quarta-feira, 2 de maio de 2018

O Enigma do Açude Quebrado


A cerca de 500 metros do outrora povoado de Jati, no município de Jardim, na região do Cariri, encontra-se o rio que deu o nome ao referido município, o Açude Quebrado. Trata-se de um paredão de alvenaria de pedra, com 45 metros de comprimento de margem a margem, com 12 metros de altura, que as águas, provavelmente numa cheia antiga, romperam na extensão de 8 metros. Essa construção desafia a curiosidade de todos os que a visitam e acende nas imaginações as chamas de muitas lendas. 

 
vista do município de Jati

A curiosa obra de engenharia é inteiramente construída de rocha, existindo nela pedras que pesam algumas toneladas. Quanto à argamassa, é desconhecida, acreditando-se que tenha sido qualquer coisa semelhante ao cimento, porquanto, somente com fortes alavancas algumas lajotas podem ser arrancadas, mesmo as menores, tal a resistência encontrada. Alguns sertanejos aludem ao emprego do sangue de boi...

Em torno do Açude Quebrado, criaram-se várias lendas. Generalizou-se a crença popular que na velha parede havia botijas, isto é, vasilhas de barro com dinheiro.  Foi o bastante para que sobre ela caíssem as picaretas e alavancas de vários aventureiros, atraídos por essas lendárias notícias de tesouros escondidos. Por esse motivo, já não existe o lanço de paredes da margem esquerda, restando o do lado oposto, repleto de escavações. Desse modo o velho açude ficou reduzido a cerca de 1/3 de sua primitiva grandeza. As suas ruínas, porém, graças à resistência do material empregado, subsistirão ainda por muito tempo.

imagem do facebook.com/Jardim-Ce-

O açude foi admiravelmente situado. Ali, o rio Jardim corre apertado entre dois longos serrotes. Essa espécie de desfiladeiro vai desembocar na vasta planura ao norte de Jati, atravessada pela estrada Transnordestina. Para a estrada deita o sangradouro do reservatório, como podia ser visto antes da destruição provocada pelos boatos da existência de tesouros, o que levaria a crer num plano de irrigação daquelas terras.

Os moradores daquelas paragens nada sabem a respeito da origem de semelhante obra. Nem os mais velhos se recordam de qualquer notícia a respeito. Desde tempos remotos que o arruinado paredão detém parte da correnteza do rio nas épocas de inverno farto e se ergue entre suas margens como uma interrogação. A necessidade de uma resposta se manifesta ao sabor da fantasia de cada um. Há quem pense em trabalho de povos misteriosos, envoltos nas brumas de passado remoto, anteriores aos índios que habitavam a região, os famosos Cariris.

Segundo dados de pesquisadores, os primeiros povoadores da zona do antigo Macapá, troncos da família Vidal, vieram do Rio Grande do Norte, sendo que já encontraram o paredão partido ao meio. No baixio, onde o açude desaguava, viam-se restos de um engenho de madeira para moer cana. À margem direita do rio, no ponto mais alto do morro, em cuja base passa a Transnordestina, na orla de Jati, há uma clareia em terreno plano, denominada Fazenda Velha. Diz a tradição que a Fazenda Velha era propriedade do evolucionário Joaquim Pinto Madeira, que ali resistiu a vários ataques de seus inimigos. A casa era de taipa, com dupla parede.  

A existência da Fazenda Velha encerra pelo menos parte da decifração do enigma do açude Quebrado. O reservatório deveria ser dependência desse estabelecimento agrícola, decerto construído após a seca de 1725. No entanto, se torna difícil averiguar quais os autores dessa notável obra hidráulica, graças a carência de documentos que cobrem os primeiros tempos históricos da zona do Cariri.

Cidade de Jardim - Igreja Matrzi de Santo Antônio - Praça N. Sra. das Graças

A Vila do Jardim, em cujo território se situa o açude Quebrado, é fundação de fins do século XVIII. Foi inaugurada na condição de vila pelo padre João Bandeira, em 1816. Na época do povoamento das missões caririenses, desabou sobre o Ceará, a grande seca que durou de 1725 a 1727. Depois veio outra tão terrível quanto aquela, a de 1790-1793. Com certeza, a dolorosa experiência dessas crises climáticas,  levou os antigos proprietários da Fazenda Velha à construção de um grande reservatório de água, para remediar os efeitos de nova ocorrência do fenômeno.

Extraído do livro 
À Margem da História do Ceará 
autor Gustavo Barroso.
fotos IBGE 

Nenhum comentário:

Postar um comentário