domingo, 25 de março de 2012

Senador Pompeu – político no ofício da cultura

Thomaz Pompeu de Souza Brasil (1818-1877) mais conhecido como Senador Pompeu, destacou-se pela inteligência e cultura, no exercício de várias atividades: professor, bacharel em Direito, escritor, político, orador.  Fundador e primeiro diretor do Liceu do Ceará. Estabelecimento de ensino que serviu de base cultural para várias gerações de personalidades importantes do Ceará. Motivou através da análise social e de estudos específicos, o aprimoramento intelectual.  Graças a seus esforços, o Liceu tornou-se núcleo gerador de futuros estudiosos, atraindo até mesmo estudantes de outras províncias.

Prédio do Liceu do Ceará, instituição de ensino criada pelo Senador Pompeu (arquivo Nirez)

A primeira providência de Pompeu depois de assumir as funções no Liceu, como Inspetor-Geral da Instrução, foi fazer uma longa excursão pelo interior do estado, visitando as escolas primárias existentes nas diversas localidades da província.
Ao regressar do sertão, apresentou ao presidente, longo relatório no qual ressaltou as condições precárias daquele estabelecimento de ensino, sugerindo ao mesmo tempo uma indispensável reforma do sistema escolar dominante.  Acentuava que a simples escola de instrução, transmitindo apenas noções imperfeitas de cálculos, leituras e escrita, como vinha ocorrendo nas escolas primárias daquele tempo, estavam longe de atingir o ideal de verdadeira escola popular.
Para Thomaz Pompeu, a  escola deveria instruir, preparar o aluno, despertando-lhe as aptidões para o exercício de uma profissão útil no meio em que vivia. Achava o futuro senador do Império que o ponto básico da reforma estava antes de tudo, na preparação profissional do mestre, o qual a par de novos conhecimentos deveria possuir também condições para fazer da escola primária, estática e monótona, uma escola de trabalho, de atividades pré-vocacionais, que transformasse o estudante num homem do futuro, adestrado para viver e vencer no seu meio.  
Mas Pompeu não se restringiu apenas aos assuntos educacionais. Em 1864, na tribuna do Senado, falava sobre a defesa dos recursos naturais, exigindo a preservação das florestas, como também a construção de açudes para se vencer as consequências climáticas. Tal pronunciamento foi feito alguns anos antes da terrível seca de 1877 que se abateu sobre o Ceará, provocando a morte de milhares de sertanejos.
Entre seus trabalhos publicados destacam-se: Compêndio de Geografia Geral (1857);  Memória sobre o Clima e secas no Ceará (1877);
Sistema ou Configuração Orográfica do Ceará (1877), além de outros importantes estudos que servem até hoje como fontes de pesquisas.


Sede da Via-Férrea de Baturité, na atual Praça Castro Carrera, antigo Campo da Amélia (arquivo Nirez)

O Senador Pompeu participou da organização e criação da Companhia Cearense Via-Férrea de Baturité, em 1870, destinada à construção da estrada de ferro que se estenderia, muitos anos depois, até a cidade do Crato. Os maiores acionistas, além de Pompeu, foram os barões de Ibiapaba e Aquiraz, além de José Pompeu de Albuquerque Cavalcante e Henrique Brockehurst.
Estação Ferroviária de Maracanaú

Os trabalhos de construção do leito da estrada tiveram inicio no dia 20 de janeiro de 1872, pelo empreiteiro Jerônimo Luiz Ribeiro. Em novembro do ano seguinte, era iniciado o tráfego da estrada, com a inauguração da Estação de Arronches (atual Parangaba), e em 14 de janeiro de 1875, foi inaugurada a estação de Maracanaú.  Foi a última festa que contou com a presença do Senador Pompeu. A Estrada de Ferro de Baturité foi a primeira a ser construída na província.

Thomaz Pompeu de Souza Brasil nasceu em Santa Quitéria, Ceará, a 6 de junho de 1818, filho do capitão de milícias Thomaz de Aquino de Souza. Aos dezesseis anos de idade foi para Sobral, estudar Latim com o tio Gregório Francisco Torres e Vasconcelos. Interessou-se pelos estudos, pois a família queria que seguisse a vida sacerdotal. Em 1841, recebeu as ordens sacras no Seminário de Olinda. Dois anos depois bacharelou-se em direito.
Em 1844, candidatou-se a deputado, sem conseguir ser eleito. É bem sucedido em 1846, logo se destacando no Partido Liberal, sendo depois seu grande líder no Nordeste.  Nas eleições gerais para a Câmara Geral em 1845, fica como primeiro suplente do padre José da Costa Barros, assumindo o cargo no ano seguinte com a morte do titular.  Ao mesmo tempo, Pompeu dirige o Liceu do Ceará.
Thomaz Pompeu projetou-se também no jornalismo, principalmente no “O Cearense”, dirigido por Tristão de Alencar Araripe (Conselheiro Tristão) e Frederico Augusto Pamplona. Com a saída dos diretores para ocupar cargos públicos, Pompeu assumiu o jornal, que serviu para projetar suas ideias políticas.
Faleceu em 2 de setembro de 1877, aos 59 anos de idade, em consequência de uma lesão cardíaca de que era portador.  Até seu falecimento, Pompeu residiu na Rua Senador Pompeu (que à época era a Rua Amélia), n° 98, vendida pelos herdeiros para nela se instalar a Padaria Palmeira. Em 1896, em homenagem ao ilustre político, a povoação de Humaitá passou a denominar-se Senador Pompeu, que em 1901, passou a categoria de cidade.
Thomaz Pompeu foi sem dúvida, um dos políticos mais atuantes de sua época. 

extraído do livro
A história do Ceará passa por esta rua, 
de Rogaciano Leite Filho

domingo, 18 de março de 2012

Sobre Cangaço e Cangaceiros

De acordo com folcloristas, cangaço vem da palavra canga, o conjunto de arreios usados para amarrar o boi ao carro – é provável que o termo tenha sido utilizado porque os bandoleiros usavam espingardas a tiracolo ou com correias cruzadas  no peito, lembrando o boi no jugo. Já em 1834, são registradas as primeiras descrições dos bandos que ficaram conhecidos por cangaceiros: chapéu de couro, clavinotes, cartucheiras de pele de onça pintada, longas facas enterçadas, batendo nas pernas, praticamente a mesma indumentária de Lampião.

 Virginio Fortunato vulgo Moderno (no centro) era cunhado de Lampião e liderou seu próprio grupo. Era casado com Durvinha, com quem teve dois filhos. 

Bandidos errantes sempre existiram por todo o país, desde o período Colonial – grupos de assaltantes de estradas que intranquilizavam os viajantes  e eram sistematicamente combatidos pelas autoridades. O cangaço, contudo, foi um fenômeno típico da região Nordeste. A expressão designava os grupos armados sob a liderança de um chefe, que se mantinham nômades e autônomos, vivendo de assaltos e saques e não se ligando permanentemente a nenhuma liderança politica ou latifundiário.

no furo das balas ou no corte das lâminas, vários foram o poder das armas. Serviram a cangaceiros, e coronéis do sertão, a pistoleiros e policiais. Acervo do Museu do Ceará (foto Fátima Garcia)

Há quem veja os cangaceiros como espécies de Robin Hood dos sertões, tirando dos ricos e dando aos pobres. Bandoleiros como Antônio Silvino, que se autoproclamava o “governador dos sertões”, quando assaltava uma localidade, na maioria das vezes dava um passeio  de braços dados com o prefeito ou o delegado de polícia, fazendo depois a bolsa, ou seja, coletava dinheiro entre os proprietários e comerciantes, ficando com a quantia da qual necessitavam e distribuindo o restante entre os populares.
Os cangaceiros obtinham apoio também pela coação e medo. Para os populares e coronéis as únicas alternativas eram ajudar os bandoleiros, ou então sofrer perseguições. Os bandos do cangaço eram extremamente brutais com quem os traía ou ajudava os inimigos. A simples suspeita já bastava para os atos de crueldade. Puniam não só os faltosos, mas também a família destes e até mesmo o povoado onde por acaso residisse. 

 O Punhal que pertenceu a Virgulino Ferreira, O Lampião, hoje faz parte do acervo do Museu do Ceará (foto Fátima Garcia)
punhais que pertenceram a cangaceiros, recuperados pelas volantes. Acervo do Museu do Ceará (foto Fátima Garcia)

Os cangaceiros eram mestres em sangrar pessoas, enfiando-lhes longos punhais entre  a clavícula e o pescoço. Marcavam mulheres com ferro quente, arrancavam os olhos, cortavam línguas, orelhas, castravam homens, violências iguais às cometidas pelos policiais e as volantes. Estes, na ânsia de saber o rumo dos cangaceiros, realizavam crimes hediondos contra a população rural. Muitos policiais, no entanto, chegavam a vender armas e munição  para cangaceiros ou se corrompiam, protegendo ou facilitando suas fugas. Sobre o comandante da expedição que matou Lampião em 1938, capitão João Bezerra, pesavam acusações desse tipo. 

 Cartaz do governo oferecendo 50 contos de reis de recompensa pela captura de Lampião. Uma pequena fortuna, na época. imagem do Blog do Nogueira disponível em 

Os grupos de cangaceiros eram, em geral, pequenos, com três a dez homens no máximo, embora  houvesse bandos maiores, como o do próprio Lampião, que chegou a reunir 100 componentes. Os grupos eram conhecidos pelo nome do chefe. Este selecionava os homens que entrariam no bando, armava-os, atribuía-lhes apelido e determinava as normas de comportamento. A palavra do chefe era inquestionável, sendo ele chamado de patrão. O chefe monopolizava os contatos com os coronéis, coiteiros,  e fornecedores, era quem ficava com a maior parte dos recursos produzidos nas ações criminosas.
Entrando para o cangaço, o individuo  dificilmente saía dele vivo. Mesmo o que se entregava, acabava morto por desafetos, parentes de suas vítimas ou pelos antigos companheiros, os quais temiam que os segredos do grupo fossem  revelados. Quando capturados os cangaceiros eram sumariamente fuzilados, só conduzia-se para a cadeia um ou outro nome mais conhecido, como aconteceu com jararaca – José Leite Santana – baleado e preso no dia seguinte ao assalto malogrado à cidade de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Depois de prestar minucioso depoimento, é levado para o cemitério e ali morto pela polícia. 
Os cangaceiros não deixavam que a polícia avaliasse o resultado dos combates. Conduziam os mortos ou, na impossibilidade, cortavam-lhes as cabeças, dificultando a identificação. Quando assassinados pela polícia, esta igualmente decapitava os mortos, para comprovar o fato e receber as recompensas pagas pelas autoridades. 
Foi o que ocorreu com o bando de Lampião. As cabeças do rei do cangaço e de mais onze companheiros foram colocadas em latas de querosene, cheias de sal grosso para conservá-las. Os corpos foram atirados num riacho seco. Mumificadas, as cabeças ficaram expostas no museu Nina Rodrigues, de Salvador, até 1969, quando familiares conseguiram autorização para fazer o sepultamento. 

Dadá e Corisco. 
Corisco sequestrou Sérgia Ribeiro da Silva, a Dadá, quando ela tinha apenas treze anos. Usou da força bruta para que a moça permanecesse com ele, e mais tarde o ódio se transformou em  um grande afeto. Corisco ensinou Dadá a ler, escrever e usar armas, e permaneceu com ela até no dia de sua morte. Os dois tiveram sete filhos, mas apenas três deles sobreviveram. 

Após a morte de Lampião em Angicos, em 1938, Corisco – Cristiano Gomes da Silva Clero – que não se encontrava naquela localidade e ocasião, assumiu a tarefa de vingar a morte do ex-chefe e amigo. Matou várias pessoas suspeitas de terem traído Virgulino Ferreira. Corisco chegou a enviar cinco cabeças num saco para o prefeito de Piranhas-AL.  No ano de 1940, Corisco foi ferido e morto pela polícia – a sua mulher Dadá, sobreviveu, perdendo uma perna – A morte do Diabo Louro simbolicamente significou o fim do cangaço.


Fonte:
História do Ceará, de Aírton de Farias   
wikipédia      

domingo, 4 de março de 2012

A Chegada dos Protestantes ao Ceará

Fachada da 1ª Igreja Presbiteriana do Ceará, na esquina das Ruas Sena Madureira com Pedro Borges, no centro de Fortaleza (foto do jornal O Povo)

Ainda no século XIX verificou-se uma pequena expansão do protestantismo no Ceará, provocando a fúria da Igreja católica e de seus fiéis mais radicais, gerando uma disputa não só de fé, mas de espaços de poder. A exemplo do que aconteceu em outros locais do Brasil, os credos protestantes chegaram à província com os viajantes de origem estrangeira, fossem europeus, ou norte-americanos.
Os primeiros protestantes, pelo menos a princípio, não se empenhavam em divulgar o credo ou se manifestar publicamente sobre sua religião, talvez temendo represálias ou prejuízos em suas atividades profissionais, em face da tradição católica do povo cearense.  Possivelmente realizavam seus cultos no espaço doméstico, uma vez que faltavam em Fortaleza templos para aquele fim. Mas a presença protestante era evidente e até considerável, como demonstra a construção de um cemitério de ingleses.
Depois vieram os missionários, com a intenção de mostrar às populações locais outras práticas cristãs, e lógico, angariar seguidores. 


O prédio foi demolido em 1976, depois de ser vendido ao grupo C. Rolim. Hoje tem um edifício no local (arquivo Nirez)

O primeiro a chegar ao Ceará foi o reverendo presbítero De Lacy Wardlan em 1882, num programa missionário promovido pelas igrejas Presbiterianas do sul dos estados Unidos. No mesmo dia da chegada, em um hotel da Praça dos Mártires (Passeio Público), o pastor apresentava o culto aos anfitriões: o capitão do porto e senhora, o chefe dos correios um jornalista recém-convertido e alguns passantes.
Em que pese o culto em língua estrangeira, o americano batizou 13 novos adeptos em julho de 1883. Com isso foi fundada a primeira congregação protestante de Fortaleza, que em 1890, deu origem a Igreja Presbiteriana de Fortaleza, a mais antiga igreja evangélica da cidade e por muitos anos, a única.
Suas práticas litúrgicas públicas – não fazer culto a santos e a Maria, cantar hinos de louvor em português, difusão da Bíblia e folhetins, artigos na imprensa, comparecimento a enterros –  irritaram os meios católicos, sobretudo porque as leis do império proibiam as demais religiões de se manifestarem publicamente.
Os segmentos católicos usaram de todos os artifícios para intimidar o reverendo, de notas agressivas nos jornais a ameaças e agressões físicas; chamavam-no jocosamente de padre casado ou "amancebado". 
Quando das pregações públicas, não raras vezes, os evangélicos tinham que aguentar insultos, vaias, gritos, piadas e às vezes, até pedradas, sobretudo nas cidades do interior, onde a religiosidade católica era mais exacerbada. Chegou-se a jogar areia no prato de De Lacy quando de sua estada em Baturité. 


Cidade de Baturité (Arquivo Nirez)

Na época, foi aprovada uma lei pela Assembleia Provincial, aumentando escandalosamente os impostos pagos por comerciantes que vendessem livros não católicos. Os protestantes por outro lado, igualmente atacavam/reagiam aos católicos: maridos forçavam esposas e filhos a se converterem, evangélicos quebravam imagens de santos em público e acusavam os católicos de serem fanáticos, ignorantes, supersticiosos.
Apesar de tudo, De Lacy continuou com seu trabalho, voltando para os Estados Unidos apenas em 1901. Em pouco surgiram pela província os primeiros nativos convertidos.

Fontes:
História do Ceará, de Airton de Farias
Revista Fortaleza, fascículo 2