande relevância histórica e cultural , encontra-se atualmente dentro da área de um parque, pertencente a uma marca de cachaça, com acesso pago e restrito, visto que segundo informaram na portaria do tal parque, só estará aberto a visitação em agosto. 
Qual seria a justificativa para que uma área que faz parte da história do município e do Ceará, tenha se tornado privativa de uma cachaçaria?  
 Tapera das Artes
belíssimo prédio da Secretaria de Educação
As cidades históricas tem um potencial de atrair visitantes, quer pelo patrimônio histórico-cultural, quer pelas belezas naturais. Mas os gestores do patrimônio histórico de Aquiraz, diferentemente de outras cidades históricas do Ceará, não parecem sensibilizados para esse tipo de público. 
Apesar de ser sábado (ou porque era sábado), o único equipamento aberto à visitação era o museu de arte sacra. Os demais – a igreja matriz, a casa do capitão-mor, o mercado das artes, a tapera das artes, o teatro tapera das artes - estavam todos fechados.  Somados ao absurdo da privatização do sítio dos jesuítas, sobra pouco a ser visitado. 
Para compensar, me desloquei para um lugar que, com toda certeza, estaria aberto....

A Prainha


fotos: Rodrigo Paiva
fontes consultadas:
IBGE
Wikipédia 
História do Ceará, de Aírton de Farias

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Praia do Icaraí - Caucaia - Ceará

 

Na década de 1980, as praias de Iparana e Pacheco, que ficam a oeste de Fortaleza e pertencem a Caucaia, município localizado na região Metropolitana, eram duas boas alternativas de litoral para os moradores da capital cearense. Estas praias deixaram de ser frequentadas em razão do avanço do mar. 
Agora o problema passou a afetar uma outra praia, que já foi concorridíssima, com imóveis valorizados e muito procurada por nativos, turistas e moradores de Fortaleza: a praia de Icaraí. Barracas de praia foram destruídas pela força das ondas, e a faixa de areia praticamente desapareceu.







Pesquisas sobre o fenômeno do avanço das marés no litoral do Ceará feitas  por pesquisadores da UFC, através do Instituto de Pesquisas do Mar – Labomar,  concluíram  que o problema começou ainda no século passado, na década de 1940, com a construção do Porto do Mucuripe, e já afetou uma área considerável do litoral cearense. 
Segundo os pesquisadores,  antes do porto, até 800 mil metros cúbicos de sedimentos eram trazidos para o litoral de Fortaleza a cada ano e esse processo foi interrompido. Como consequência, a areia começou a ser removida, pelas correntes marinhas, da faixa mais próxima do porto, o que levou à construção de espigões ao longo da orla de Fortaleza. 
Isso, no entanto, foi levando a erosão para as praias vizinhas, até chegar ao Icaraí, atualmente o ponto extremo mais crítico.
Apesar de nem sempre haver a associação direta por parte da população, o avanço do mar, o aterro na Praia de Iracema, os espigões construídos no litoral e a degradação da costa no Icaraí estão todos relacionados com as consequências da construção do Porto do Mucuripe.  

 Mesmo quem ainda não teve o estabelecimento destruído pela força das marés e continua funcionando, sabe  que a solução não virá a tempo de salvar o investimento.





Uma das soluções para resolver o problema seria a remoção completa do cais, com a transferência de todas as empresas para o Porto do Pecém.
Outra alternativa seria uma combinação de três recursos disponíveis com a tecnologia atual: a colocação de pedras na beira da praia, expediente chamado de “enrocamento aderente”, mais espigões (com aterros entre eles) e um quebra-mar artificial colocado em uma linha paralela à costa. 

O lugar para cada intervenção seria decidido de acordo com a necessidade, a preservação da fauna e da flora e os interesses da comunidade que mora próximo ou frequenta a orla.



Essas obras de contenção já começaram no Icaraí, e notícias veiculadas na mídia, dão conta de que os recursos já estão disponíveis. O projeto prevê a recuperação de quase 1,5 km de faixa de praia e está orçado em quase R$ 8 milhões. 


Ainda que se amenize a situação, os prejuízos tanto materiais quanto ambientais são incalculáveis. 
No mais é esperar para ver o dia em que os donos do planeta se conscientizem que Gaia tem um ponto de equilíbrio. E quando limites são ultrapassados, todos perdem.   

quarta-feira, 6 de julho de 2011

O 15 de Novembro de 1889 no Ceará

Gonçalo Baptista Vieira - Barão de Aquiraz
No dia do golpe dado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, a política cearense era disputada por quatro grandes facções oligárquicas: os Liberais Pompeus, liderados por Antônio Pinto Nogueira Accioly; os Liberais Paulas, dirigido pelo conselheiro Antônio Joaquim Rodrigues Junior, e que era então a ala política mais poderosa do Ceará; os Conservadores Miúdos ou Carcarás, liderados pelo octogenário Gonçalo Batista Vieira – o Barão de Aquiraz – e os Conservadores Graúdos ou Ibiapinas, capitaneados pelos igualmente idosos Joaquim da Cunha Freire – o Barão da Ibiapaba – e Domingos José Nogueira Jaguaribe – o Visconde de Jaguaribe, que morreria em 1890
Barão da Ibiapaba Domingos Jaguaribe
Nas eleições para o senado de maio de 1889 – as últimas do Império – os Conservadores Miúdos estavam aliados aos Liberais Paulas, e os Graúdos aos Pompeus. Com o regime republicano os velhos partidos foram extintos, de modo que os grupos oligárquicos foram momentaneamente afastados do governo.  
Os republicanos históricos tomaram o poder, sendo confirmados no comando da província pelo governo central. Os primeiros anos da República no Ceará foram marcados por muita instabilidade, agitação, troca de governantes e práticas de atos ilógicos e cômicos. 




A notícia da Proclamação da República chegou por telégrafo, no final da tarde do dia 15 de novembro. O Ceará era então governado pelo coronel Jerônimo Rodrigues de Moraes Jardim, no poder havia apenas um mês. 
Ao tomar conhecimento da notícia, o presidente promoveu reuniões com os comandantes das forças militares, auxiliares e chefes políticos locais, pedindo o auxílio de todos para a manutenção da ordem pública. Chegou a enviar um telegrama ao primeiro ministro do Império, solicitando esclarecimentos, do qual, obviamente, não obteve resposta. 
Moraes Jardim foi convidado a aderir à república, mas relutou talvez em razão de não acreditar que o Império pudesse cair tão facilmente, como os fatos davam a entender. 
No dia 16, oficiais do 11° Batalhão de Infantaria, alunos do Colégio Militar e membros do Centro Republicano se reuniram na Praça dos Mártires (atual Passeio Público) para garantir a adesão do Ceará ao novo regime – deliberaram pela deposição do presidente Moraes jardim. 
A aglomeração, sob o olhar curioso e espantado da população de Fortaleza, deslocou-se a seguir em direção ao palácio do governo. 


 Passeio Público em 1915 (Nirez)

Os republicanos, tendo à frente uma bandeira vermelha carregada por um espanhol de má fama chamado Catalão, por onde passavam,  quebravam as insígnias reais e placas de ruas com nomes ligados à Coroa, aos gritos de Viva a República, Viva a França! Ao som de uma banda de música tocando a Marselhesa e com muitos fogos de artificio.
Para aqueles exaltados republicanos cearenses, a Proclamação da República era como uma Revolução Francesa nos trópicos. Chegando à sede do governo, a multidão intimou o último presidente monarquista do Ceará a entregar o poder, ao que Moraes Jardim não ofereceu  nenhuma resistência.
Depois por indicação do major Manuel Bezerra de Albuquerque, professor do Colégio Militar, foi indicado para governar a província Luís Antônio Ferraz, comandante do 11° Batalhão. Alguns republicanos mais entusiastas protestaram contra essa escolha – afinal Ferraz fora um leal servo da monarquia, inclusive alguns dias antes havia sido convidado a ajudar a causa republicana, tendo recusado  e ainda vociferado palavrões e maldições contra os republicanos. 


Palácio da Luz em foto de 1908 (Nirez)

Mas os entusiastas nada puderam fazer porque eram os militares que possuíam as armas do golpe. Desinformado sobre o que se passava no Rio de Janeiro, a então capital federal, ignorante da forma de governo que se estabelecia, o presidente Ferraz organizou o “Governo Provisório do Estado do Ceará da Confederação da República do Brasil”. Nomeou uma comissão executiva para auxiliá-lo, que tinha forma e status de ministério. 
No dia 18 de novembro de 1889 chegou um telegrama enviado pelo ministro do governo federal  Aristides Lobo, comunicando a nomeação de João Cordeiro para a presidência do Ceará. Cordeiro, sem saber bem o que fazer, respondeu ao governo federal que recusava a tal nomeação,  pois já havia sido aclamado e empossado o Coronel Ferraz. 
Aristides Lobo e outro ministro, Rui Barbosa, passam novo telegrama, dizendo que ficava sem efeito a aclamação, devendo ele, João Cordeiro, sem demora, tomar posse do governo. Diante de uma nova recusa de Cordeiro, o jeito foi o governo central aceitar Ferraz como governador do Ceará, sendo este efetivado oficialmente a 1° de dezembro de 1889.  
Os republicanos históricos que sonharam ardorosamente em chegar ao controle do Ceará recusaram a oportunidade e deixaram o comando do Estado nas mãos de um simpatizante da monarquia.


fonte:
História do Ceará, de Airton de Farias

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A Missão da Ordem dos Jesuítas no Ceará

Os Jesuítas chegaram ao Ceará enviados por Portugal, por volta da metade do século XVII, com o objetivo de evangelizar os nativos, que havia se tornado hostis à medida que criadores de gado exploravam os sertões.  A ação catequizadora dos jesuítas na metade do século XVII diferia das práticas iniciais. 

imagem do site badusca.wordpress

A princípio os membros da Companhia de Jesus procuravam evangelizar os índios de forma espontânea, com danças, procissões, presentes, cantos e pregações, visitando-os e convivendo com eles por certo período nas aldeias.  Essa estratégia não deu certo. 
Bastavam os padres deixarem as aldeias para que os indígenas retomassem seus costumes tradicionais. Antes vistos como doces e inocentes, os índios passaram a serem considerados seres bestiais, animalescos, endemoniados.  
Para convencê-los a aceitar a fé cristã, seria necessário, antes de tudo, dominá-los e afastá-los de seus hábitos primitivos, dos pajés, feiticeiros, e curandeiros. 


imagem do site Portal São Francisco


Os aldeamentos ou missões eram áreas em que se erguiam espécies de aldeias artificiais, ambiente diferente das aldeias naturais dos nativos, para onde os índios eram conduzidos e mantidos para serem doutrinados. 
Criavam-se os aldeamentos a partir da concessão pelo governo de terras necessárias à sobrevivência dos índios que visavam catequizar. A Carta Régia de 1700 estabeleceu a dimensão de uma légua quadrada de terra para os aldeamentos. 
Durante anos os jesuítas tentaram inutilmente fundar aldeamentos estáveis na Ibiapaba, local onde os índios se opunham ferozmente à presença dos invasores. 
Várias vezes os jesuítas foram obrigados a deixar a serra, fosse por resistência dos índios, fosse por pressão dos colonos e autoridades d Maranhão, os quais desejavam escravizar os nativos. 


Igreja Matriz de Nossa Senhora de Assunção em  Viçosa, construída pelos Jesuítas. Viçosa foi o primeiro assentamento branco a surgir na região, com o nome de Aldeia da Ibiapaba. Em 1695 ganhava a primeira igreja, dedicada a N. Sra. de Assunção, em estilo barroco.  Hoje cercada de casarões, muitos com histórias do século XVIII, de ressonância colonial. Somente em 1759 ganharia a denominação de Vila Viçosa Real.    


 Por fim, em 1695, os religiosos conseguiram se instalar na serra, fundando em 1700 o aldeamento de Nossa Senhora de Assunção da Ibiapaba, no local da atual cidade de Viçosa do Ceará. Já em 1702 a Aldeia da Ibiapaba já abrigava mais de quatro mil pessoas, o que a tornava um aldeamento de dimensões consideráveis. 
Na primeira metade do século XVIII a Missão da Ibiapaba se tornara o maior aldeamento do Brasil. 
Para dar uma base de sustentação econômica à aldeia, o governo português determinou a entrega de sesmarias aos religiosos onde pudessem criar gado. Assim, recebendo como doação ou comprando terras, os jesuítas se tornaram proprietários de vastos latifúndios, possuindo terras nas proximidades dos rios Jaguaribe, Choró, Pacoti, Aracatiaçu e Coreaú. 
O produto do trabalho indígenas nos aldeamentos enriquecia a Companhia de Jesus, bem como a remuneração dos serviços que os nativos prestavam aos colonos. A posse de tantos bens e o controle sobre tantos braços indígenas estimulavam os atritos e as cobiças dos colonizadores contra os jesuítas. 


Ruínas do Hospício de Aquiraz (foto:http://www.panoramio.com/photo/29235868) 


Foi como doação que os missionários receberam terras em Aquiraz, erguendo ali um hospício, ou seja, um ponto de hospedagem ou residência – na linguagem da época – seria um local para descanso e pouso dos jesuítas em suas andanças pelo Siará. As construções se iniciaram em 1727. 
O Hospício de Aquiraz serviu também como casa de ensino, um verdadeiro seminário, onde se recolhiam como alunos internos os filhos dos moradores das fazendas sertanejas que possuíssem vocação religiosa. Outros aldeamentos foram fundados no século XVII e no seguinte, nas proximidades de Fortaleza, como os de Parangaba, Caucaia e Paupina. 

Cidade de Almofala, onde os índios Tremembé viveram seu primeiro aldeamento (imagem do livro Ceará Terra da Luz)


Também foram aldeamentos cearenses no período colonial: Paiacu, depois chamado Monte-Mor-Velho, Guarani e hoje Pacajus, Monte-Mor-Novo ( atual Baturité), Telha (atual Iguatu), Miranda (hoje Crato), Missão Velha, Missão Nova (atual São José dos Cariris), Aracati-Mirim (atual Almofala), Salamanca (atual Barbalha).


Convento dos Jesuítas em Baturité (foto: site da prefeitura de Baturité) 

A vida nos aldeamentos provocou uma mudança no modo de vida dos índios em vários aspectos. Os indígenas que antes viviam em ocas ou enormes casas coletivas, com dezenas de pessoas convivendo juntas, e mudando de local periodicamente, passaram a morar em casas de taipa, separadas em unidades familiares e em localidades permanentes. 
Antes dos aldeamentos, os índios tinham uma relação com a natureza ligada ao tempo e as suas necessidades. Dedicavam  ao trabalho apenas o tempo necessário para obter os meios de sua sobrevivência, não tinham como objetivo a acumulação, um conceito capitalista. 
Como o trabalho não absorvia o dia inteiro, frequentemente ficavam ociosos, daí o preconceito dos europeus em verem os índios como preguiçosos
Nas missões o tempo e sua marcação ganharam outros significados, no sentido de disciplinar o trabalho e obter o máximo de produção.  
Boa parte dos atritos entre missionários e nativos tinham origem na imposição da monogamia. A dificuldade era ainda maior com relação aos líderes, pois em virtude de sua posição de guerreiros, eram estes os que mais gozavam do privilégio de ter mais de uma companheira dentro do grupo. 


Urna funerária Tupiguarani pintada (acervo do Museu do Ceará)

 Nas aldeias eram reunidos índios de várias etnias. Havia uma estratégia dos missionários em destruir as bases socioculturais dos povos nativos e torna-los um grupo homogêneo conforme os padrões cristão-europeus. 
Assim, trataram de substituir as línguas originais nativas pelo nheengatu,  uma língua artificial desenvolvida pelos jesuítas nos séculos XVI e XVII para melhor cristianizar os índios. O nheengatu tinha como base o vocabulário e pronúncia tupi, tendo como referência a gramática da língua portuguesa. 
O processo de destruição dos dialetos foi tão bem sucedido, que todos  os índios atuais do Ceará, desconhecem suas linguagens originais. 
A nudez também era algo inaceitável para a Igreja, sobretudo a feminina. Os padres trataram então, de obrigar os nativos a usar roupas, daí o estímulo nas missões do trabalho de tecelagem, principalmente junto às mulheres.  
A igreja se constituía no centro em torno do qual girava a rotina na Missão, ali eram feitos todos os ritos religiosos e se tentava dirigir a vida dos nativos com o badalar dos sinos. 
Uma das primeiras providências ao se iniciar qualquer trabalho de catequização, consistia na construção de uma igreja, símbolo maior da tarefa missionária cristã e civilizatória. 
Apesar da disciplina e das pregações contra os vícios, eram permitidas festas controladas aos sábados e dias santos. Os jesuítas sabiam das necessidades de estratégias que permitissem  aos índios algum divertimento, para facilitar a convivência nos aldeamentos.
Os índios, por sua vez, usavam esses espaços para conservar traços de sua cultura tradicional, resistindo dentro do possível,  à ameaça de total destruição de seus traços históricos e culturais que veio com a civilização.

A confecção da cerâmica é atribuída às mulheres. (peças pertencentes ao Museu do Ceará)
 
Em 1759, o Marquês de Pombal expulsou a ordem jesuítica do Reino. Os inacianos do Ceará acabaram presos, e seus bens confiscados, sendo escoltados por militares armados para Pernambuco em fevereiro de 1760. 
Houve festa em Fortaleza e em outras vilas, e várias celebrações a pedido dos latifundiários e dos demais inimigos da ordem religiosa. 
Os aldeamentos foram convertidos em vilas, administradas por um diretor, enquanto os ritos religiosos dos jesuítas passaram a ser realizados por padre seculares, muitos dos quais, grandes proprietários de terra. Os nativos passaram então a serem mais explorados, quando não expulsos ou obrigados a fugir das aldeias.


fontes: 
História do Ceará, de Airton de Farias
Ceará Terra da luz, organização e coordenação de Patricia Veloso