quarta-feira, 27 de abril de 2011

Escravidão e Abolicionismo no Ceará – Parte1/3

O tráfico de escravos era uma forma de comércio, altamente lucrativa, já exercida pelos mercadores fenícios. Nas sociedades mediterrâneas grega e romana, os escravos constituíam um importante produto comercial.
Os indivíduos eram capturados em incursões em outros territórios, nas guerras ou vendidos pela aristocracia tribal. Os seres humanos, incluindo crianças, eram negociados nos mercados como animais ou qualquer outra mercadoria. 
Em alguns centros de comércio havia mercados especiais de escravos.
navio negreiro sendo abordado por barco da marinha britânica
imagem: slavery image search
No Ceará existem alguns indícios da presença negra já no inicio da conquista do território.
Com o capitão-mor Álvares de Azevedo Barreto, em 1654, vieram quatro companhias de soldados, duas de índios e vários negros.
Africanos foram trazidos para servir os governadores do período colonial, outros para combater os índios.
De modo geral, não havia tráfico negreiro direto para o Ceará. Os cativos que chegavam à capitania chegavam, sobretudo, pelos portos de São Luis e Recife, e em menor grau, por Salvador e Rio de Janeiro. Não obstante, vez ou outra ancorava algum navio negreiro no Ceará, em virtude de dificuldades de navegação.
No final do século XVIII, com a separação do Ceará de Pernambuco e a expansão da cotonicultura, os vereadores de Fortaleza tentaram estabelecer o tráfico direto, mas Portugal não consentiu. Mesmo assim, parece ter havido na segunda década do século XIX uma pequena importação de negros diretamente da África.
O tráfico era quase sempre organizado através de “contratos” entre parceiros comerciais europeus e africanos. O recrutamento era confiado a “contratadores”, que adquiriam este direito mediante o pagamento de licenças. 
Os europeus não se envolviam diretamente na caça aos escravos e preferiam comprá-los aos africanos que se encarregavam de os capturar. Os mercadores europeus permaneciam junto à costa onde os seus parceiros comerciais acorriam para entregar escravos capturados em guerras ou em ataques organizados, em troca dos mais variados objetos, em geral de pouco valor. 
O grande desenvolvimento do tráfico de escravos negros, na segunda metade do século XVI, foi impelido pela necessidade mão-de-obra para as plantações tropicais americanas principalmente de cana-de-açúcar e de algodão.
Para o Ceará vinham predominantemente africanos da etnia banto, embarcados em Angola. Existia também reduzida quantidade de sudaneses. Por volta da terceira década do século XIX os negros africanos de nações já eram escassos, e predominavam os crioulos e mestiços na importação.
No Ceará havia na relação entre senhores e escravos, uma espécie de negociação do cotidiano. Os primeiros não puniam os segundos por qualquer coisa – os negros eram um patrimônio a ser preservado, sem falar que podiam se rebelar – e faziam algumas concessões ou relevavam algumas vezes, o eu poderia ser classificado como desobediência ou ociosidade dos cativos. 
No entanto, isso não significa que os escravos fossem bem tratados, ou que não fossem vítimas de violências e crueldades. Os jornais cearenses do século XIX, ao tratarem das fugas e vendas de escravos, descreviam as marcas e mutilações impostas pelos senhores.
(Cearense, 16/03/1865) 
Jerônimo, moleque ladino tem o dedo cortado da mão direita...
(Cearense, 29/07/1865) 
José, vai-se de seu senhor com o olho perdido...
(O Comercial, 17/04/1856)
 Francisco, escravo de 25 anos, com cicatrizes de chicote nas costas...
(O Comercial 14/06/1856) 
Crioula de 22 a 23 anos, com as costas marcadas por sevícias, de propriedade do padre Vicente da Rocha Mota...
Os cativos, por sua vez, poderiam submeter-se aos ditames dos senhores em troca de vantagens e espaços sociais: 
a possibilidade de lazer e congraçamento social; 
a participação em irmandades e festas religiosas; 
o estabelecimento de relações pessoais e familiares; 
 a obtenção de recompensas materiais (plantar e vender algum produto na vila, criar algumas cabeças de gado, roupas...) e; 
 a promessa maior, a de receber alforria.
imagem: slavery image search
Quando as negociações do cotidiano falhavam ou nem aconteciam, a resistência era declarada, através de fugas e  revoltas. Havia um temor permanente entre as elites quanto a revoltas escravas – a qualquer momento, por qualquer motivo, um cativo, por mais obediente que fosse poderia tentar fugir ou reagir a um castigo.
Entre os mecanismos de controle dos escravos estavam os Códigos de Postura das cidades, como o de Fortaleza, de 1879, que vedava a reunião de escravos, filhos, famílias e criados nas lojas, tavernas e calçadas, por mais de 15 minutos, para qualquer fim, sob pena de multa de 20$000 (vinte mil Reis) ao dono da casa em que se fizer a reunião.
Outra forma de controle estava nos calçados: 
sandálias, sapatos e tamancos eram proibidos aos escravos, os quais deveriam andar sempre descalços, como estava explícito no Código de Posturas de Icó do ano de 1872,  no qual os escravos, exceto pajens e criados, não poderiam usar calçados. Os donos que consentissem ficavam sujeitos a multa de 1$000 (mil Réis). 
Uma das primeiras providências dos escravos ao fugirem, era arranjar ou furtar sapatos, para passarem por libertos.

gargantilhas, algemas e outros instrumentos de tortura utilizados no tempo da escravidão (acervo do Museu do Ceará)
A fuga era um risco para o escravo, devido a possibilidade deste ser recapturado e castigado. A perspectiva de voltar ao cativeiro era trágica, fosse para os fugidos, fosse para os alforriados.
Os escravos eram bens importantes para seus senhores. Passavam de pais para filhos e eram alvos de acirradas disputas nos casos de separações e heranças. Em alguns casos os escravos eram a razão da separação dos casais. 
Quando visitou o Ceará, em 1893, o bispo de Pernambuco D. Diocesano, documentou o caso de José dos Santos, a quem o bispo teve de advertir para que deixasse o trato ilícito com uma escrava, já que era casado com uma mulher exemplar. 
No ano de 1837, em Quixeramobim, o escravo Francisco, tendo uma relação adúltera com sua senhora Joaquina, a pedido da amante matou a machadadas o marido desta, o português José de Azevedo. O escravo foi preso e condenado à morte na forca.  
Figura de proa da barca Laura II, cenário de um levante de escravos que culminou com a morte de toda a tripulação da embarcação, que seguia para São Luis. 
Os rebeldes foram capturados e trazidos para Fortaleza, onde foram julgados, condenados e enforcados em outubro de 1839 no Campo da Pólvora (atual Passeio Público).
 a peça pertence ao acervo do Museu do Ceará.

fontes:
História do Ceará, de Airton de Farias
Museu do Ceará
Biblioteca Virtual de Derecho, Economía y Ciencias Sociales 
disponível em
http://www.eumed.net/libros/2008a/372/TRAFICO%20DE%20ESCRAVOS.htm 

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Água Recurso Renovável, mas Limitado


O planeta terra costuma ser chamado de planeta água. Pudera: cerca de 2/3 do planeta é coberto pelas águas. Os oceanos ocupam em torno de 70% da superfície e os continentes ficam com o resto. 
Desse fabuloso estoque, 97,5% é água salgada, está nos oceanos, imprópria para consumo; 2,493% estão nas geleiras ou são subterrâneas, estão indisponíveis ou são de difícil acesso e apenas 0,007% é água doce, disponível para o consumo. A distribuição dessa fração de 0,007% de água doce no planeta é bastante irregular e o Brasil detém quase 12% de toda água doce do mundo.
A água é um recurso natural renovável, devido ao processo de circulação no planeta, que realimenta o estoque, conhecido por Ciclo Hidrológico: 
Evaporação – a água evaporada dos diferentes ecossistemas, das atividades humanas é transportada até as  regiões mais altas da atmosfera e onde se condensa pela ação das baixas temperaturas; 
Precipitação – a água condensada cai em forma de chuva, neve ou granizo, dependendo da temperatura da atmosfera local; Parte da água infiltra-se no solo, formando corpos de água subterrâneos (poços rasos, artesianos, semi-artesianos, minas, fontes e drenos). 
Assim, na continuidade dessas fases, é que se garante a renovação do estoque de água doce utilizável no planeta.
É preciso observar que não há síntese de água que poderia aumentar gradativamente a sua quantidade; o que existe, é a reposição da quantidade estabelecida.
Mas o consumo no mundo é sempre crescente: nenhuma atividade se desenvolve sem água. A agricultura é a que mais demanda, em volume, os recursos hídricos. 
imagem: o globo
A produção de alimentos responde por 70,2% do consumo de água que provém dos mananciais. Em seguida os maiores usos são a produção industrial (22%)  e  o abastecimento humano (8%). Estes valores percentuais representam uma média mundial e variam muito de um país para outro. Nos países desenvolvidos, por exemplo, que tem ¾ de todas as terras irrigadas, o consumo na agricultura chega a 90%. 
Se as projeções da ONU sobre o crescimento populacional estiverem corretas, em 2030, o planeta terá uma população de 8,1 bilhões de pessoas. Isso implica que a oferta de alimentos terá que aumentar em cerca de 55%, o que elevará o volume de água usada na irrigação a níveis insustentáveis.
imagem: o globo
Depreende-se, portanto, que se não forem adotadas medidas urgentes contra o desperdício, e contra a poluição ambiental, e adotados modelos racionais de uso nas diversas atividades, poderemos em um futuro próximo, enfrentar sérios problemas de desabastecimento.
Hoje, cerca de 1,1 bilhões de pessoas sofrem com a dificuldade de acesso a mananciais de água potável. Anualmente 500 mil pessoas morrem na Índia devido ao consumo de água contaminada. O ritmo de consumo de água aumentou duas vezes mais que o crescimento da população, segundo dados da ONU.  
Atualmente, vários países enfrentam problemas com a falta de água, como
Kuwait, Israel, Jordânia, Arábia Saudita, Líbia, Iraque, Bélgica, Argélia, Cabo Verde, Etiópia, Iraque, Hungria, México, Estados Unidos, França, Espanha e outros, ou seja, em 26 países do planeta a seca é crônica.
seca na África
 Organismos internacionais alertam para o fato de que nos próximos 25 anos cerca de  2,8 bilhões de pessoas poderão viver em regiões com extrema falta de água, inclusive para o próprio consumo. Se a escassez de água atinge preferencialmente os mais pobres, mas não se deve ignorar o fato de que países desenvolvidos já figuram nessa lista, a exemplo dos Estados Unidos, França e muitos outros países da Europa, onde a quase totalidade dos rios está contaminada.
Muitos acreditam que os países podem entrar em guerra por causa dos recursos hídricos, pois estudos indicam que o consumo mundial de água dobra a cada 20 anos. A água tem sido considerada, no final deste século, um recurso escasso e estratégico, por questão de
segurança nacional e por seus valores social, econômico e ecológico.

Situação do Brasil

O Brasil é o grande reservatório de água do mundo, pois possui a maior reserva do planeta – 11,6% da água doce disponível estão no Brasil, que perfazem 53% dos recursos hídricos da América do Sul. 
Em média cada brasileiro possui 34 milhões de litros ao ano à sua disposição. Mas essa água é mal distribuída, uma vez que 80% encontram-se na Amazônia, onde vivem apenas 5% da população brasileira. Os 20% restantes abastecem 95% dos brasileiros.
Nos centros urbanos, os problemas de abastecimento estão diretamente relacionados ao crescimento da demanda, ao desperdício e à urbanização descontrolada – que atinge regiões de mananciais.
trecho navegável do Rio São Francisco entre os estados de Sergipe e Alagoas
 Na zona rural, os recursos hídricos também são explorados de forma irregular, além de parte da vegetação protetora da bacia (mata ciliar) ser destruída para a realização de atividades como agricultura, pecuária e maricultura. 
Não raro, agrotóxicos e dejetos utilizados nessas atividades também acabam por poluir a água. A baixa eficiência das empresas de abastecimento se associa ao quadro de poluição: as perdas na rede de distribuição por roubos e vazamentos atingem entre 40% e 60%, além de 64% das empresas não coletarem o esgoto gerado. 
bancos de areia no Rio São Francisco
O saneamento básico não é implementado de forma adequada, já que 90% dos esgotos domésticos e 70% dos afluentes industriais são jogados sem tratamento nos rios, açudes e águas litorâneas, o que tem gerado um nível de degradação nunca imaginado.
Mas a região do Brasil mais afetada pela escassez de água, é o Nordeste, onde os regimes pluviais são irregulares e grande parte de rios da região são temporários.
Esse é nosso próximo assunto.  

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