segunda-feira, 25 de setembro de 2023

A Primitiva Sociedade Sertaneja

 

Basicamente a sociedade do século XVIII se dividia em duas classes sociais: de um lado, os senhores proprietários de terras, grandes latifundiários detentores do gado, escravos e principalmente, de terras; do outro lado, os “cabras”, constituídos de pequenos proprietários, arrendatários, médios e pequenos comerciantes, funcionários públicos, artesãos, agregados das fazendas, índios escravizados, negros, miseráveis, em diferentes níveis de relação ou dependências com relação aos proprietários de terras.

Casa grande do Umbuzeiro, construída no primeiro quartel do século XVIII, localizada na atual cidade de Aiuaba


Apesar da posse das riquezas e das relações de poder, o modo de vida dessas elites não se se diferenciava muito do restante da população, em virtude da fragilidade econômica local, com secas periódicas, solos ruins, baixa produtividade da terra etc. A diferença entre as casas grandes de fazendeiros e as dos vaqueiros e agregados, não eram tão grandes. Caracterizavam-se pela simplicidade da arquitetura e singeleza das mobílias. Todos tinham os mesmos hábitos alimentares e vestiam roupas simples.

Com a contínua expansão da pecuária e especialmente com os lucros vindos do comércio do charque no século XVIII, tornou-se comum dos fazendeiros com mais posses terem casas nas vilas, onde passavam temporadas como o Natal, a festa da padroeira e as eleições. Contudo, o local de residência do fazendeiro e de sua família, continuava sendo a fazenda de criar gado.

Na terra imperava a violência. As famílias frequentemente mobilizavam seus recursos contra ameaças vizinhas: ataques de outros latifundiários, roubo de gado, disputa por terras, fontes de água ou por razões morais, defesa da honra ofendida. Igualmente havia violência entre as camadas mais humildes. A pobreza, a fome e a escassez de recursos. Os bens eram reduzidos à propriedade de instrumentos de trabalhos, como enxadas, machados e foices, que a dificuldade de os obter os tornavam valiosos, e eram motivo de roubos e assassinatos.

Casa grande do Sitio São Romão, em Orós, construída há mais de 200 anos, com 40 cômodos. Antiga fazenda de exploração agrícola, criação de gado e engenho de cana de açúcar 
imagem DN 


O uso corriqueiro de armas era uma constante preocupação das autoridades que tentavam limitá-las sem muito sucesso. Dessa forma, em qualquer atrito, havia a possibilidade de os envolvidos usarem suas armas e provocarem vítimas.

A autoridade do homem predominava e as mulheres e crianças viviam sob grande opressão, situação ainda mais grave para as mulheres pobres, discriminadas também pela condição social. A mulher deveria ser obediente, submissa e cuidar casa, do homem e da criação dos filhos. O adultério era a maior das afrontas ao marido, punível com derramamento de sangue da adúltera, no chamado “crime de honra”.  

No período colonial eram comuns nas camadas mais pobres da população, os concubinatos (amantes) e amasiamentos (união consensual e estável) considerados crimes pelas autoridades civis e religiosas. Para as camadas dominantes o casamento oficializado era fundamental, por motivos religiosos e manutenção das aparências. Nessas classes sociais os casamentos eram maneiras de reafirmar relações de amizade e manutenção de patrimônio, o interesse dos noivos não era levado em consideração, daí que, muitas vezes estes tinham laços de parentesco e eram prometidos desde o nascimento; ou se conheciam já como noivos, em datas próximas ao casamento.

Entre os proprietários geralmente os casamentos ocorriam entre pessoas da mesma condição social. Contudo, o concubinato poderia quebrar essa regra, pois acontecia de fazendeiros ou autoridades se sentirem atraídos de moças solteiras, pobres, que em troca, ganhavam um certo status, desde que se mantivessem discretas e não afrontasse a boa moral da sociedade. Eram as chamadas “cunhãs” ou a “teúda e manteúda”, que viam na condição de amante uma forma de obter melhores condições de sobrevivência.

Na colônia era crime grave a “alcoviteria”, ou seja, explorar a prostituição. Haviam as chamadas casas de alcouce, um prostibulo eventual, onde o alcoviteiro propiciava o encontro entre homens e mulheres. Tal atividade garantia certa renda para o alcoviteiro que arranjava os encontros, não foram poucos os homens que exploravam seus familiares e senhores que alcovitaram suas escravas.

A sociedade sertaneja caracterizava-se ainda por extremo misticismo e religiosidade, sendo sobretudo, católica, apesar de o catolicismo ter sofrido um processo de sincretismo misturando-se a símbolos religiosos africanos e indígenas.

 

Fonte:

História do Ceará, de Airton de Farias

  

sábado, 16 de setembro de 2023

As Centenárias Igrejas do Centro

 O nosso centro da cidade, que perdeu importância econômica, financeira, política e social nos últimos tempos, ainda detém as construções mais representativas de uma época em que os templos católicos refletiam o status e a fé da população, e atingiam todas as classes sociais: As Igrejas Católicas. A maioria construída com donativos, enfrentando os desafios dos tempos atuais, as igrejas resistem: cercadas de grades, fechadas em boa parte do tempo, enfrentando a concorrência de igrejas evangélicos, mas ainda acolhedoras e receptivas aos homens e mulheres de boa vontade.

Estas são cinco primeiras igrejas de Fortaleza, que já foram fundadas nos mesmos locais onde se encontram até os dias atuais. Algumas foram reconstruídas com características totalmente diferentes dos modelos originais, como as Igrejas do Coração de Jesus, de São Benedito e a de São José (Catedral Metropolitana); a maioria, no entanto, sofreu ampliações e adaptações, no entanto, foram poucas as modificações em relação a construção original.      


1 – Igreja do Rosário - 1730




A Igreja do Rosário foi construída por volta de 1730, pelos negros da Irmandade de Nossa Senhora dos Pretos, em uma época em que havia separação de raças e classes sociais em templos religiosos. Era uma pequena capela de taipa e palha, erguida com donativos ofertados pelos fiéis, num arrabalde da vila, que muitos anos mais tarde se tornaria a atual Praça General Tibúrcio.

Em 1753, a capela foi reconstruída com pedra e cal, porque ameaçava desabar. A capela mor ficou pronta em 1755. No período de 1821 a 1854, Igreja do Rosário serviu de matriz enquanto a Catedral Metropolitana passava por reformas. Construído em estilo barroco, é o mais antigo templo de Fortaleza, tombada pelo Estado em 1983. Fica na Rua do Rosário, s/n, Praça General Tibúrcio, Centro.



2 – Igreja do Patrocínio – 1852



A pedra fundamental da Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio foi lançada em 02 de fevereiro de 1850, e ficaria pronta dois anos mais tarde. Em 1849 o cabo da esquadra Fortunato José da Rocha disparou um tiro contra o Capitão Jacarandá, mas acertou o joelho do Alferes Luís de França Carvalho, que estava ao lado do capitão. Vendo-se em risco de perder a vida, Luís de França fez voto à Senhora do Patrocínio, que se escapasse, faria uma igreja em sua devoção.

No ano seguinte, curado do ferimento, lançou a pedra fundamental da igreja, ao norte da atual Praça José de Alencar. O oficial teve que deixar Fortaleza e os trabalhos de construção passaram a ser muito lentos, apesar da ajuda de muitos fiéis que apoiaram a ideia do militar. A planta do templo foi feita pelo mestre Antônio de Rosa e Oliveira.

As obras iniciadas por França só foram concluídas devido aos esforços do cônego João Paulo Barbosa, que contou com o auxílio de particulares, das Assembleias Provinciais, da Sociedade Auxiliadora dos Templos, e dos materiais foram doados pelo governo nos períodos de secas. Situada na Rua Guilherme Rocha, 536, Praça José de Alencar.



3 – Igreja de São Bernardo – 1854



Em 1854 o Tenente Bernardo José de Melo construiu uma pequena capela de taipa e palha, em honra de Nossa Senhora do Bom Parto. No primeiro inverno, com a força das chuvas que caíram, a capela foi ao chão. Graças ao seu prestígio, o tenente Bernardo conseguiu um empréstimo do governo, e com esse dinheiro construiu a atual Igreja de São Bernardo. A igreja sofreu um único acréscimo em relação a construção original: a sacristia, feita por Monsenhor Quinderé, durante os anos 40.

Inicialmente o povo chamava a Igreja do Seu Bernardo, que com o tempo mudou para São. Ficou sendo a Igreja de São Bernardo, embora a devoção maior fosse em louvor a Nossa Senhora do Bom Parto. Para justificar o batismo da igreja o Tenente Bernardo mandou vir da Espanha uma imagem de São Bernardo, que passou a ser o titular da igreja.

A Igreja de São Bernardo conta com dois altares herdados da antiga Igreja da Sé, demolida em 1938: o Altar de São José e o de N. S. do Bom Parto.  Fica na esquina das ruas Senador Pompeu e Pedro Pereira.



4 - Igreja do Pequeno Grande – 1903

imagem: https://www.tiagoguedes.com.br/post/igreja-para-casar-em-fortaleza

imagem: https://www.tripadvisor.com.br

A história da Igreja do Pequeno Grande está intimamente ligada à história do Colégio da Imaculada Conceição.  A pedra fundamental foi lançada em 1898, pelo padre Chevalier, reitor do Seminário e capelão do Colégio da Imaculada.  As obras, mal iniciadas, sofreram paralisação no ano seguinte, sendo retomadas em 1898 até a sua conclusão em 1903, quando se verificou a benção do templo.

Para que o templo ficasse concluído, a Irmã Chambeaudrie doou à igreja uma herança de família. Por sua vez, os membros de diversas associações – Filhas de Maria, Senhoras de Caridade e as próprias freiras se dedicaram a missão de angariar recursos para a obra. Situada na Avenida Santos Dumont, 55.


5 – Igreja de Nossa Senhora do Carmo – 1906


imagem UOL

Originalmente era a capela de Nossa Senhora do Livramento, um pequeno templo erigido pela Irmandade dos Pardos, administrada pela Paróquia do Patrocínio, erguida em área distante do centro, cercada de árvores, com uma lagoa nas proximidades. No início do século XX, foi decidida a construção de uma igreja em substituição à capela, que se encontrava em péssimas condições. Ainda na construção, foi permitido que fosse mudada a invocação para Nossa Senhora do Carmo.

O templo foi inaugurado em 25 de março de 1906, sendo o primeiro capelão monsenhor José Gurgel do Amaral. A imagem que ocupa o centro do altar-mor tem uma história de desencontro: o Padre Dantas tinha encomendado a imagem de Nossa Senhora do Carmo em Portugal. Quando a efígie da santa chegou a Fortaleza, ele foi avisado de que deveria pagar os direitos alfandegários para que pudesse recebê-la, o que ele não fez por esquecimento.

Então a imagem foi a leilão, tendo sido arrematada pelo Sr. José Rossas, que procurado pelo padre negou-se a cedê-la por qualquer preço. Dias depois José adoeceu gravemente, e fez uma promessa de entregar a imagem à Igreja caso ficasse curado. Alguns dias depois, mandou que sua esposa procurasse o Pe. Dantas para entregar-lhe a imagem da Virgem Maria, sem qualquer compensação.  A Igreja do Carmo fica na Avenida Duque de Caxias, s/n.




Foram totalmente reconstruídas:


Igreja do Sagrado Coração de Jesus – 1886/1961

imagem Instituto do Ceará
imagem Pinterest

Inaugurada em 25 de março de 1886, a construção da Igreja do Sagrado Coração de Jesus foi uma iniciativa do casal José Francisco da Silva Albano e Liberalina Angélica da Silva Albano (Barão e Baronesa de Aratanha), com o apoio do bispo Dom Luís Antônio dos Santos. Ficou conhecida como Igreja dos Albanos. O templo era simples, em linhas neoclássicas e neogóticas, se assemelhava à Igreja do Carmo.

Em 1952, os engenheiros Luciano Pamplona e Valdir Diogo aumentaram a altura da torre e colocaram um imenso relógio trazido de Roma na fachada. Cinco anos depois, em 1957, a torre cedeu e soterrou a entrada da igreja. Não houve vítimas. Ao invés de reconstruir a igreja, pois apenas a torre fora afetada, os capuchinhos optaram por derrubar toda a igreja para construírem um templo maior, com rampas para subida dos carros, uma torre vazada e uma grande cúpula sobre a nave principal.  A nova igreja foi inaugurada em 1961. Localizada na Avenida Duque de Caxias,135, Centro.



Igreja de São Benedito – 1885




                                                     imagem Arquidiocese de Fortaleza

A inauguração da Igreja de São Benedito ocorreu na manhã do dia 8 de abril de 1885.  Era uma igrejinha pequena, original, com quatro frentes para os quatro pontos cardeais, com torre de madeira envidraçada, situada ao lado oriental do Boulevard do Imperador, atual Avenida do Imperador. No dia 27 de julho de 1938 foi instalado o Santuário da Adoração Perpétua, na Igreja de São Benedito. Depois nos anos 1960 foi construída uma nova igreja na Rua Clarindo de Queirós, que fica ao lado, e o antigo templo foi transformado em uma livraria, e foi demolido em 1974.


Catedral Metropolitana – 1795/1978

imagem Arquivo Nirez


A primeira Igreja da Sé, que tem São José como patrono, foi concluída em 1795 e demolido em 1820.

Em 1854 teve início a construção da segunda igreja de São José, em estilo colonial, o espaço em frente passou a ser chamado de Largo da Matriz; Hoje é conhecida por Praça da Sé. Essa segunda igreja foi demolida em 1938.

A Catedral Metropolitana atual foi inaugurada no dia 22 de dezembro de 1978, tendo o padre Tito Guedes à frente de suas obras e como Arcebispo Metropolitano, Dom Aloísio Lorscheider. Fica na Rua Conde D' Eu. entre as ruas General Bezerril, Dr. João Moreira, Castro e Silva e Rufino de Alencar.

As nossas igrejas são bastante modestas se comparadas aos imponentes templos construídos na Bahia, Pernambuco e Minas Gerais,  sob os ciclos da cana de açúcar e do ouro. A arte do Ciclo do Gado é a mais humilde, toda a sua arquitetura se faz, pela falta da pedra apropriada para a obra, em simples alvenaria, na qual se executa uma ornamentação própria. Nem esculturas, nem cinzeladuras, nem obras de talha, nem ouro, nem mármore e só algumas exibem azulejos.    

 

Fontes:

FONTES, Eduardo. As Pouco Lembradas Igrejas Fortaleza: subsídio à história dos templos católicos de Fortaleza. Fortaleza: Secretaria de Cultura e Desporto, 1983.

BEZERRA DE MENEZES, Antonio. Descrição da Cidade de Fortaleza. Introdução e Notas de Raimundo Girão. UFC/Prefeitura Municipal de Fortaleza, 1992

BARROSO, GUSTAVO. À Margem da História do Ceará. Imprensa Universitária do Ceará,  1962