quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O Jangadeiro


É o mais lírico dos tipos característicos cearenses.  Seu cavalo é a jangada. O mar concentra seu espirito.  A jangada é uma invenção nativa com aperfeiçoamento da arte náutica ibérica.    Descendente direto dos índios tupis, sua casa de palha de coqueiro é erguida na praia, sobre a areia solta. Veste calça e blusa de algodão tingido com cascas de árvores, como o cajueiro. Usa chapéu de palha de carnaúba, pintado de branco, com tinta impermeável. 




Embora não se aventure em viagens mais longas devido a fragilidade de sua embarcação, o jangadeiro passa a maior parte de seu tempo no mar. A vida social em terra o deixa pouco a vontade, para ele o mar é quase tudo. Amigo intimo, misterioso, e cheio de perigos, a um só tempo. O brilho do sol sobre a água salgada consome-lhe a vista muito cedo. 
Os peixes e outros seres marinhos tomam-lhe a imaginação, povoando-a de lendas e contos maravilhosos. 


Histórias de sereias, toninhas, baratas do mar, peixes voadores, grandes naufrágios e salvamentos miraculosos. Para o jangadeiro o mar é algo grandioso do qual ele se defende e que guarda sempre alguma coisa profundamente desconhecida. 
Se etnicamente o jangadeiro não pode negar sua herança índia, seu espírito revela muito do lirismo dos  navegadores lusitanos. Lirismo que aparece na Caninha-Verde, um dos seus folguedos preferidos, nas quadras românticas de suas canções, nos improvisos dos puxadores de coco e até nos folhetos de cordel dos seus poetas, como Zé melancia, poeta maior da vida praieira, falecido há alguns anos em Canoa Quebrada.  


O espírito lírico do jangadeiro reflete-se também em sua mulher, quase sempre artesã do labirinto ou da renda. Há todo um ciclo de contos tradicionais, envolvendo a angústia feminina na espera do homem que foi para o mar.


Extraído do livro
Ceará dos Anos 90 – censo cultural
fotos: acervo do IBGE  
Discovery (sereias)   

domingo, 1 de dezembro de 2013

Os Movimentos Messiânicos

Na segunda metade do século XIX cada vez mais pessoas pobres passaram a seguir lideres religiosos em movimentos messiânicos, chamados preconceituosamente pelas elites, cúpula do Estado e pela igreja, de fanáticos. Tidos como uma ameaça real à ordem estabelecida, logo vieram as perseguições e massacres.

 Seguidores do beato Antônio Conselheiro presos pelas tropas do Exército, no Arraial de Belo Monte, em Canudos (foto JB)

Misturando interpretações da Bíblia, tradições cristãs como o fim dos tempos e criação do paraíso, com mitos a exemplo do retorno de D. Sebastião, tais movimentos representavam, paradoxalmente, não uma fuga da realidade, mas uma crítica implícita, silenciosa, á estrutura socioeconômica vigente. Apegava-se aos céus porque a vida terrena era de sofrimento. O povo se voltava para a religião implorando dádivas e perdão dos seus pecados, os quais supunham serem os causadores do martírio que sofria, esperando a criação de um tempo novo, de paz, de prosperidade e de justiça, onde os pobres seriam abençoados e os ricos e perversos, castigados.

 ruínas da comunidade de Canudos, liderada por Antônio Conselheiro
 
Por essa época, o catolicismo praticado na maior parte do Nordeste, era produto de profundo sincretismo, decorrente da fusão do catolicismo português com as tradições indígenas e africanas. A esse catolicismo mestiço, diferente do praticado pelas altas hierarquias eclesiásticas, os historiadores chamaram de catolicismo popular. É uma espiritualidade repleta de benzedores, curandeiros, rezadeiras, milagreiros, crenças em talismãs, fórmulas mágicas, sacrifícios, penitências e coisas semelhantes.

seguidores do beato José Lourenço, no Sítio Caldeirão

No mundo profundamente místico sertanejo, escasseavam sacerdotes. Para se ter ideia, no início da década de 1860, para uma população de 720 mil habitantes, possuía o Ceará apenas 33 padres, dos quais mais de dois terços, tinham família constituída e cujo prestígio entre os fiéis era baixíssimo.
A falta de padres e o isolamento dos sertões faziam com que pessoas que se destacassem em suas comunidades, por conhecimento e piedade, rotineiramente se ocupassem das práticas religiosas mais comuns – pregar, batizar, rezar, encomendar os mortos. Algumas vezes esse verdadeiro clero laico chegou a celebrar arremedos de missas. Esse fenômeno foi comum no interior do Nordeste e mesmo no Sul. Nos sertões, esse clero laico tinha até uma hierarquia informal. Os beatos tiravam rezas, puxavam o terço, cantavam ladainhas, esmolavam para as igrejas; os mais informados e inseridos nas coisas sagradas eram conselheiros, os quais pregavam e aconselhavam os fiéis. Na maioria das vezes, os conselheiros possuíam sob sua influência um ou mais beatos.

 beato José Lourenço (centro) foto do blog Lampião Aceso

As pessoas de fé não eram tratadas como exóticas ou loucas pelos populares. Ao contrário, constituíam-se figuras comuns nas comunidades, com funções e atribuições aceitas e delimitadas. Assim, os sertões eram trilhados por dezenas de andarilhos que visitavam as localidades desprovidas de párocos e mesmo aquelas que os tinham. Por longo tempo houve um contato semioficial do clero com aquelas lideranças religiosas leigas. Sacerdotes cediam os púlpitos para beatos e conselheiros e alguns chegavam a incentivar tais formas de vida.
Esses homens e mulheres de Deus participavam da orientação social, política e ideológica do povo sofrido do interior nordestino. Traziam-lhe conforto espiritual e mesmo ajuda material. 

 Padre Cícero, o maior lider religioso que o Nordeste conheceu

Alguns desses lideres messiânicos eram extremamente carismáticos, apresentavam atributos extraordinários e sobrenaturais, e eram tidos como profetas ou portadores de uma nova mensagem de esperança e de um mundo melhor. Com esses atributos, fica fácil entender o que levava milhares de pessoas a ouvir e seguir líderes como Antônio Conselheiro, beato José Lourenço e mesmo integrantes da hierarquia católica que adotavam aquelas práticas de catolicismo popular, como Padre Cícero, Padre Ibiapina.

O Lendário Rei D. Sebastião, o Desejado



Dom Sebastião I de Portugal, nasceu em Lisboa, em 20 de Janeiro de 1554 e faleceu na batalha de Alcácer-Quibir em  4 de Agosto de 1578, com apenas 24 anos de idade. Foi o décimo sexto rei de Portugal, cognominado O Desejado por ser o herdeiro esperado da Dinastia de Avis, mais tarde nomeado O Adormecido. Foi o sétimo rei da Dinastia de Avis, neto do rei João III de quem herdou o trono com apenas três anos. A regência foi assegurada pela sua avó Catarina da Áustria e pelo Cardeal Henrique de Évora.
Aos 14 anos assumiu a governação manifestando grande fervor religioso e militar. Solicitado a cessar as ameaças às costas portuguesas e motivado a reviver as glórias do passado, decidiu a montar um esforço militar em Marrocos, planejando uma cruzada após Mulei Mohammed ter solicitado a sua ajuda para recuperar o trono. 


A derrota portuguesa na batalha de Alcácer-Quibir em 1578 levou ao desaparecimento de D. Sebastião em combate e da nata da nobreza, iniciando a crise dinástica de 1580 que levou à perda da independência para a dinastia Filipina e ao nascimento do mito do Sebastianismo.
D. Sebastião morreu na batalha de Alcácer-Quibir ou foi morto depois desta terminar. É provável que seu corpo tenha sido enterrado logo depois, em Ceuta, mas para o povo português, o rei havia apenas desaparecido.  Tornou-se então numa lenda do grande patriota português - o "rei dormente" (ou um Messias) que iria regressar para ajudar Portugal nas suas horas mais sombrias.
Já em fins do século XIX, no sertão da Bahia, no Brasil, camponeses acreditavam que o rei D. Sebastião, iria regressar para ajudá-los na luta contra a "república ateia brasileira", durante a Guerra de Canudos. O mesmo repetiu-se no sul do Brasil, no episódio da Guerra do Contestado.
(Não esquecer que Antônio Conselheiro era homem culto e monarquista e provavelmente, foi através dele, que os camponeses passaram a cultuar a lenda de D. Sebastião)  


Fonte:
História do Ceará, de Aírton de Farias
wikipédia

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Teatro São João

 
Juntamente com o teatro José de Alencar em Fortaleza, e com o Teatro da Ribeira dos Icós, o Teatro São João, em Sobral, forma o trio de teatros-monumentos existentes no Ceará. Obedecendo ao modelo dos teatros à italiana, em estilo neoclássico, seu projeto foi inspirado no mesmo Teatro Santa Isabel, de Recife,  e leva a assinatura de João José de Veiga Braga. Difere do pernambucano, por ter um pavimento a menos e também por não constarem as torrinhas ou geral. Situa-se na cabeça de uma ampla e bem urbanizada praça e seu prédio destaca-se pela beleza de linhas sóbrias e elegantes.

 
O teatro teve iniciada sua construção em 1875, sob os auspícios da União Sobralense, sociedade cultural organizada especialmente para tal fim. Entre os que tomaram a frente do empreendimento estão Rodrigues Júnior, Ministro de Estado e os escritores Domingos Olímpio e João Adolfo Ribeiro da Silva.


Foi preciso a mão-de-obra dos flagelados  da seca de 1877 para que o São João fosse levantado. Mesmo assim, em sua inauguração em 1880, grande parte do edifício ainda estava por ser concluído. As peças inaugurais foram a Honra de um Taverneiro, drama de Correia Vasquez, e Meia Hora de Cinismo, comédia de França Junior, ambas encenadas por um grupo de amadores sobralenses. A programação incluía ainda a apresentação de lindas sinfonias executadas por uma orquestra sobralense. No ano de 2004 o teatro foi restaurado e inaugurado no dia 29 de dezembro do mesmo ano pelo então ministro da Cultura Gilberto Gil. 

Extraído do livro O Ceará dos anos 90 – Censo Cultural
fotos do Diário do Nordeste e O Povo

sábado, 23 de novembro de 2013

Cego Aderaldo


Aderaldo Ferreira de Araújo, figura lendária da poesia nordestina e mestre de cantadores e violeiros, nasceu no Crato em 24 de junho de 1878. Tendo mudado desde cedo para Quixadá, é identificado com o sertão central cearense. Se para o acidente que causou sua cegueira existe mais de uma versão, sua carreira de menestrel popular é lenda do principio ao fim. Cego aos 18 anos, sem saber ler nem escrever, foi estimulado por sua mãe a cantar para ganhar algum dinheiro, o que fez depois de um sonho onde fazia os seguintes versos para São Francisco:


Oh Santo de Canindé
Que Deus deu cinco chagas
Fazei com que este povo
Para mim faça as pagas
Uma sucedendo as outras
Como o mar soltando vagas.


imagem: Diário do Nordeste - blog de cinema

Quando faleceu sua mãe, feito o enterro, Aderaldo pediu que lhe indicassem o lado do nascente. Tomou o rumo de Serra Azul, iniciando a caminhada pelos sertões em busca de fama. Cantou para as humildes populações sertanejas e para figuras como o Padre Cícero (de quem era afilhado), Lampião (de quem ganhou uma pistola de presente) e políticos como Ademar de Barros e Juscelino Kubitscheck.


imagem: Diário do Nordeste-blog de cinema

Rachel de Queiroz, que conheceu de perto o cantador, diz que mais que os desafios que o tornaram afamado, Aderaldo gostava de cantar modinhas, romances sertanejos e velhas xácaras portuguesas adaptadas ou deformadas. Em suas viagens carregava também um projetor manual, com o qual encantava as pessoas, mostrando e narrando velhos filmes mudos.
Um ano antes de morrer, sem mais poder cantar, teve certo dia um novo apelo:


Voltei de novo a cantar
Porque esta é a minha sorte
Minhas cantigas me dão
Roupa, comida e transporte
Deixarei este dever
Quando um dia receber
O beijo fatal da morte.

Morreu a 29 de junho de 1967 e foi conduzido ao cemitério por intelectuais, políticos e principalmente por seus amigos violeiros.


extraído do livro
O Ceará dos Anos 90 - Censo Cultural

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A Lenda de Jericoacoara


Contam antigas lendas que, sob o serrote de Jericoacoara, ali onde o sertão adentra o mar, numa gruta ornada de tesouros e objetos mágicos,  vive encantada uma princesa moura. Prisioneira de terrível maldição expia a princesa tenebrosa pena, transformada em serpente, com cabeça e pés femininos. Dizem os adivinhos que, no momento em que algum ser natural ou sobrenatural, traçar no dorso da cobra, uma cruz com sangue humano, a princesa desencantará. Reza ainda lenda que, em torno da princesa encerrada na gruta, estende-se oculta uma cidade de muitas gentes. Conhecedor de tão inverossímil história, narra Joaquim Canuto, o contador de trancosos oficial do lugar, que um feiticeiro espanhol de nome Manoel Queiroz decidiu desfazer o encanto.


Corria o ano de 1938, quando o feiticeiro, fascinado pelos encantos da princesa, e querendo arrebatar sua beleza e riqueza, convocou os moradores do pequeno arruado para a empreitada. Em grande romaria, caminharam por sobre maravilhosas dunas de areias  alvas e finíssimas, contornadas por verdes coqueirais, onde o vento tocava uma música mágica, tangendo-lhes as palmas como se fossem cordas de uma sublime harpa.


Beirando a esmeralda cristalina do mar, deram de frente à gigantesca porta da gruta. Acenderam tochas para iluminar a trilha e os mais destemidos já se preparavam para adentrar o misterioso recinto, quando teve início uma grande controvérsia entre os circunstantes. O feiticeiro penhorava o sacrifício de alguém, pois só desse modo poder-se-ia libertar a cidade e desencantar a princesa. Porém, ninguém queria se apresentar como voluntário. Foi quando, após atordoante estrondo, surgiu no portão da gruta a horrenda serpente, na qual a princesa fora encantada. Alguns juram ter ouvido o alarido de animais e gentes da cidade.

Ninguém, entretanto, ousou enfrentar o monstro. O primeiro a fugir foi o feiticeiro, o que causou revolta no povo, que o conduziu a cadeia da vila mais próxima. Antes que a prisão se consumasse, desgostoso e desesperado, o espanhol Manoel Queiroz pulou do alto do penhasco que encima o serrote.

extraído do livro
O Ceará dos anos 90 - censo cultural
fotos de Jericoacoara - Ricardo Vianna

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Comunidade Quilombola de Conceição dos Caetanos

Localizada no município de Tururu, a 119 km de Fortaleza, Conceição dos Negros ou Conceição dos Caetanos é um dos poucos redutos de negros existentes no Ceará. Quase todos os moradores pertencem a uma mesma família, a de Caetano José da Costa, seu fundador. Proveniente do município de Pacoti-Ceará, ele comprou um pedaço de terra em 1887 por 200 mil réis, três anos depois da abolição da escravatura no Ceará.

Comunidade Quilombola Conceição dos caetanos 

No documento do registro das terras consta o seguinte termo: “confrontações e características do imóvel:  uma posse de terra no lugar Conceição, deste termo, extremando para o sul, no oitão da casa de José Martins com terras de João Germano da Silva. Pelo norte com Francisco Gonçalves Marinho em um salgadinho rumo direito a uma imburana que tem a vista da lagoa Timbaúba, pelo nascente o mesmo vendedor e poente com o Rio Mandahú”.
Caetano trabalhou a terra juntamente com a família dentro dos moldes rurais nordestinos. Possuía como únicos bens a terra, a casa, um coqueiro, um tear e um caixão de madeira que comportava 16 alqueires de farinha.

Comunidade Quilombola em Quixadá (foto Diário do Nordeste)

Como fundador do lugarejo, sendo o mais velho do clã, exercia o poder de um patriarca, com ele eram discutidos os problemas e a ele cabiam as decisões. Não permitia que os negros casassem com brancos. No Ceará, é singular um reduto ter resistido por uma geração ao entrosamento com outras comunidades.



Talvez, por ter sido esta discriminação de uma minoria, por originar-se de um clã e pelo fato do Ceará ter sido o primeiro Estado brasileiro a libertar os escravos, o tempo se encarregou de revelar infrutífera tal atitude.
Assim também nas tradições, danças, canções, costumes, ritos e crenças ensinadas pelo velho Caetano José, praticamente nada mais existe, por não guardarem mais nenhum traço da cultura africana. Desconhecem sua origem, fato que nos surpreende, já que nos revela o mestre Luís Câmara Cascudo: “ em qualquer agrupamento a memória coletiva tem duas ordens de conhecimento: o oficial e o não oficial que é o tradicional, oral, anônimo, independente do ensino sistemático”.

fonte: 
O Ceará dos anos 90 - Censo Cultural

domingo, 17 de novembro de 2013

Almofala - Terra dos Tremembés

A incrível história da Igreja de Almofala

aparência atual da Igreja de Almofala

Almofala é um pequeno povoado localizado no litoral norte do Ceará, a cerca de 280 km de Fortaleza, no município de Itarema. Almofala é palavra de origem árabe, vem de Al-Mahalla (acampamento).
A localidade está inserida em uma belíssima paisagem de dunas e cajueiros. O início da ocupação da região onde hoje se situa Almofala, remonta ao fim do século XVII, quando a Carta-Régia do Governo de Portugal , de 08 de janeiro de 1697, deu de sesmaria aos índios Tremembés as terras entre a barra do Rio Aracati-Açu. Sua doação objetivou fixar os indígenas – que vagavam pela costa – em aldeias permanentes.





Em 1712 foi concluída a construção da igreja de Almofala levantada pelas antigas missões jesuítas sob a invocação de N. S. da Conceição.
No início de 1898, em razão da  constante força dos ventos, as dunas avançaram sobre a povoação dos Tremembés e lentamente,  foram soterrando a Igreja de Almofala. O templo esteve quase meio século inteiramente coberto pela areia, até começar a aflorar, vagarosamente, daquele imenso areal, sua única e bela torre setecentista, moçárabe, até descobrir-se por inteira, com suas volutas, nichos, seu crucifixo de ferro  para a luz.
Em 1943 foi celebrada a primeira missa em regozijo à sua ressurreição. Em 18 de abril de 1980, a igreja N.S. da Conceição de Almofala, foi reconhecida como Monumento Nacional.

Terra dos Tremembés


Índios Tremembés de Almofala 

A população de Almofala nos dias atuais ainda é composta em sua maioria por descendentes dos índios Tremembés e alguns poucos indivíduos brancos, provindos dos europeus (seriam, segundo o etnólogo Tomás Pompeu Sobrinho, derivados da Terceira Corrente Migratória oriunda da Sibéria, que alcançou o Novo Mundo pelo Estreito de Bering, durante o período que vai do 4° ao 3° milênio A.C. Esses povoadores contornaram o litoral americano do Pacífico e do Atlântico Sul seguindo rumo norte). 



Gente de aparência mongólica relacionada com os povos do oriente asiático (os imigrantes da Terceira Corrente) adaptou sua cultura de fundo marinho ao novo habitat. Em vez de focas ou lobos marinhos, os Tremembés caçavam as grandes tartarugas e os terríveis esqualos encontrados nas costas do Maranhão ao Ceará. Moravam em choças semi-subterrâneas, circulares, com teto coberto de areia. Possuíam uma cerâmica grosseira e haviam domesticado o cão.


O Projeto Tamar atua em Almofala em defesa das tartarugas-verdes que habitam a região e buscam suas águas para alimentação, desenvolvimento e descanso. 

Ancestrais desses ameríndios habitaram o litoral sul do Brasil e somente no início do século XVI a área de dispersão dos Tremembés estendia-se por todas as praias e estuários cobertos de mangues, do Maranhão, Piauí e Ceará.
Constituíam uma entidade linguo-cultural autônoma, conclusão a que chegaram vários especialistas após muita controvérsia. Eram povos turbulentos, robustos, de semblantes desconfiados e violentos. Consumados nadadores e excelentes remadores foram apelidados de "peixes racionais". Várias expedições mandadas às praias dos Tremembés pelos administradores das capitanias do Maranhão e do Ceará, com o fim de exterminá-los, tiveram seus navios afundados por estes indígenas.


índios Tremembés de Almofala dançando o Torém

Como armas empregavam a lança, o arco, a flecha, a clava e machados de pedra semilunares, de gume curvilíneo e base cônica, muito bem polidos e afiados. A confecção desses machados obedecia a um ritual realizado durante a lua crescente, pois acreditavam que combatendo com essas armas jamais seriam vencidos.  
Os descendentes dos Tremembés conservaram alguns costumes e tradições de seus ancestrais e, embora incorporados à sociedade maior, constituem um grupo à parte, diferenciado nas relações sociais. Ainda por lá se canta e dança o Torém, manifestação do ethos tribal em estado de transição para o folclore – que em todo o Ceará, é realizada apenas em Almofala.


 Cemitério de Almofala

O Torém é uma pantomímica, transmitida oralmente de pai para filho, que remonta aos primitivos habitantes do Ceará. Já perdeu seu significado original e sua função, hoje se constituindo numa dança diversional.  Seus versos misturam palavras de origem Tremembé, tupi e portuguesa,  e embora utilizem formas sincréticas do folclore regional, conservaram suas características mais marcantes. 
Os "Tiradores" do Torém efetuam a dança em ocasiões especiais: na colheita do caju – época do mocororó (suco de caju fermentado, usado em substituição ao “cauim”)ou quando solicitados, mediante certa gratificação pecuniária.


fotos da Igreja de N.S.da Conceição gentilmente cedidas por Erikson Salomoni  
fonte:
O Ceará dos Anos 90 - Censo Cultural


quarta-feira, 13 de novembro de 2013

General Sampaio, um herói na Guerra do Paraguai

Estátua do General Sampaio na Praça Castro Carreira (Praça da Estação) inaugurada no dia 24 de maio de 1900. Foi a segunda estátua de Fortaleza (foto Nirez)

Em seu uniforme de general, bordado a ouro, à frente das tropas que decidiam em Tuiuti a mais importante batalha da guerra do Paraguai, o cearense Antônio de Sampaio, passou para a história. Infelizmente não pode usufruir depois as glórias proporcionadas aos grandes combatentes no conflito onde milhares de brasileiros perderam a vida. 
Ao lado dos soldados, quando instigava com coragem o avanço das tropas para a vitória, foi ferido mortalmente. A fuzilaria paraguaia, superior três vezes ao contingente nacional, dizimava os mais ousados. Depois de perder seguidamente os quatro cavalos que montava, Antônio de Sampaio passou a combater de pé, sendo alvejado pelo inimigo. A terceira divisão ficou então sem a principal liderança, colocando em perigo a tropa inteira.

Em 1996 a estátua do General Sampaio foi transferida para a Avenida Alberto Nepomuceno, em frente ao quartel da 10ª Região Militar, onde se encontra atualmente.  

Internado no Hospital de Corrientes, devido aos inúmeros ferimentos que o haviam obrigado a abandonar o campo de luta, dia a dia mais se agrava seu estado de saúde. Conduzido para Buenos Aires, faleceu no dia 6 de julho de 1866 a bordo do navio de guerra Eponina. 
O corpo de Sampaio foi sepultado em Buenos Aires, sendo mais tarde transladados seus restos mortais para o Rio de Janeiro, para finalmente, vir repousar em Fortaleza. Em homenagem ao militar, uma rua de Fortaleza passou a ser chamada de General Sampaio, em 20 de janeiro de 1872. Os restos mortais de Sampaio foram exumados do cemitério São João Batista, onde estavam desde 1873, sendo transferidos para o monumento construído na Avenida Bezerra de Menezes em frente ao antigo CPOR.
A ideia de fazer de Sampaio o patrono da Infantaria da Escola Militar do Realengo coube à turma de cadetes de 1928, numa iniciativa inspirada em proposta do então primeiro-tenente Humberto de Alencar Castelo Branco. A ideia foi concretizada pelos seus colegas de 1930, fazendo de Sampaio não o Patrono da Infantaria de uma unidade, mas de toda a Arma, como o Patrono da Infantaria Brasileira.


Antônio de Sampaio nasceu a 24 de maio de 1810, em Tamboril, Ceará, filho do oficial de ferreiro Antônio Ferreira de Sampaio. Na miséria do interior cearense, sem escolas, não foi além dos conhecimentos rudimentares do primário. Participava, como a maioria dos seus companheiros de infância, das atividades relacionadas com o meio rural, ajudando o pai na sobrevivência da família.



Aos 19 anos tomou-se de paixão por uma jovem sertaneja e foi correspondido. Os preconceitos sociais vigentes e a disparidade de fortuna levaram a família da moça a opor-se a aproximação dos jovens namorados. Mas Sampaio, sempre impetuoso e ousado, apela para a violência e rapta a moça. A jovem que pertencia ao famoso e rude clã dos Mourões, deu ao moço sertanejo um bastardo cujos descendentes, espalhando-se pelas terras interiores do Ceará, chegaram aos nossos dias. 


Perseguido por aquele a quem ofendera, raptando-lhe a filha, Sampaio refugia-se em Fortaleza onde, a 17 de julho de 1830, assenta praça no 22° Batalhão de Caçadores de Linha. 
Depois de terminar a escola de recrutas, recebeu as divisas de cabo pela liderança demonstrada no período de aprendizagem, como também pelas tarefas executadas no quartel. Em 1832, como sargento, partiu para combater a rebelião liderada por Pinto Madeira, partidário da volta da monarquia ao Brasil. Em Icó, a 4 de abril, teve o batismo de fogo numa das batalhas mais mortíferas ocorridas no interior do Ceará.


Naquela época, o ambiente social era constantemente abalado por movimentos populares, que reivindicavam maior atenção por parte do Governo. Antônio de Sampaio sofreu influência do momento: como tantos outros militares do seu tempo, não ficou imune aos atos de rebeldia. Participou do motim de 10 de novembro de 1833, quando seu batalhão se insubordinou e tentou compelir José Mariano de Albuquerque Cavalcante, presidente da Província, a reconsiderar-se, tornando sem efeito uma medida de caráter administrativa que adotara.
Pretendiam os rebeldes forçar o presidente a reintegrar, no comando da tropa, o major Francisco Xavier Torres, dispensado do cargo pouco antes. O motim encabeçado pelo próprio Torres fracassou graças a ajuda militar de outro oficial, o primeiro tenente-Luis Sabino, que buscou a força de que necessitava para sufocar a insólita quartelada.
Os insurgentes foram recolhidos ao quartel e os líderes foram mandados para Recife, Pernambuco, a fim de serem julgados. Antônio Sampaio só seria capturado mais tarde, em Canindé, onde se refugiara. Mas três meses depois foi absolvido e libertado. 


Em 1835, foi designado a reprimir as rebeliões sociais no Pará, que ficaram conhecidas como Cabanagem (levante popular contra a opressão e a miséria imposta pela metrópole). Marchou em seguida para o Maranhão, onde havia também necessidade de interferência militar (Balaiada).
Em 1845, no Rio Grande do Sul ajudou na pacificação daquela província. Pelos trabalhos prestados foi nomeado pelo Governo Imperial para servir numa guarnição do Rio de Janeiro, em 1847.

Em 1966 os restos mortais do General Sampaio foram transladados para a Avenida Bezerra de Menezes, em frente ao antigo CPOR, nesta mesma data a estátua foi retirada da Praça Castro Carreira e levada para esse mesmo local, já sem o pedestal que foi destruído.  (Foto Nirez)

Antônio Sampaio participou de várias mobilizações militares no Rio Grande do Sul, Rio de janeiro e Pernambuco. Fez parte da expedição à Colônia de Sacramento e da Divisão Auxiliadora que marchou para Montevidéu; fez a Campanha Oriental, 1864 a 65; seguindo para o Paraguai, em 1865, assistiu à passagem do Paraná, a 16 de abril de 1866; ao combate da Confluência a 17 de abril; ocupação do forte de Itapiru, no dia 18; combate de Estero-Bellaco a 2 de maio; combate de Passo Cidra a 20 de maio; e por fim, a célebre batalha de Tuiuti a 25 de maio, seu último feito de armas.

fotos Rodrigo Paiva
extraído do livro
A História do Ceará passa por esta rua
de Rogaciano Leite Filho