No ano de 1850 a monarquia brasileira baixou a Lei de
Terras. Por essa lei as terras dos índios não eram devolutas – isto é, não
poderiam ser consideradas desocupadas – constituindo-se a propriedade um título
originário (ou seja, a propriedade os índios sobre suas terras viria do simples
fato deles serem indígenas). Portanto,
as terras dos antigos aldeamentos pertenciam aos nativos.
A Lei de 1850, no entanto, foi mais um golpe para os povos
naturais. As elites e mesmo o Estado começavam então a usar diversos artifícios
legais para declararem extintas as populações dos aldeamentos e com isso
liberarem as terras para os latifundiários. Passou-se a considerar devolutas
terras dos antigos aldeamentos, desde que despovoadas pelos índios. Em 1860, o
governo foi autorizado a aforar ou vender essas terras. Então muitos
presidentes das províncias, que antes solicitavam verbas para sustentar os seus
índios, informavam agora que não existiam mais índios em suas províncias, ou
que certos aldeamentos eram ocupados por falsos índios ou mestiços civilizados.
Após um levantamento feito pela Repartição Geral das Terras Públicas, a partir
de 1855 muitas aldeias habitadas por índios foram desse modo, declaradas
devolutas.
Assim a apropriação pelos brancos das pouquíssimas terras
indígenas restantes foi “legalizada”. O presidente do Ceará José Bento da Cunha
Figueiredo Junior, em seu relatório à Assembleia Legislativa em 1863, declarava
extintos os índios locais, pois todos já estariam civilizados e miscigenados
por completo com a população, formando os caboclos. Os nativos cearenses perdiam assim, o
direito de existir. Mas eles não desapareceram! Claro que houve miscigenação, e
boa parte dos nativos foi morta, vitimas
da violência, dos assassinatos, das doenças e da exploração feita pelos
brancos. Mesmo assim, os remanescentes continuaram existindo, sufocados,
silenciosos muitas vezes, apesar do que foi propagado por décadas pelos meios
oficiais, e mesmo intelectuais segundo os quais não havia mais índios no Ceará.
Apenas nos anos 1980, no contexto da luta e mobilização da
sociedade contra a Ditadura Militar (1964-1985), o movimento indigenista local
se rearticulou, com o apoio do então arcebispo de Fortaleza Dom Aloísio
Lorscheider, que teve a coragem de enfrentar certos segmentos conservadores. O arcebispo chegou a ser chamado de “homem de
imaginação fértil, por querer recriar um Brasil pré-cabralino, habitado por
silvícolas”.
localização dos povos indígenas no Ceará - mapa do acervo do Museu do Ceará
Hoje se calcula que o Ceará tem mais de 22 mil índios, formando
12 povos divididos em 58 comunidades por mais de 18 municípios. São os
Tremembés em Almofala, Acaraú, Itapipoca e Itarema;
Tapebas em Caucaia;
Pitaguaris em Maracanaú e Pacatuba;
Jenipapos-Canindés às margens da lagoa do
Encantado, em Aquiraz;
Tabajaras em Crateús, Poranga, Monsenhor Tabosa e
Ipueiras;
Paiacus em Aquiraz e Pacajus;
Canindés em Aratuba e Canindé;
Calabaças em Crateús;
Potiguaras em Monsenhor Tabosa, Novo Oriente, Tamboril e
Crateús;
Cariris em Crateús;
Anacés, em São Gonçalo do Amarante; e
os
Tupinambás, na região de Crateús.
Esses povos ainda lutam pelo reconhecimento de
sua identidade, a manutenção do pouco que sobrou do seu patrimônio cultural e,
sobretudo, a demarcação de terras historicamente a eles pertencentes. Cinco
séculos depois da invasão portuguesa, a resistência indígena continua...
Extraído do livro de Aírton de Farias
História do Ceará
Nenhum comentário:
Postar um comentário