domingo, 29 de março de 2015

Histórias e causos do Barão de Aquiraz

Gonçalo Baptista Vieira nasceu em Arraial de São Mateus, atual município de Jucás, em 17 de maio de 1819 e faleceu em Fortaleza, em 10 de março de 1896, filho do capitão-mor, do mesmo nome. Bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Olinda, em 1843, na mesma turma que Tomás Pompeu de Sousa Brasil.
 
No ano de sua formatura, foi diretor e acionista da Estrada de Ferro Baturité. Era filiado do Partido Conservador, foi deputado à Assembleia Geral e  exerceu o cargo de vice-presidente da província em 1877.  Gonçalo Batista  foi um homem marcado pelas contradições do tempo em que viveu. Sendo grande latifundiário, era simpatizante da causa abolicionista e tinha fama de que maltratava seus escravos. Em 1871 recebeu de Dom Pedro II o título de Barão de Aquiraz.

Quase 120 anos após a sua morte, o Barão de Aquiraz é uma figura pouco conhecida na História do Ceará. Em Assaré, município onde manteve uma fazenda, é lembrado como um personagem distinto daquela que os historiadores esboçam. De líder político e empreendedor, o Barão se converteu em personagem fantástico no imaginário do povo.


Casarão do Infincado onde morou o Barão de Aquiraz
imagem: https://www.facebook.com/permalink.php 

Em péssimo estado de conservação em razão do abandono e do desgaste natural, o casarão da fazenda que pertenceu ao Barão de Aquiraz, na localidade de Infincado, em Assaré, alimenta as histórias em torno de seu antigo dono. Histórias de assombração, de fortunas enterradas, protegidas por artifícios mágicos, além de “causos” a respeito da crueldade do velho Barão. Na cidade, a casa grande do Barão de Aquiraz e os causos são bastante conhecidos. No entanto, um número muito pequeno teve a oportunidade de vê-la de perto. “Ela fica muito longe. A estrada pra lá é ruim, além de não ter nada. É só mato”, conta o comerciante João Palácio.

 Assaré - Igreja de N.S. das Dores - foto do acervo do IBGE 

A localidade de Infincado fica em Genezaré, distrito de Assaré, distante 24 km da sede do município. O terreno acidentado, da estrada carroçável, estende o tempo de viagem, chegando a duas horas de carro. Quando se chega a Genezaré, é preciso atravessar a área povoada, com casas, praça e capela própria. Seguem-se outros 10 km até chegar ao casarão.

Casa e personagem são protagonistas e coadjuvantes de histórias fantásticas. O cenário é mesmo, mas mudam os tempos - indo de causos de quando o Barão de Aquiraz era vivo ao tempo presente, quando este sobrevive como vestígio.

Douglas Nogueira e Erisberto Gonçalves, da Associação de Jovens de Genezaré, pesquisaram sobre a história da casa e colecionaram causos. No campo da história, os dois jovens falam de um rico senhor de terras, que em seu auge financeiro, teve propriedades em Campo Sales, Potengi, Araripe e para além dos limites do Estado, em Pernambuco e no Piauí. Construído em meados do século XIX (não há uma data precisa de sua fundação), o casarão é robusto, com 72 portas, com paredes largas e estruturas em cedro. Foi erguida pelos escravos da propriedade, que moldavam as telhas nas próprias pernas.

No campo do imaginário, mantido por narrativas que passam de geração à geração, o lugar foi palco de cenas de crueldade.  Os moradores mais antigos contam que o Barão era um homem muito perverso. Certa vez teria feito um escravo carregar uma pedra enorme, de um córrego a quilômetros da casa. Quando ele chegou lá, caiu morto, com a pedra por cima,  conta Douglas Nogueira.

O temperamento cruel do fazendeiro reaparece quando se conta dos escravos que mandou matar. “Era um casal de negros, que tinham um caso. O Barão, que era apaixonado por ela, ficou louco quando soube e pôs fim a vida deles. Depois disso, o povo conta que ele passou a ser assombrado pela alma dos escravos. Ouvia correntes sendo arrastadas, as redes da casa eram sacudidas. Ainda hoje tem quem diga que você ouve essas correntes à noite”, narra Erisberto Gonçalves.

Curiosa a descrição da crueldade do Barão para com seus escravos, porque a história o registrou como simpatizante do abolicionismo. Em março de 1883, antes da abolição da escravidão no Ceará, o proprietário teria dado a carta de liberdade para seus cativos. Outras histórias dão conta de aparições do fantasma do Barão, que indicaria onde estão escondidas botijas contendo moedas de ouro, dentro e fora da casa. Estas seriam protegidas por uma cobra, que ameaça devorar quem escavar no lugar errado.

Caso emblemático é o de uma narrativa sobre a morte do Barão de Aquiraz. É Douglas Nogueira quem a reproduz: “quando ele morreu, o corpo saiu da sede da fazendo, em cortejo, com familiares e escravos da propriedade. No meio do caminho, a família encontrou dois escravos, que pediram para carregar a rede, por ordem do cemitério. Eles partiram na frente e a família os perdeu de vista, quando encontrou foi só a rede e as madeiras. Nenhum sinal do corpo ou dos homens que iam carregando ele”. 

Casa em que residiu o Barão de Aquiraz, que mais tarde pertenceu a Luiz Severiano Ribeiro e foi demolida para dar lugar ao Edifício São Luiz, na Praça do Ferreira. (foto do Arquivo Nirez)

A história contradiz o que ficou registrado nos documentos do morto. Falecido em 1896, já não existiam escravos à época; e o Barão de Aquiraz faleceu em sua propriedade na Capital, precisamente onde hoje se encontra o Cine São Luiz, e foi sepultado no Cemitério de São João Batista. 

Diario do Nordeste
wikipédia



domingo, 15 de março de 2015

O Coliseu de Alto Santo

vista panorâmica da cidade de Alto Santo
imagem: http://www.altosantoenoticia.com

Alto Santo é um município Cearense localizado na microrregião do Baixo Jaguaribe, mesorregião do Jaguaribe. De acordo com a projeção do IBGE em 2014, o município contava com 16.823 habitantes. É uma cidade como tantas outras do Ceará, com as carências comuns aos pequenos municípios do interior. Mas Alto Santo ganhou um diferencial: o prefeito local resolveu presentear a população com um presente inusitado: Um estádio de futebol com as características que lembram o Coliseu!
 
A exemplo do Coliseu Romano, que foi construído sobre um lago, o de Alto Santo também foi construído sobre um açude, que foi aterrado para  esse fim (aterrar um recurso hídrico numa região de chuvas escassas como é o interior do Ceará, além de crime ambiental, é no mínimo, uma grande irresponsabilidade).


O Coliseu cearense, pode ser visto a partir da entrada da cidade de Alto Santo e, até o momento, tem apenas um quarto da estrutura das arquibancadas prontas. Com capacidade prevista para acolher 20 mil pessoas, o estádio vai superar o número de habitantes da cidade, que é de 16.823 pessoas, segundo o IBGE. O gramado foi o primeiro a ficar pronto, desde o início da obra e, mesmo sem uso, precisa ser mantido diariamente com irrigação e poda da grama.

O questionamento maior quanto à construção da Arena, é que em Alto Santo, não há gladiadores, nem cristãos para serem atirados às feras; não há sequer, um time de futebol:  o Alto Santo Esporte Clube foi desativado em 2009, depois de disputar a 3ª divisão do campeonato cearense em 2007 e 2008.




À época o ex-prefeito teve a ideia de construir o estádio, que ainda não tem nome, está com 60% das obras concluídas e não tem data para ser entregue, já que depende do repasse de verbas federais. No total, o investimento custará quase R$ 1,5 milhão. E o prefeito atual pretende concluir a obra assim que possível.

A população da cidade está dividida:  uns entendem que o equipamento pode ser um diferencial para Alto Santo, e atrair tanto eventos esportivos, quanto visitantes para a região; outros entendem que a cidade tem outras prioridades, como saúde e educação e esses recursos poderiam ser melhor empregados.

Em 2012, o Ministério Público Federal no Ceará (MPF-CE) instaurou inquérito civil público, com base em denúncia recebida pela Procuradoria da República em Limoeiro do Norte sobre possíveis irregularidades na execução das obras do Estádio Municipal de Alto Santo. Desde então, o MPF vem apurando o caso, por meio do acompanhamento, junto à Caixa Econômica Federal, da execução dos recursos provenientes de dois contratos firmados com o Governo Federal para financiamento da obra. 

Coliseu Romano
http://ultradownloads.com.br/

O Coliseu de Roma foi construído por ordem do imperador Vespasiano e concluído, durante o governo de seu filho Tito. É um dos mais grandiosos monumentos da Roma Antiga. Foi erigido sobre o lago da casa de Nero, a Domus Áurea e ficou conhecido como Coliseu porque ali foi achada a estátua gigante do imperador.
Era o local onde, para diversão do imperador e dos súditos, os gladiadores lutavam até a morte e os cristãos eram lançados aos leões. Suas arquibancadas tinham capacidade para 80 mil pessoas.
Para a inauguração, apenas oito anos depois do início das obras, no ano 80 da Era Cristã, as festas e jogos duraram cem dias, durante os quais morreram 9 mil animais e 2 mil gladiadores. As atividades do Coliseu foram encerradas no ano523, mas o espaço permanece como símbolo do Império Romano e principal atração turística da cidade eterna.  

fotos do Coliseu de Alto Santo: Portal Tribuna do Ceará
http://tribunadoceara.uol.com.br


  

segunda-feira, 9 de março de 2015

A Execução de Joaquim Pinto Madeira


Joaquim Pinto Madeira foi político caririense, com serviços prestados ao Ceará, que caiu nas malhas da lei ao promover uma rebelião que lançaria a Província em meses de atropelos e revoltas. Preso no Cariri, por acordo feito com o General Labatut, foi conduzido para o Recife, a pretexto de segurança, seguiu depois daquela província para o Maranhão, onde permaneceu até ser oportunamente julgado no Ceará.

O seu retorno a esta Província se deu a 15 de outubro de 1834, onde preso na cadeia do crime e permaneceu na Capital até 19 de novembro de 1834. No dia seguinte, foi transferido para a Vila do Crato com a finalidade de ser submetido a julgamento. Chegou ao Crato no dia 23 de dezembro de 1834, depois de viajar 33 dias e teve como recepção o Conselho de Sentença que decidiu que o réu seria fuzilado.

O júri havia se reunido extraordinariamente a 19 de dezembro, já na expectativa de receber o réu e dar andamento ao processo. O crime pelo qual seria julgado seria o de rebelião, conforme os precedentes de guerra e os motivos de sua prisão e confinamento na Província do Maranhão. No entanto, no momento de ser lida a pauta do julgamento, o que figurava na ordem dos trabalhos foi o crime ocorrido contra a pessoa de Joaquim Pinto Cidade. Neste crime Pinto Madeira aparecera como mandante, mas por ele já havia sido devassado e pronunciado.


Crato 

Inquirido e reinquirido durante o curso dos interrogatórios, Pinto Madeira negou categoricamente não só a autoria do crime a ele imputado, como por qualquer forma a coautoria, limitando-se a comentar que, segundo havia sido informado, Pinto Cidade morrera em combate, quando do encontro do Buriti.

Quanto às testemunhas de defesa, somente três foram admitidas e duas não tiveram os depoimentos escritos, enquanto que a terceira, por haver falado mais do que convinha ao tribunal, foi posta fora do recinto a peso de bordoadas, no caso o cidadão de nome João Martins do Nascimento.

Tudo, portanto, conspirou grosseiramente contra as chances de defesa do réu, até que, no fechar do dia, caiu-lhe sobre os ombros a seguinte sentença:
“a vista destes autos e da interrogação feita ao réu, Joaquim Pinto Madeira e na conformidade da lei, art. 192, pelas circunstâncias estabelecidas no art. 16 do mesmo Código, itens 11 e 17, e o mais que se acha escrito nos mesmos autos, que tudo foi por mim lido e examinado, assim de muitos outros crimes horrorosos, de que se acha o réu acusado, confirmo o parecer do 2° Conselho de Jurados, e condeno o mesmo réu Joaquim Pinto Madeira no máximo das penas do mencionado Código, Art. 192. O Escrivão intime a presente sentença ao réu e apresente ao Juiz Criminal para cumprir na forma da lei. Cumpra-se. Vila do Crato, 26 de novembro de 1834. (ass.) José Vitoriano Maciel”.


casa onde ocorreu o julgamento de Pinto Madeira

Lida a sentença e inconformado com o veredito, Pinto Madeira valeu-se das prerrogativas que lhe eram asseguradas pelo Código de Processo Criminal, apelando em voz alta para o Juiz Presidente. Em vão, porém, foi o seu protesto. Arrogante, este respondeu em tom autoritário:   não tem apelo nem agravo, Sr. Coronel, prepare-se que o senhor morre sempre. 

Estava selada a sorte de Pinto Madeira. Conduzido imediatamente para o calabouço, ali pernoitaria, quando no dia seguinte seria cumprido o ritual de execução. Antes de chegar à cadeia, onde inúmeros curiosos se acotovelavam, ouviu-se com insistência o dobre dos sinos. Pinto Madeira, então indagou do carcereiro por quem dobravam os sinos, visto como às execuções criminais não se antecipava esse tipo de aviso fúnebre, e obteve como resposta: “é pelo senhor que vai morrer amanhã de manhã”.

A partir das seis da tarde, quando defronte ao presídio crescia a multidão, redobrou-se o dispositivo de segurança, medida com a qual se pretendia evitar qualquer tentativa de sequestro. Não faltaram, entretanto, em meio aos que maldosamente espreitavam o réu, aqueles que se serviram do momento para escarnecê-lo.

Às 8 horas da manhã do dia 27 de novembro de 1834, Pinto Madeira deixou o presídio e subiu diretamente rumo ao morro do Barro Vermelho, onde no topo de uma elevação, a forca já o aguardava, formada por três linhas reforçadas de aroeira. Na frente do cortejo marchava o pregoeiro, porteiro Antônio Alves da Silva, anunciando em altas vozes a sentença em seus pormenores. Calmo e silencioso, a caminhar em passo firme, vinha o réu logo em seguida, trajando calças de brim branco e jaqueta de riscado. Ostentava no pescoço a corda com a qual seria enforcado e nas pontas da qual segurava com as duas mãos o carrasco Cosme Pereira da Silva, também conhecido por Cavaco. Ladeavam o réu, dois confessores.

Diante da figura espectral da forca, Pinto Madeira dirigiu-se aos seus confessores  e pediu deles a intervenção no sentido de que a pena por enforcamento fosse comutada em fuzilamento, justificando não ser um bandido comum e sim, um ex-coronel, e por conseguinte, digno de morte menos vergonhosa. Levado o assunto a José Vitoriano Maciel, este levou a questão aos demais que com ele deveria decidir. Houve discordância por parte de um dos juízes, com a alegação de que se feria a lei, mas o comandante José Francisco Pereira Maia contra-argumentou com ameaças: ou o réu é fuzilado ou volta para a cadeia, para apelar, como também é expresso em lei.

Com isso deu-se por encerrada a querela, desfeito o cenário da forca e colocado o réu em posição de fuzilamento. De mãos atadas e presas a um dos mourões da forca, Pinto Madeira viu-se diante do pelotão, formado por cinco soldados e sob o comando do cabo de esquadra a quem competia dirigir a execução. No momento decisivo, quando os gatilhos foram acionados, ele teve tempo apenas de deixar escapar a seguinte expressão: “valha-me o sacramento!”. As carabinas ecoaram, ele caiu moribundo e o tiro de misericórdia estourou-lhe o ouvido, dando por finda a tragédia.


Extraído do livro Pena de Morte, de R. Batista Aragão
fotos do acervo do IBGE