quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O Jangadeiro


É o mais lírico dos tipos característicos cearenses.  Seu cavalo é a jangada. O mar concentra seu espirito.  A jangada é uma invenção nativa com aperfeiçoamento da arte náutica ibérica.    Descendente direto dos índios tupis, sua casa de palha de coqueiro é erguida na praia, sobre a areia solta. Veste calça e blusa de algodão tingido com cascas de árvores, como o cajueiro. Usa chapéu de palha de carnaúba, pintado de branco, com tinta impermeável. 




Embora não se aventure em viagens mais longas devido a fragilidade de sua embarcação, o jangadeiro passa a maior parte de seu tempo no mar. A vida social em terra o deixa pouco a vontade, para ele o mar é quase tudo. Amigo intimo, misterioso, e cheio de perigos, a um só tempo. O brilho do sol sobre a água salgada consome-lhe a vista muito cedo. 
Os peixes e outros seres marinhos tomam-lhe a imaginação, povoando-a de lendas e contos maravilhosos. 


Histórias de sereias, toninhas, baratas do mar, peixes voadores, grandes naufrágios e salvamentos miraculosos. Para o jangadeiro o mar é algo grandioso do qual ele se defende e que guarda sempre alguma coisa profundamente desconhecida. 
Se etnicamente o jangadeiro não pode negar sua herança índia, seu espírito revela muito do lirismo dos  navegadores lusitanos. Lirismo que aparece na Caninha-Verde, um dos seus folguedos preferidos, nas quadras românticas de suas canções, nos improvisos dos puxadores de coco e até nos folhetos de cordel dos seus poetas, como Zé melancia, poeta maior da vida praieira, falecido há alguns anos em Canoa Quebrada.  


O espírito lírico do jangadeiro reflete-se também em sua mulher, quase sempre artesã do labirinto ou da renda. Há todo um ciclo de contos tradicionais, envolvendo a angústia feminina na espera do homem que foi para o mar.


Extraído do livro
Ceará dos Anos 90 – censo cultural
fotos: acervo do IBGE  
Discovery (sereias)   

domingo, 1 de dezembro de 2013

Os Movimentos Messiânicos

Na segunda metade do século XIX cada vez mais pessoas pobres passaram a seguir lideres religiosos em movimentos messiânicos, chamados preconceituosamente pelas elites, cúpula do Estado e pela igreja, de fanáticos. Tidos como uma ameaça real à ordem estabelecida, logo vieram as perseguições e massacres.

 Seguidores do beato Antônio Conselheiro presos pelas tropas do Exército, no Arraial de Belo Monte, em Canudos (foto JB)

Misturando interpretações da Bíblia, tradições cristãs como o fim dos tempos e criação do paraíso, com mitos a exemplo do retorno de D. Sebastião, tais movimentos representavam, paradoxalmente, não uma fuga da realidade, mas uma crítica implícita, silenciosa, á estrutura socioeconômica vigente. Apegava-se aos céus porque a vida terrena era de sofrimento. O povo se voltava para a religião implorando dádivas e perdão dos seus pecados, os quais supunham serem os causadores do martírio que sofria, esperando a criação de um tempo novo, de paz, de prosperidade e de justiça, onde os pobres seriam abençoados e os ricos e perversos, castigados.

 ruínas da comunidade de Canudos, liderada por Antônio Conselheiro
 
Por essa época, o catolicismo praticado na maior parte do Nordeste, era produto de profundo sincretismo, decorrente da fusão do catolicismo português com as tradições indígenas e africanas. A esse catolicismo mestiço, diferente do praticado pelas altas hierarquias eclesiásticas, os historiadores chamaram de catolicismo popular. É uma espiritualidade repleta de benzedores, curandeiros, rezadeiras, milagreiros, crenças em talismãs, fórmulas mágicas, sacrifícios, penitências e coisas semelhantes.

seguidores do beato José Lourenço, no Sítio Caldeirão

No mundo profundamente místico sertanejo, escasseavam sacerdotes. Para se ter ideia, no início da década de 1860, para uma população de 720 mil habitantes, possuía o Ceará apenas 33 padres, dos quais mais de dois terços, tinham família constituída e cujo prestígio entre os fiéis era baixíssimo.
A falta de padres e o isolamento dos sertões faziam com que pessoas que se destacassem em suas comunidades, por conhecimento e piedade, rotineiramente se ocupassem das práticas religiosas mais comuns – pregar, batizar, rezar, encomendar os mortos. Algumas vezes esse verdadeiro clero laico chegou a celebrar arremedos de missas. Esse fenômeno foi comum no interior do Nordeste e mesmo no Sul. Nos sertões, esse clero laico tinha até uma hierarquia informal. Os beatos tiravam rezas, puxavam o terço, cantavam ladainhas, esmolavam para as igrejas; os mais informados e inseridos nas coisas sagradas eram conselheiros, os quais pregavam e aconselhavam os fiéis. Na maioria das vezes, os conselheiros possuíam sob sua influência um ou mais beatos.

 beato José Lourenço (centro) foto do blog Lampião Aceso

As pessoas de fé não eram tratadas como exóticas ou loucas pelos populares. Ao contrário, constituíam-se figuras comuns nas comunidades, com funções e atribuições aceitas e delimitadas. Assim, os sertões eram trilhados por dezenas de andarilhos que visitavam as localidades desprovidas de párocos e mesmo aquelas que os tinham. Por longo tempo houve um contato semioficial do clero com aquelas lideranças religiosas leigas. Sacerdotes cediam os púlpitos para beatos e conselheiros e alguns chegavam a incentivar tais formas de vida.
Esses homens e mulheres de Deus participavam da orientação social, política e ideológica do povo sofrido do interior nordestino. Traziam-lhe conforto espiritual e mesmo ajuda material. 

 Padre Cícero, o maior lider religioso que o Nordeste conheceu

Alguns desses lideres messiânicos eram extremamente carismáticos, apresentavam atributos extraordinários e sobrenaturais, e eram tidos como profetas ou portadores de uma nova mensagem de esperança e de um mundo melhor. Com esses atributos, fica fácil entender o que levava milhares de pessoas a ouvir e seguir líderes como Antônio Conselheiro, beato José Lourenço e mesmo integrantes da hierarquia católica que adotavam aquelas práticas de catolicismo popular, como Padre Cícero, Padre Ibiapina.

O Lendário Rei D. Sebastião, o Desejado



Dom Sebastião I de Portugal, nasceu em Lisboa, em 20 de Janeiro de 1554 e faleceu na batalha de Alcácer-Quibir em  4 de Agosto de 1578, com apenas 24 anos de idade. Foi o décimo sexto rei de Portugal, cognominado O Desejado por ser o herdeiro esperado da Dinastia de Avis, mais tarde nomeado O Adormecido. Foi o sétimo rei da Dinastia de Avis, neto do rei João III de quem herdou o trono com apenas três anos. A regência foi assegurada pela sua avó Catarina da Áustria e pelo Cardeal Henrique de Évora.
Aos 14 anos assumiu a governação manifestando grande fervor religioso e militar. Solicitado a cessar as ameaças às costas portuguesas e motivado a reviver as glórias do passado, decidiu a montar um esforço militar em Marrocos, planejando uma cruzada após Mulei Mohammed ter solicitado a sua ajuda para recuperar o trono. 


A derrota portuguesa na batalha de Alcácer-Quibir em 1578 levou ao desaparecimento de D. Sebastião em combate e da nata da nobreza, iniciando a crise dinástica de 1580 que levou à perda da independência para a dinastia Filipina e ao nascimento do mito do Sebastianismo.
D. Sebastião morreu na batalha de Alcácer-Quibir ou foi morto depois desta terminar. É provável que seu corpo tenha sido enterrado logo depois, em Ceuta, mas para o povo português, o rei havia apenas desaparecido.  Tornou-se então numa lenda do grande patriota português - o "rei dormente" (ou um Messias) que iria regressar para ajudar Portugal nas suas horas mais sombrias.
Já em fins do século XIX, no sertão da Bahia, no Brasil, camponeses acreditavam que o rei D. Sebastião, iria regressar para ajudá-los na luta contra a "república ateia brasileira", durante a Guerra de Canudos. O mesmo repetiu-se no sul do Brasil, no episódio da Guerra do Contestado.
(Não esquecer que Antônio Conselheiro era homem culto e monarquista e provavelmente, foi através dele, que os camponeses passaram a cultuar a lenda de D. Sebastião)  


Fonte:
História do Ceará, de Aírton de Farias
wikipédia