sábado, 28 de maio de 2016

Os Fundadores do Ceará - Parte II (Final)

A Estrada Geral do Jaguaribe partia de Aracati, um antigo porto de barcos, que se tornaria o mais destacado empório comercial da Capitania. Cortando inúmeras fazendas e currais, dirigia-se à região meridional do Ceará, na Chapada do Araripe, continuando até as terras pernambucanas. Essa estrada tornou-se a mais importante via de acesso aos sertões do Ceará colonial.

A progressiva conquista dos sertões fez-se de espaço a espaço, à força bruta, com as famílias seguindo os rastros do gado vacum. Os colonos adentravam regiões ainda virgens – os sertões de fora – nas zonas litorâneas, vindos do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, e nos – sertões de dentro – aqueles mais interiorizados, oriundos da Bahia e Sergipe. 

Os primeiros desbravadores das terras na ribeira do Jaguaribe foram os sesmeiros de 1681. Quinze nomes dos chamados “Homens do Rio Grande do Norte”, provavelmente parentes entre si, obtiveram sesmarias ao longo do Rio Jaguaribe, indo do Aracati ao Boqueirão do Cunha, no alto sertão. 

Rio Jaguaribe na cidade do mesmo nome 

Entre essa gente, dotada de “civilidade e polidez” estava a família Gracismã, cujo patriarca, o Comissário-de-Cavalaria, Teodósio de Gracismã é tido como um dos primeiros povoadores da ribeira do Jaguaribe, já residindo nessa região em 1683. Alguns historiadores consideram Teodósio de Gracismã descendente e provavelmente, filho do holandês Joris Garstman que na ocupação flamenga desempenhou relevante papel no Nordeste brasileiro. 

O tenente-coronel Garstman foi em seu tempo, a maior autoridade holandesa do Castelo de Keulen, depois Forte dos Reis Magos, no Rio Grande do Norte. Por ordem de Mauricio de Nassau, conquistou o Ceará na campanha de 1637. Era de sua propriedade o Engenho do Cunhaú, comprado por 60 mil florins em 1637, em terras potiguares e que marcou a história colonial pelo hediondo massacre nele realizado contra seus moradores, pelos índios comandados por Jacob Rabi. Garstman deixou descendência no Brasil, de seu casamento com uma portuguesa, possivelmente da família Abreu, antes de 1640.

Aracati - início do século XX 

São os Gracismã ascendentes dos Costa Lima – fundadores do Aracati – dos Pontes Vieira, dos Nogueira Borges da Fonseca, dos Dias da Rocha, dentre outros. Entre Aracati e Icó outras sesmarias foram doadas aos descendentes de Jerônimo de Albuquerque, o Adão Pernambucano, pai de 35 filhos conhecidos e cadastrados como ascendentes da maior parte das antigas famílias nordestinas. 

Os Albuquerque, os Cavalcante, os Holanda, e outros se encontram registrados desde aqueles primeiros tempos, no maior documento genealógico do Nordeste brasileiro, a Nobiliarquia Pernambucana de Borges da Fonseca. Destacam-se velhos troncos coloniais: Porto Saboia – de origem italiana, Figueiredo, Caminha, Castro e Silva, Barbosa, Alves Ribeiro, Antunes de Oliveira, Fidelis Barroso, Pamplona, Amorim Garcia, Costa Barros, Nogueira, Ribeiro, Bessa, Maciel, Gurgel do Amaral, Barreto, Ferreira, Pereira de Brito, Pinheiro, Bezerra de Menezes, Uchoa, Carvalho, Lira, Pereira, e muitos outros ligados ao povoamento daqueles territórios. Segundo o historiador Carlos Xavier Paes Barreto, a família Bandeira de Mello é uma das mais antigas do Brasil. “Com Duarte Coelho, 1º Donatário de Pernambuco, vieram seus primos, Felipe e Pedro Bandeira de Melo”.

No Boqueirão dos Cunha estabeleceu-se no final do século XVII, a família do fidalgo português Pereira da Cunha, mais tarde ligado aos Alencar. Luciano Cardoso de Vargas, deixou incontável descendência espalhada pelas terras jaguaribanas. A esta se vincularam os Vidal de Negreiros, e os Leitão Arnoso, que constituem a linhagem materna da família Gadelha.

Exercendo a medicina, na qual era licenciado, dono de botica e de colégio em que estudavam os rapazes ricos do sertão, Luciano Cardoso de Vargas residiu com sua mulher Maria Maciel de Carvalho, no arraial de São João, na zona jaguaribana. Este casal foi ascendente da família Sombra – de Russas e Maranguape – Vieira da Costa, Ramalho, Maia, Alarcon, Monteiro de Oliveira, Gondim, Nascimento, Caracas, Fiuza Pequeno, Campos, Cabral, Monteiro do Nascimento, Almeida e Castro, Pires e Maia – de Russas, Pinto Lopes, Guerreiro, Chaves, Lessa e Paula Pessoa. 

Região de caatinga esparsa com casas de adobe na margem da estrada e, ao fundo, a Serra de Camará que faz divisa entre Jaguaribe e Icó. 

Os Távora descendem do sargento-mor Manoel Peixoto da Silva Távora, que obteve sesmaria nas adjacências do Rio Jaguaribe em 1723, deixando numerosa linhagem. O sargento-mor, alcunhado de Peixotão por sua compleição física avantajada, figura na citação de Gustavo Barroso, ao lado do Domingão de Guaiuba, como os gigantes do Ceará Antigo, “tão avantajados no físico quanto no moral”.
 
Na região de Morada Nova, radicaram-se os Ferreira, os Correia Vieira, os Gomes Barreto, os Rodrigues Machado, os Girão, os Pimenta de Aguiar, os Rocha Pitta, os Carneiro de Souza. 

Os Feitosas foram os primeiros habitantes do médio Jaguaribe e ficaram famosos no tempo do Ceará Colonial por suas contendas com os Montes. Essas duas famílias, a primeira originária de Pernambuco e a segunda de Alagoas, passaram a morar no Ceará nos 10 últimos anos do século XVII, nas imediações de Icó – nesse tempo um arraial quase despovoado. A disputa entre os dois poderosos clãs dividiu a administração da capitania, quando a Câmara era sustentada pelos Montes e a Ouvidoria pelos Feitosas. 

No Icó radicaram-se também os Ferreira Lima, os Mendonça, os Fernandes Vieira, os Leal, os Fiuza, os Bastos de Oliveira, os Pinto Bandeira, os Pinto Accioly, e os Pinto Nogueira. Conforme registro de Raimundo Girão, esses últimos Pinto eram os irmãos José Vitorino e Joaquim Pinto Nogueira, portugueses, moradores em Olinda, que atraídos por interesses comerciais vieram para o Icó e ali enriqueceram. Seu estabelecimento viria a ser a melhor loja de fazendas e armarinhos, ferragens e louças que já se conheceu nos sertões do Ceará.

No Cariri se estabeleceram as famílias Alencar, Gonçalves, Sampaio, Arnault, Figueiredo Pereira e Bezerra de Menezes. Entre os representantes da corrente baiana cita-se Antônio de Sousa Goulart bisavô da heroína Bárbara de Alencar, bandeirante que servia à poderosa casa dos Garcia D’Ávila. A família dos Garcia D’Ávila, uma das mais poderosas do Brasil colonial, desbravou o sertão nordestino por mais de dois séculos.

Para o Cariri a cana de açúcar veio logo com os primeiros povoadores, dentre esses, Antônio de Sousa Goulart, que desde 1718, moía cana em seu engenho, no Sitio Salamanca, certamente o primeiro engenho plantado no Cariri. Composto na época pelas terras dos sítios Lambedor, Lama e Brito, Salamanca deu origem à cidade de Barbalha.

Cortando a bacia do Jaguaribe, a Estrada Nova das Boiadas estendia-se do Piauí até Pernambuco. Era a corda de um imenso arco formado pelo velho caminho que beirando o mar, unia Camocim ao Recife. Essa Estrada Nova concorreu para povoar a zona interiorana cearense, com moradores das capitanias vizinhas, reforçando assim, o isolamento, por muito tempo, da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. Este longo percurso bipartia-se em Quixeramobim: o caminho do Cavalo Morto levava a Crateús e daí para o Piauí; o outro, tomando o rumo noroeste, chegava-se a Sobral.

Em Quixeramobim estabeleceram-se os Ferreira Santiago, os Ramalho, os Souza Pimentel, os Araújo, os Maciel, os Saraiva Leão, e mais tarde, os Câmara, vindos do Rio Grande do Norte. Em Quixadá floresceram as famílias Lemos de Almeida e Queiroz, Facó, Barreiras, Marinho Falcão, Barreira Nanan, e Ferreira da Mota.

Na zona sobralense salientou-se a descendência de Manoel Vaz Carrasco, pai das lembradas sete irmãs, origem das famílias Montenegro, Góes, Gomes de Sá, Vasconcelos, Aguiar Oliveira, Porto, Ferreira da Ponte, Alves Linhares, Araújo Costa, Uchoa, Prado e Parente. Nessa zona fixaram-se os Monte, os Xerez, os Lopes Freire, os Frota, os Filgueiras de Melo, os Furtado de Mendonça e os Rodrigues Lima.

Varando os tabuleiros agrestes, aqui e ali reverdecidos pelos aluviões dos riachos, a Estrada da Caiçara levava à orla marítima os moradores da ribeira do Acaraú, projetando-se também para o interior, em direção às terras ressequidas de Santa Quitéria. Deixou grande descendência no Vale do Acaraú, Manoel Ferreira Fonteles. 

Em Santa Quitéria vicejou o clã dos Pinto de Mesquita. Nos sertões de Crateús, residiam os Mello – apoiados pelos Feitosas – e os Mourão – aliados aos Carcará, disputando o poder da região. Também ali residiam outras famílias que povoaram as fronteiras do Ceará com o Piauí, gerando guerreiros e pastores, vaqueiros, políticos e intelectuais.

 Carta Geográfica do Seara. Fonte: Arquivo Histórico do Exército – Divisão de História
Praça e Igreja Matriz de Quixeré

As missões dos padres jesuítas tiveram importante papel na colonização dos silvícolas. O aldeamento das vizinhanças do Forte se deu em missões situadas no Arronches (Parangaba), Paupina (Messejana), Monte-Mor, o Velho (Pacajus) e Soure (Caucaia). Outras se formaram mais para o interior. Cada aldeamento ocupava espaçosa praça diante de uma igreja. Essas praças ainda podem ser identificadas em muitas cidades, como Baturité, Quixeré, Parangaba, Messejana, Caucaia, Iguatu, Viçosa, Crato, Barbalha, Missão Velha, Missão Nova e outras.

Fonte:

Ideal Clube – história de uma sociedade: memórias, documentos e evocações, de Vanius Meton Gadelha Vieira
fotos do acervo do IBGE

sábado, 21 de maio de 2016

Os Fundadores do Ceará - Parte I

A Estrada Velha foi o mais importante e antigo caminho do Ceará seiscentista. Estendia-se como parte de um grande arco, por toda a orla marítima cearense, com extremo Oeste no Rio da Cruz e no lado oposto pela Angra dos Negros. Por esta estrada se chegava ao Maranhão e caminhando em direção oposta, alcançava-se as capitanias vizinhas do Rio Grande, Paraíba e Pernambuco.


A posse de terra pelos colonos era legitimada pelas cartas de Sesmarias – concessões de terras doadas pelo governo para os que tivessem além de posses e bens, família e agregados. Geralmente as terras doadas ficavam próximas dos rios. Datadas a partir dos últimos decênios do século XVIII, as primeiras sesmarias foram distribuídas próximas as praias, seguidas de outras nas zonas interioranas, no roteiro das águas, demarcadas de rio em rio.

 Primeiras Vilas nas bacias hidrográficas do Ceará, 1699-1823


Algumas se tornaram fazendas e currais congregando famílias – as primeiras inscritas na Genealogia Cearense – nos núcleos mais característicos de nossa formação social. As informações genealógicas ligadas a história esclarecem os fatos e fornecem as biografias de homens, segundo Raimundo Girão, coisa indispensável à obtenção da verdade histórica. 


Os núcleos familiares permaneciam sob o comando de um patriarca daquela rude vida coletiva – o rico proprietário – logo mais transformado em chefe político num tempo que o regionalismo significava mais que o nacionalismo. As outras famílias da região ou a ele se submetiam, compondo alianças familiares, ou se tornavam rivais.

Excluindo aquela deixada em abandono por Martim Soares Moreno – o primeiro a efetivar a conquista da Capitania do Ceará – a mais antiga sesmaria cearense, com concessão registrada em documento, pertenceu a Felipe Coelho de Moraes, nas proximidades do forte. Este já se encontrava por ali desde 1662, constituindo a primeira família do Ceará, no início da real dominação portuguesa, após a retirada dos holandeses.

mapa da Capitania do Ceará, dividido pelo campo iluminado de cor. Acervo do Arquivo Histórico do Exército. 

Cem anos depois, no final do século XVIII, a antiga Estrada de Taquara traçada pelos holandeses em direção à Maranguape, foi palmilhada pelo capitão luso Joaquim Lopes de Abreu com família já constituída na Vila de Fortaleza de N.S. Da Assunção. O capitão, obtendo algumas sesmarias, então devolutas, incorporando-as a outras que havia comprado, constituiu em Maranguape uma espécie de feudo para si e sua família.

Essas sesmarias abrangiam Sapupara e Jereraú. Nesta última instalou a sede administrativa de seus vastos domínios. Homem de largos recursos, Lopes de Abreu foi muito influente na Província.  Exerceu as funções de juiz ordinário, juiz de órfãos de Fortaleza, vereador por esta cidade e primeiro gestor do município durante o Império. Compôs a Junta Tríplice que governou o Ceará em 1820, lavrando neste ano, como presidente da Câmara da Vila de Fortaleza, o Termo de Solicitação ao Rei, da elevação desta vila à categoria de cidade. Presidiu e integrou em Fortaleza, a comissão Extraordinária que aclamou o Imperador Pedro II, em 29 de maio de 1831.


Nas terras de Columinjuba, cedidas por Lopes de Abreu ao agricultor de sua confiança João Honório de Abreu, nasceria em 1853, Capistrano de Abreu, o maior historiador brasileiro, neto de João Honório.

No oratório de Jereraú realizaram-se os casamentos dos filhos do Capitão Lopes de Abreu; dois dos seus netos, filhos do Major Agostinho Luiz da Silva, português de Sintra, uniram-se as famílias Mendes Smith de Vasconcelos e Correia de Mello.

Os Correia de Mello e seus parentes Amaral e Sombra desenvolveram a agricultura e industrializaram seus produtos, tornando Maranguape um verdadeiro celeiro para Fortaleza, de vital importância à sua subsistência. O Comendador João Correia de Mello, açoriano da Ilha Terceira e agente-consular de Portugal em Maranguape, pioneiro em 1876, na exportação de laranja para a Europa, favoreceu também o desenvolvimento de Maranguape, trazendo famílias açorianas visando uma melhor utilização de suas terras produtivas.


Dois irmãos do Comendador, José e Antônio Correia de Mello, casaram-se com as filhas de Domingos da Costa e Silva. O famoso "Domingão de Guaiuba", a quem Gustavo Barroso dedicou um capítulo do seu livro “A Margem da História do Ceará”. Domingão, tio do poeta Juvenal Galeno, pertencia a uma das famílias mais importantes da província. Era irmão da Baronesa de Aratanha e de duas outras casadas na família Justa. Toda essa parentela se entrelaçava com donos de sítios nas serras de Maranguape, Aratanha e Pacatuba. Entre os proprietários de Pacatuba encontravam-se as famílias Pinheiro, Medeiros, Cabral, Correia de Mello, Campos, Spindola, Amaral, Albano, Amora, Coelho, Silveira Gadelha, Fernandes Campos, Lopes, Botelho, Siqueira, Soares e Leite. 


Na Serra de Baturité, iniciou-se o cultivo do café, que adquiriu vulto após 1845, com a fixação da população sertaneja que viera fugida da seca. Uma pequena aristocracia foi se formando entre os cafezais dessas serras. Em Baturité sobressaíram as famílias Linhares, Caracas, Holanda, Ferreira Lima, Queiroz, Sampaio e Dutra.


Mais próximo ao litoral disseminou-se a prole do português Manoel Lopes Cabreira, um dos pioneiros devassadores dessas terras, vinculando-se aos clãs Costa Gadelha, Baima, Lopes, e Queiroz, povoando Aquiraz, Cascavel e mais tarde, o maciço de Baturité. Essa descendência ligou-se as famílias Pimentel, Caracas, Castello Branco, Silveira, Torres e Barros Leal. 


O clã Barbosa Cordeiro, de origem afidalgada, transferiu-se de Baturité para Canindé, residindo na Fazenda São Pedro; também para Canindé foram as famílias Vieira da Costa, Santos Lessa, Pinto de Magalhães, Cruz Saldanha, Cordeiro da Cruz, Alves Ribeiro, Gondim, Rodrigues Campelo e Cordeiro da Rocha. 


 Forte de São Sebastião na Barra do Ceará
Encaminhando-se para o lado ocidental de Fortaleza, em Caucaia, instalaram-se os Rocha Motta, Moreira de Souza e Pereira Façanha. A região de São Luiz do Curu, onde seria fundada a cidade de Imperatriz, hoje Itapipoca, povoou-se com as famílias Pires Chaves, Álvares, Cordeiro, Agrela, Jardim, Telles de Menezes, Tomé Cordeiro, Rodrigues Chaves, Ribeiro da Costa, Castro Vianna, Santos, Barroso, Braga, Pereira Pinto, Escócia de Drummond, Moura Rolim, Teixeira Montenegro e outros, que enriqueceram com o algodão de Uruburetama.

fonte:
Construtores da Terra, do livro Ideal Clube, História de uma Sociedade, de Vanius Meton Gadelha Vieira