sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

José de Alencar e a Abolição da Escravatura


Em 1867, José de Alencar publicou uma série Ao Imperador: Novas Cartas Políticas de Erasmo. São sete cartas abertas dirigidas a Dom Pedro II, das quais três tratam abertamente da defesa da escravidão negra no Brasil. O escritor era então deputado no Rio de Janeiro, eleito pelo Ceará, e tentava convencer ao imperador a abandonar a ideia da abolição dos escravos.  O imperador fazia grande pressão pelo fim do comércio humano – ameaçava até desistir do trono se os parlamentares não votassem pelo fim dos cativeiros.

D. Pedro II em 1870
Depois que a liberdade dos escravos se tornou uma conquista, a série de cartas desapareceu. Não entrou nas obras completas do escritor, publicadas em 1959. Até serem redescobertas em 2008, pelo historiador paulista Tâmis Parron, ficaram desaparecidas por 140 anos. 
Curioso é que os motivos de J. de Alencar contra a abolição parecem mais simpáticos aos negros do que os argumentos em favor da liberdade. Nos discursos pró e contra a escravatura do século XIX, os parlamentares se baseavam em razões que hoje parecem insanas. Nenhum negro gostaria de ouvir, por exemplo, o argumento abolicionista de que os africanos formavam uma raça inferior e por isso era necessário parar imediatamente de trazê-los para o Brasil, para que não prejudicassem o futuro do país. 

Já os defensores da escravidão tinham razões politicamente corretas. O mais conhecido deles, o senador Bernardo de Vasconcelos, dizia que a África civilizava o Brasil, portanto a imigração de negros africanos enriquecia a cultura brasileira.

dança dos escravos - pintura de Rugendas

A argumentação de José de Alencar vai nessa linha. Ele não defendia o sistema escravocrata por acreditar que os negros tinham um cérebro menos dotado, mas porque via neles um grande potencial de crescimento e auxílio no progresso do país. Chega a citar negros ilustres da história brasileira, como Henrique Dias, herói da expulsão dos holandeses em Pernambuco: “sem a escravidão africana e o tráfico que a realizou, a América seria hoje um vasto deserto”, diz Alencar na segunda carta ao Imperador. “Três séculos durante, a África despejou sobre a América a exuberância de sua população vigorosa”.

De acordo com José de Alencar, toda nova civilização da história floresceu por meio da escravidão de civilização decadente. O trabalho forçado seria uma “educação pelo cativeiro”, ou seja, um modo de tirar indivíduos da selva e dar-lhes acesso a instrução. O escravo durante anos de servidão, iria adquirir qualidades morais suficientes para ser um novo membro da sociedade. Como mostra desse fenômeno, Alencar cita o alto número de escravos alforriados no Brasil que compravam a liberdade ou a ganhavam de presente.

pintura de Debret 

Segundo o escritor “se a escravidão não fosse inventada, a marcha da humanidade seria impossível, a menos que a necessidade não suprisse esse vínculo por outro igualmente poderoso. Desde que o interesse próprio de possuir o vencido não coibisse a fúria do vencedor, ele havia de imolar a vítima. Significara, portanto, a vitória na antiguidade uma hecatombe; a conquista de um país, o extermínio da população indígena".

pelourinho - pintura de Debret

Muita gente considera importante preservar os costumes nacionais contra influência estrangeira. Alencar e seus colegas do Partido Conservador usam esse argumento para defender a exploração dos negros. A escravidão, para eles, fazia parte da tradição brasileira – era importante para a identidade nacional.
Por essa razão o país não deveria ceder às pressões abolicionistas da França e da Inglaterra, as duas grandes potências da época. Alencar pede a D. Pedro II que pare de se preocupar com a opinião internacional e valorize as instituições brasileiras. “São muitos os cortejos que já fez a coroa imperial à opinião europeia e americana. Reclama sério estudo cada um destes atos, verdadeiros golpes e bem profundos, na integridade  da nação brasileira”.

D. Pedro I deveria ter respondido ao escritor que: deixar o patriotismo de lado e aceitar a influência estrangeira pode salvar um país de costumes bárbaros.

Extraído do livro:
Guia politicamente incorreto da História do Brasil, de Leandro Narloch