Alexandre Francisco Cerbelon Verdeixa, vulgo Canoa
Doida, deixou fama imperecível na crônica histórica do Ceará. Não se sabe ao
certo o seu local de nascimento: Rio do Peixe, na Paraíba, Goiana, em
Pernambuco, ou Crato, no Ceará. Ano do nascimento, 1803. Figura lendária, desde
pequeno se destacou pelas travessuras maldosas no gênero do mítico Pedro
Malasartes. Não conheceu o pai. A mãe Dona Feliciana, cavilosa e piedosa,
oscilava entre as asneiras do marido e as diabruras do filho, casada em segundas
núpcias com um professor de latim, boêmio e piegas, Joaquim Teotônio Sobreira.
Seminário de Olinda, fundado em 1551 - foto G1/Globo
Em 1824, Verdeixa passou das traquinadas da infância
às aventuras da adolescência, alistando-se nas forças republicanas da revolução
de 1824, que sob o comando de José Pereira Filgueiras e Tristão Gonçalves de
Alencar, ocuparam a vila cearense de Jardim, tomando parte no massacre dos
presos e na roda de pau que lhes aplicou, dando de cacete com as duas mãos em
muitos pacientes, até caírem inanimados. Após a derrota dos rebeldes, passou-se
para os legalistas do coronel Agostinho José Tomás de Aquino.
Durante seis anos, de 1824 a 1830, cursou o seminário
de Olinda, ordenando-se em 1831 e sendo logo nomeado vigário de Lavras, no sul
do Ceará.
Igreja Matriz de São Vicente Ferrer, em Lavras da Mangabeira. Padre Verdeixa foi o vigário entre 1830 e 1831. Nesse período realizou o batizado de Fideralina Augusto Lima.
Foto IBGE
Como e porque se decidiu a seguir a carreira eclesiástica, quando até
então não denotara a menor propensão, e os pendores naturais do seu espírito o
inclinavam a outros rumos, é coisa que jamais se conseguiu saber. O que se poderia esperar de um sacerdote sem vocação
formal, solto num meio agitado como o Cariri daquele
tempo? Teceu ali uma enredada diabólica, malquistando o coronel Agostinho com
Pinto Madeira, o infeliz rebelde de 1832, satirizou o perverso advogado
Simplício José da Rocha, levou à ruína o juiz leigo Antônio da Rocha Moura,
desancou em versos o famigerado João André Teixeira Mendes, vulgo canela preta,
e até nos casamentos que celebrava, ofendia os noivos com pilhérias indignas do
seu ministério. Daí o ódio que o cercava, e o obrigava a viver sempre de
sobreaviso, ocultando-se ou fugindo.
Palácio da Luz, sede do governo estadual até início dos anos 60
Foi obrigado a deixar o sertão e vir para Fortaleza,
onde logo se tornou inimigo do presidente da província, o padre e senador José
Martiniano de Alencar. Enganou os índios mansos, que ainda viviam na povoação
de Arronches, fazendo-os assinar uma representação em termos tais que os levou
à cadeia. Proferia ofensas por toda parte contra o presidente Alencar, e caçado
pela polícia, refugiou-se na casa do comerciante português Martinho Borges,
obrigando-o a hospedá-lo sob ameaça de denunciá-lo às autoridades, por alguns
deslizes cometidos pelo comerciante. Verdeixa costumava insultar o presidente
Alencar debaixo das janelas do palácio do governo, gritando-lhe a alcunha –
padre Cobra, e fugindo imediatamente a galope.
Juiz de paz em Baturité, praticou as maiores
arbitrariedades. Quando o quiseram prender, escondeu-se num buraco coberto por
uma tábua sobre a qual sua mãe, placidamente fazia rendas, trocando bilros na
almofada. Envolvido numa tentativa de homicídio, contra o presidente brigadeiro
José Joaquim Coelho, defendeu-se pessoalmente no Tribunal do Júri, encrencando
seu companheiro, o velho capitão-mor Barbosa, quando este lhe perguntou porque
lhe fizera tanto mal, respondeu que, se ele fosse solto, passaria fome na
cadeia, porque até ali vinha comendo do que a família do respeitável ancião
mandava.
Corria que tinha o dom da presciência, avisando as
pessoas dos desastres iminentes que as ameaçavam e adivinhando a chegada das
patrulhas que o procuravam. Tantas fez que se viu obrigado a mudar de cidade. Embarcou
para o Sudeste e conseguiu ser nomeado vigário de Carapebus, na província do
Rio de janeiro. Ali revoltou tanto os fiéis, que acabou amarrado num cavalo e
levado até os limites da paróquia. Encontrando um desconhecido pelo caminho,
disse-lhe que aquela gente o amava tanto, que o levava daquele jeito para que ele
não os abandonasse.
Dizia o historiador João Brígido, que o Padre Verdeixa
tinha uma especialíssima devoção pelo Sacramento do Matrimônio. De todas suas
funções como religioso, a que mais o aprazia era exatamente a celebração das
núpcias. Deixou de comparecer a incontáveis celebrações de sua inteira
responsabilidade, como Batizados, Primeira Eucaristia, Unção de Enfermos, e
outras, mas até onde se saiba, nunca faltou a um casamento! Sempre
diligentíssimo, chegava onde quer que fosse, sob qualquer intempérie climática,
com horas de antecedência da celebração.
Acontece que, o ardiloso e furtivo Canoa Doida, ouvia
primeiro a confissão da noiva, e uma vez sabedor da vida pregressa da nubente,
ameaçava a infeliz de revelar ao futuro esposo e até mesmo a toda urbe, certos
pormenores daquela confissão. Assim, angariava com facilidade os favores
sexuais da noiva, sob o prenúncio de dar com a língua nos dentes. A noiva
poderia conceder seus favores ali mesmo, in situ (dentro do confessionário) ou
preferencialmente no interior da sacristia, dispositivo que oferecia maior
espaço e conforto, prestando-se com maior eficiência à volúpia e demais
caprichos sexuais do nosso Canoa Doida.
Mestre em ações indecorosas, quando não
obtinha da noiva confissões mais “significativas”, não se continha, e fazia
toda sorte de propostas imorais. Foi mesmo espancado por um noivo que não pôde
suportar os excessos do padre. Era uma alma feita de violentos contrastes. Sabe-se
que deixou dois filhos e duas filhas. Deputado provincial nas legislaturas de 1848
e 1868, apesar dos 20 anos que separam os dois mandatos, em ambos, nada fez,
senão pilhérias e colocar os colegas em situações ridículas.
Santa Casa de Misericórdia com apenas 1 pavimento. O 2° só foi construído em 1920 (foto Arquivo Nirez)
De Fortaleza costumava sair para as vilas próximas – Maranguape,
Pacatuba e Baturité. Irrequieto e andarilho, acabou se mudando para Aracati, de
onde regressou moribundo à capital, embarcado num pequeno veleiro. Morreu pouco
depois na Santa Casa de Misericórdia, segurando nas mãos um pacote com 400 mil
reis pelos quais vendera um velho escravo que o servia. Era o dia 18 de
fevereiro de 1872.
Fontes:
À Margem da História do Ceará, de Gustavo Barroso
Verdeixa, o Canoa Doida. Disponível em <http://nehscfortaleza.com/index.php/artigos/item/232-verdeixa,-o-canoa-doida.html>
À Margem da História do Ceará, de Gustavo Barroso
Verdeixa, o Canoa Doida. Disponível em <http://nehscfortaleza.com/index.php/artigos/item/232-verdeixa,-o-canoa-doida.html>
Olá, gostei do seu blog. Eu havia lido o nome desse Padre, mas não o sabia tao ruim! Meu e-mail roselisamourao.adv@gmail.com. Estou escrevendo um livro sobre minha família.
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