terça-feira, 16 de maio de 2023

A Segunda Tentativa de Colonização do Ceará

 Mal Pero Coelho de Souza havia se retirado da região, derrotado pelos ataques indígenas e pela violenta estiagem que ainda assolava a capitania do Siará Grande, quando em janeiro de 1607, dois religiosos portugueses da ordem dos jesuítas, se assentaram na capitania, dispostos a conquistar os indígenas, não pela força das armas, mas pelos ensinamentos cristãos. Os padres Francisco Pinto e Luís Figueiras tinham o Maranhão como destino, onde pretendiam enfrentar os franceses e organizar uma missão religiosa da Companhia de Jesus, destinada a catequizar os nativos.




Vindos de Pernambuco e tendo desembarcado em Mossoró, os dois religiosos acompanhados de cerca de 70 índios cristianizados, caminharam até as dunas do Mucuripe, onde se estabeleceram depois de fazerem as pazes com um morubixaba de grande prestígio na região, o famoso chefe Amanai, nome que os historiadores traduziam por Algodão. Pregando habilmente os ensinamentos cristãos, converteram inúmeros selvagens e, auxiliados por eles, fundaram aldeamentos juntos às tribos dos Aratanhas, Caucaias e Parangabas, dando início ao núcleo de evangelização que serviriam de base para pequenos povoados nas imediações da futura cidade de Fortaleza.


Fundaram no seio das tribos das redondezas, que acampavam às margens de lagoas ou na aba das serras próximas, quatro aldeias ou reduções que ainda hoje figuram na toponímia local: Pitaguari, na Aratanha, Caucaia, Paupina e Parangaba, antigos aldeamentos, hoje integrados à Fortaleza ou à sua Região Metropolitana.


Os aldeamentos representaram uma forma diversa de violência, às vezes mais sutil, mas não menos prejudicial à integridade dos povos indígenas. Os missionários, imbuídos da necessidade de ensinar aos nativos a verdadeira religião cristã, escandalizavam-se com os hábitos e costumes locais, que incluíam as práticas pagãs, a nudez, a poligamia, encaradas como satânicas e pecaminosas. Deu-se então o inevitável confronto entre duas culturas desiguais.



Villa Nova de Arronches - antigo aldeamento da Parangaba
Gravura de José Reis de Carvalho que participou da Comissão Científica do Império, e visitou o Ceará entre 1859 e 1861.

Os jesuítas não entendiam que a relação dos nativos com a terra era bem diferente da visão mercantilista do mundo europeu. A maioria dos indígenas recusavam a delimitação da área do aldeamento, e ao trabalho de cultivar a terra, preferindo a liberdade natural de rios e matas.


Findos os trabalhos e deixando essas reduções funcionando, os dois sacerdotes deixaram essas reduções e continuaram sua marcha onde chegaram à Serra Grande ou Ibiapaba, reduto dos índios Ipus.


Depois subiram a serra e fizeram contato com os índios da nação dos Tabajaras, que os apelidaram abaúnas (homens pretos). Os jesuítas encontravam-se no seio da maior taba daquelas paragens, espécie de capital das nações indígenas, aliadas aos franceses que haviam enfrentado as tropas de Pero Coelho de Souza em 1604, e sido derrotados.


A indiada, ainda ressabiada com a derrota, recebeu-os com grande desconfiança, olhando com descrédito aqueles homens vestidos de preto e palavras mansas que lhe falavam de um Deus desconhecido. Alguns franceses que ainda permaneciam no meio dos gentios, os incitavam às escondidas contra os religiosos. Todavia, estes conseguiram com grandes esforços erigir uma capela, onde rezavam missa, pregavam e batizavam. 

 


chacina do Padre Francisco Pinto em 1608  
Por Michiel Cnobbaert - Biblioteca Nacional, Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=17315678


Da mesma forma que ocorreu com Pero Coelho, a história não acabou bem para os dois jesuítas. Padre Francisco Pinto foi flechado e morto a golpes de tacape em janeiro de 1608, enquanto rezava uma missa na capela que ajudara a construir na Ibiapaba.  O padre Luiz Figueira escapou do ataque, e ajudado por alguns indígenas, varou os sertões inóspitos, alcançou as aldeias do litoral, onde o foi acolhido pelo chefe Algodão. O padre continuou sua missão evangelizadora até 1637, quando também foi morto por indígenas na Amazônia.



Fontes:

História urbana e Imobiliária de Fortaleza, de Lira Neto e Cláudia Albuquerque.

À Margem da História do Ceará, de Gustavo Barroso 

imagens da Internet   


domingo, 7 de maio de 2023

Pero Coelho de Souza, o Pioneiro

 A primeira tentativa de ocupação da capitania do Ceará ocorreu pouco mais de um século depois do descobrimento, em 1603, quando Pero Coelho de Sousa, resolveu, por sua conta e risco, organizar uma bandeira, tentando diminuir os prejuízos que teve em outras empreitadas. Ao então governador-geral Diogo Botelho (8º Governador -Geral do Brasil – 1602/1607), declarou como seus objetivos descobrir minas de ouro e prata, expulsar os franceses que invadiram o Maranhão e estabelecer a paz com os nativos.


mapa da costa do Ceará, autoria de João Teixeira Albernaz - 1629


A cruz assinala o lugar onde teria sido edificado o forte de São Tiago 

Pero Coelho saiu da Paraíba a pé rumo ao Maranhão, acompanhado de 65 soldados (dentre eles o jovem Martim Soares Moreno) e 200 índios pacificados, até atingir a foz do rio Jaguaribe. Prosseguindo, atingiu a Ponta do Mucuripe, depois seguiu até a Ibiapaba, quando travou combates com índios da tribo dos Tabajaras e comandos franceses. Venceu o combate com grandes baixas e pretendia retomar sua viagem ao Maranhão, mas em razão da escassez de alimentos e das más condições físicas dos seus homens, decidiu retornar ao Ceará.


Estabeleceu-se na Barra do Ceará, onde levantou o forte de São Tiago. A região do entorno chamou de Nova Lusitânia, formada por uma tosca paliçada de paus de quina e umas poucas casinhas de palha. Mas Pero Coelho decidiu se estabelecer ali. Seguiu para Recife para buscar sua mulher Maria Thomazia e seus cinco filhos. Voltou um ano e meio depois para constatar que o relacionamento entre índios e soldados estava deteriorado, resultado da rígida obediência que os portugueses exigiam dos nativos para impor autoridade. Essa atitude implantou o ódio e a discórdia.


Acuado pelos inimigos (indígenas e soldados franceses), decidiu abandonar o forte e mudar-se para a foz do Jaguaribe. Nos anos de 1605/1607, o Ceará enfrentou uma forte estiagem que coincidiu com a viagem de Pero Coelho para a região do Jaguaribe. No percurso os viajantes encontraram rios e lagoas naturais totalmente secos, a vegetação morta, produzindo um cenário de fome, miséria e desespero.


Para completar a visão apocalíptica, apareceu nos céus o cometa de Halley, que os índios chamavam de “tata-bebe” (fogo voador), misturando terror e misticismo, uma vez que a aparição de fenômenos no céu eram considerados de mau-agouro.


Seguindo em sua árdua caminhada Pero Coelho perdeu alguns de seus soldados e seu filho mais velho, que morreram de inanição. Sua mulher Maria Thomázia, chegou ao Jaguaribe em grave estado de desnutrição, transportada numa espécie de maca. Depois se recuperou. Do Jaguaribe, com pouco mais da metade dos 50 homens que tinham iniciado a viagem, o aventureiro desloca-se até o forte de Reis Magos, em Natal, e depois à Paraíba, onde embarcou de volta para Lisboa.


a região da barra do Ceará foi a primeira área ocupada pelos exploradores 
postal dos anos 70

Na Corte fez um relato dramático de suas andanças pelas inóspitas terras do Nordeste, na esperança de receber alguma compensação pelos seus serviços. Não sensibilizou ninguém, porque todos conheciam sua impetuosidade. Martim Soares Moreno, que fez parte de sua expedição, registrou em sua “Relação do Ceará”, sem identificar nomes, que houve muita importunação aos indígenas sem razão. Pero Coelho de Souza morreu sem receber nada.


Na Revista do Instituto do Ceará, o historiador Studart Filho, deixou registrada sua impressão sobre a primeira investida colonizadora no Ceará. “efêmera e sem brilho havia de ser a vida desse reduto, testemunho mudo dos sofrimentos e das misérias dos primeiros colonizadores do Ceará. Evacuado em 1605, depois de ter servido de refúgio aos expedicionários durante mais de 18 meses, caiu em ruínas, desaparecendo sem deixar vestígios”.


A tentativa seguinte de colonização também falhou. Era a dos padres jesuítas Francisco Pinto e Luiz Filgueira.


Fonte:

Caravelas, Jangadas e Navios – uma história portuária, de Rodolfo Espínola.