sexta-feira, 11 de maio de 2018

A Igreja que criou uma cidade


Quixeramobim, antigamente Campo Maior de Quixeramobim, no coração do Ceará, é uma cidade tipicamente sertaneja, da época do Ciclo do Gado ou da Civilização do Couro. Como muitas outras que se assemelham, consta duma praça principal em que desembocam várias ruas, que se liga a outras praças e no meio da qual se ergue a imponente matriz que substituiu a capelinha primitiva. Foi fundada em 1755, pelo portuense capitão Antônio Dias Ferreira. 


Filho de João Dias Ferreira e de Bernarda de Jesus Ferreira, adquiriu o capitão Dias Ferreira, às margens do rio que o gentio chamava Ibu, terras que pertenciam a Gil de Miranda e sua mulher Ângela de Barros, bem como ao padre Antônio Rodrigues Frazão, região esta, aliás, da qual foi sesmeiro o alferes Francisco Ribeiro de Sousa, com data de 7 de novembro de 1702.  Fundando nestas terras a Fazenda de Santo Antônio do Boqueirão, logo tratou de erigir nas proximidades da sua casa, uma pequena capela sob invocação de Santo Antônio de Lisboa ou Pádua, mais tarde, Santo Antônio de Quixeramobim.

Casa de Engenho em Pernambuco. A Capela é quase uma continuação da residência
imagem: http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br/para-colorir-fazenda-de-cana-do-brasil-colonia/

O costume dos senhores feudais pernambucanos, edificando dentro ou junto das casas grandes dos engenhos, templos ou santuários para orações, estendeu-se ao Ceará, com a praxe de se erigirem capelas ao lado da casa da fazenda, próximas aos currais. Construindo naqueles inóspitos sertões o pequeno templo, lançou o capitão Antônio Dias Ferreira uma daquelas sementes que agiram na formação brasileira – a capela. Criou também, como observa João Brígido, atraindo-lhe moradores, Quixeramobim.

Quando Dias Ferreira situou naquele rincão sertanejo sua fazenda de criar, o templo mais próximo, a capela de Nossa Senhora da Conceição do Banabuiú, ficava na distância de vinte léguas. Daí o pedido que ele e seus vizinhos dirigiram, em 1730,  ao bispo de Olinda, para a criação de um pequeno templo, onde pudessem frequentar os ritos, dedicado a Santo Antônio e tendo como patrimônio meia-légua de terra e 30 vacas, o qual foi entregue ao culto no ano de 1732.


imagem disponível em: http://theses.univ-lyon2.fr/documents/getpart.php?id=lyon2.2009.sulinabezerra_a&part=173537

Vinte e cinco anos mais tarde, a capelinha arruinada era substituída pela igreja que seria a futura matriz da futura cidade. Ergueu-a o português Antônio Dias Ferreira, homem solteiro, de grande fortuna, que possuía vinte léguas de terras, a começar do lugar Espírito Santo, além de Boa Viagem, até a barra do Sitiá, onde tinha grandes fazendas de cavalar e muar com feitorias de escravos de Angola. O rico devoto, construindo aquele templo, mandando até vir artistas de Portugal, trazendo o que a arte produzira de melhor no Ceará – uma igreja vasta e bem decorada.

Imagens, alfaias e instrumentos do culto vieram de Portugal; mas os sinos foram fundidos no local, em fornos levantados de pedra e cal à margem do riacho Capadócio, junto à sua foz no Rio Quixeramobim. À margem esquerda deste, estendeu-se a primitiva vila de Campo Maior, entre os riachos da Palha e Capadócio, dominada pelo vulto da igreja de Santo Antônio, erguida num pequeno monte. Depois de fundidos, os sinos foram conduzidos em procissão pelas antigas ruas das Formigas, da Bem-aventurança, do Juazeiro e da Viração, carregados em andor pelo povo, sendo bentos e batizados com os nomes de Antônio – o maior deles – Francisco e Manuel em honra dos santos respectivos. O sino grande, quebrado em 1861, foi substituído por outros feitos em Pernambuco, em 1868 e 1869. 

No dia 13 de junho de 1789, levantava-se o pelourinho, símbolo das franquias municipais, na praça da matriz.  Não teve o fundador da fazenda Boqueirão, e da Igreja de Santo Antônio, a ventura de ver esse templo elevado à categoria de matriz, a 15 de novembro de 1755. Falecera um ano antes, deixando as obras por terminar. Estas somente vieram a termo no ano de 1770, quando já criada a freguesia sob a direção do capitão João Francisco Vieira. Antônio Dias Ferreira dispusera em seu testamento que, se falecesse no Jaguaribe ou em Quixeramobim, fosse enterrado em sua capela de Santo Antônio, vestido com o hábito de São Francisco, celebrando-se várias missas em sua memória.

Na frente da igreja, um Cruzeiro e o piso tosco no entorno. Foto IBGE s/data
No mesmo ano em que foi instalado o município de Quixeramobim, o que se realizou em 13 de junho de 1789, o capitão Narciso Gomes da Silva fez na primitiva matriz algumas reformas. Com o passar do tempo e com o crescimento da povoação a que dera origem, outras igrejas foram sendo erguidas naqueles sertões, como filiais da velha matriz: a do Rosário, a cargo dos negros; a da Conceição do Sitiá; a de Jesus Maria, José, de Quixadá; a de Boa Viagem; a da Glória, em Maria Pereira. Muitos anos se passariam até que essas filiais passassem a igreja matriz. Somente em 1932 se criaria a freguesia de Maria Pereira, desmembrada de Quixeramobim. 

Ate 1854 faziam-se na velha matriz os enterros dos que morriam na vila e seus arredores. As cinzas dos mortos enchiam o templo, ligando as gerações que se sucediam nas lides do sertão. Em 1857 começou-se a achar o templo diminuto para o número de fiéis que costumavam frequentá-lo, o que denota o crescimento da população local, apesar da grande seca de 1845. Pensou-se em abrir arcadas nas paredes que dividiam a nave dos corredores laterais. Mas somente na década de 1880 a 1890 se começariam os trabalhos da reforma. 

O início dos trabalhos coincidiu com a terrível epidemia de febres perniciosas, que o povo, ainda crente em miasmas, atribuiu ao fato de se revolverem as velhas campas do templo. Em 1902 o vigário monsenhor Salviano Pinto Brandão retomou as obras da matriz, entregues à direção do coronel Rafael Pordeus da Costa Lima e a habilidade de Jacinto de Matos, arquiteto e decorador e Emilio Moreno, mestre de obras.


Com suas duas torres e o frontispício neoclássico, a atual matriz de Quixeramobim conserva a estrutura fundamental da construção barroca do século XVIII, quando tinha uma única torre e o seu frontão ascendia em curvas simétricas. Mudou bastante sua forma; mas a alma do templo quase três vezes centenário continuou a mesma. Há 286 anos Antônio Dias Ferreira plantou seus alicerces no agreste solo sertanejo que fecundou com o suor do seu rosto e desde essa época a sombra de sua cruz abençoa aquele chão e a voz dos seus sinos congrega os fiéis para as alegrias e para as tristezas.

Extraído do livro: 
À Margem da História do Ceará,
De Gustavo Barroso 
fotos: acervo IBGE

                                             

2 comentários:

  1. Gostei muito de ler sua publicação, parabéns. Minha mãe nasceu nessa terrinha querida do sertão central.

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  2. Sou tataraneto do Capitão Antônio Dias Ferreria

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