terça-feira, 18 de março de 2025

A Fortaleza de 1810

 

Uma radiografia da futura cidade que surgia, como foram se projetando suas ruas, quando a urbanização não era cogitada. Fortaleza era a Vila da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, a população contava com cerca de 1200 pessoas. Esse registro foi feito pelo jornalista João Brígido, com base nos apontamentos do antigo Senado da Câmara local, apesar da má letra, da tinta já sofrendo a ação do tempo e da péssima conservação dos arquivos da Província. Mas existem outros testemunhos da Vila naquela época, feitos por aventureiros e viajantes estrangeiros.

As edificações mais antigas são o quartel e Fortim de Nossa Senhora da Assunção, que recebeu o nome de Schoonenborch, em honra do governador holandês de Pernambuco. No Fortim residia o comandante do presídio que era a única autoridade da região. A construção dominava a barra do rio que eles chamavam de Marajaitiba, antes chamado de Ipojuca, Telha e por último, Pajeú. 



A edificação que seguia imediatamente depois do quartel, era a de Aldeota, povoação de índios, no sítio conhecido por esse nome, nas imediações do Pajeú. Mais tarde, portugueses e nativos começaram a construir pequenas casas de barro e telha, ou choupanas de carnaúbas, à margem direita do riacho Ipojuca. Na curva do regato, os índios colocaram sua igreja, no mesmo terreno onde hoje se encontra a catedral.


A província esteve sob a administração do português Luiz Barba Alardo Menezes, no período de 21 de janeiro de 1803 a 19 de março de 1812, que foi o tempo que a Vila conheceu algum desenvolvimento. O governador mandou estudar o porto de Fortaleza pelo capitão-de-fragata Francisco Antônio Marques Giraldes, que fez a perspectiva da povoação, vista do mar. Também fundou uma fábrica de louça vidrada no Outeiro, que não vingou por falta de consumidores. O período de governo de Barba Alardo coincidiu com a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, em 1808, e a abertura dos portos às nações amigas.   

Em 1809 partiu de Fortaleza o primeiro navio com destino a Londres, a galera “Dous Amigos” levando produtos da terra e amostras de algodão. A este se seguiram muitos outros. Em maio de 1811 estabeleceu-se a primeira casa estrangeira de comércio direto, propriedade do irlandês William Wara.

As ruas e praças existentes eram: do Quartel (atual Rua General Bezerril); Praça do Conselho (atual Praça da Sé); Rua das Flores (atual Castro e Silva); Rua Direita dos Mercadores (parte da atual Conde D’Eu parte da Sena Madureira); Rua do Rosário (que mantém o nome original); Praça do Palácio (atual Praça General Tibúrcio, popularmente chamada de Praça dos Leões) Rua do Monteiro (desaparecida); Beco das Almas (atual Rua São José); Rua Boa Vista (atual Rua Floriano Peixoto); Rua da Fortaleza (atual Dr. João Moreira, à época, apenas uma linha de casas que corria paralela à fortaleza).

O matadouro estava localizado próximo ao Largo da Fortaleza, na Rua Formosa (atual Barão do Rio Branco); o Largo da Fortaleza, atual Passeio Público, era lugar de execuções e assim continuou até 1825. No mesmo local existia o Paiol da Pólvora, que foi mudado para o Morro do Croatá e depois foi removida para a Lagoa Funda, nos arrabaldes da vila, que mais tarde viria ser o bairro Jacarecanga.

Passeio Público no final do século XIX

A vila estava sempre marcada pela pobreza, e a Câmara, responsável pela subsistência pública, empregava todas as medidas em uso naqueles tempos, abuso de autoridade, violência e ignorância. Até a venda de farinha era regulada pela Câmara, que a tomava onde encontrasse. A carne era vendida ao povo por preço fixado pela Câmara, ora por derramas, ora por contrato.

A derrama era uma obrigação que impunha aos criadores de gado, de talhar a carne no açougue exclusivo da câmara, a preço fixo, em dias determinados. Todos os fazendeiros cumpriam as determinações do governo. Os descumpridores da lei, estavam sujeitos a pesadas punições.

As pescarias e o consumo de peixe, estava regulado de forma muito rígida, de forma que os pescadores ficavam em condições de subserviência diante da severidade das normas impostas. Um dos artigos da lei vigente, determinava que “todos os jangadeiros serão obrigados todos os dias a ir pescar com suas jangadas ao mar e isto a horas competentes, salvo quando o tempo for tal, que eles de força não possam ir ao mar, debaixo das penas de 30 dias de cadeia, cada um dos jangadeiros”.

Nenhum trabalho, arte ou ofício podia ser exercido sem permissão das autoridades. Determinação legal de 1912, ordenava que ninguém trabalhasse de carpina, pedreiro, sapateiro, ferreiro, alfaiate, marceneiro, e outros ofícios manuais, sem a devida licença, sob pena de multa. Só em dezembro de 1813 essas ocupações foram liberadas, continuando, no entanto, ainda por muito tempo, as corporações de ofício.

(As corporações de ofício eram associações de profissionais de uma mesma profissão, que surgiram na Europa Medieval. Tinham como objetivo regular o processo produtivo artesanal e garantir a segurança dos seus membros.)

 

Fontes:

Ceará (Homens e Fatos)/João Brígido/Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2001

Fortaleza Velha: crônicas/João Nogueira/Fortaleza: Edições UFC/PMF, 1980  

Wikipédia/Google// imagens Pinterest

quinta-feira, 13 de março de 2025

As Tribos indígenas representadas nas ruas da Praia de Iracema

 

Primeiro surgiu o Porto das Jangadas, um pedaço do litoral com grande concentração dessas frágeis embarcações que proviam o sustento de famílias da beira da praia. Depois virou a Praia do Peixe, que começou a ganhar importância a partir dos anos 20, com o início da construção de casas de veraneio, sinalizando o início da mudança que estava por vir. Então, por volta da metade da década, foi proposta uma mudança de nome que passaria a ser chamada de Praia de Iracema, em homenagem à índia Iracema, heroína do romance indianista, criação do escritor José de Alencar. A mudança foi aprovada por votação, com ampla maioria.

O nome ampliado para o bairro, ganhou algumas ruas com nomes indígenas, em homenagem às inúmeras nações que habitaram as terras do Ceará e do Nordeste.

O Estoril fica na Rua dos Tabajaras

Não se sabe ao certo quantos povos nativos habitavam o Ceará quando da chegada dos primeiros conquistadores. Deviam ser numerosos, sobretudo porque nativos de capitanias vizinhas fugiram para esta capitania em busca de refúgio, uma vez que o Ceará foi uma das últimas áreas do atual Nordeste a ser conquistada pelos colonos nos séculos XVII e XVIII. Quando Pero Coelho alcançou atingiu a Ibiapaba em 1603, encontrou cerca de 70 aldeias indígenas. Denominação de algumas nações indígenas, lembradas nas vias da Praia de Iracema.

O bairro Praia de Iracema nos anos 80
    

Rua dos Ararius está localizada entre as ruas Gonçalves Ledo e historiador Guarino Alves. Por volta de 1700, os Ararius viviam no alto vale do rio Acaraú, próximo a suas nascentes, na região da serra da Ibiapaba.

Rua dos Cariris está localizada entre a Rua dos Tremembés e a avenida Almirante Tamandaré. Os povos Cariris tiveram participação marcante na “Guerra dos Bárbaros”. Habitavam o sul do Ceará e o sertão pernambucano.

A Guerra dos Bárbaros foi um conflito iniciado por volta de 1680, para combater o avanço dos colonos pecuaristas sobre as terras, escravizando e expulsando os povos nativos. As tribos indígenas do Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco, Paraíba e Piauí se uniram numa grande aliança para enfrentar os invasores. A guerra durou quase 50 anos, se prolongando das últimas décadas do século XVII até a segunda década do século seguinte.   

Rua dos Guanacés – fica entre as ruas dos Ararius e dos Tremembés. Os Guanacés eram indígenas que se estabeleceram nas proximidades do município de Horizonte.

Rua dos Potiguaras se encontra entre as ruas dos Tabajaras e Groaíras. Eram indígenas que no século XVI habitavam a região costeira situada entre a foz dos rios Jaguaribe e Paraíba do Norte, que compreende os Estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba.

Rua dos Cariris

Rua dos Tabajaras está situada entre o mar e a rua dos Potiguaras. Os Tabajaras viviam na Serra da Ibiapaba e deram boa acolhida aos missionários portugueses na época da colonização.

Rua Tijipió fica entre a avenida Almirante Barroso e a rua Dragão do Mar. A tribo Tijipió povoava o Estado de Pernambuco.

Rua dos Tremembés está localizada entre as ruas dos Guanacés e dos Cariris.  Os Tremembés habitavam a região que hoje corresponde aos municípios de Acaraú, Itarema e Itapipoca, dentre os quais o distrito de Almofala, em Itarema, é o mais conhecido.

Travessa Tupi está situada entre as ruas Historiador Guarino Alves e Tomás Lopes. É uma homenagem ao tronco linguístico ameríndio, formado pelos povos Tupi-Guarani, Mondukuru, Juruna, Arikén, Tupari, Romarâma e Mundé. No início da colonização europeia na América do Sul, os nativos pertencentes a esse tronco ocupavam vasto território, desde o rio Amazonas até o rio da Prata.

 

Fontes:

A Praia de Iracema dos anos 50/Jaildon Correia Barbosa/Fortaleza: Premius/2010

História do Ceará/Airton de Farias/Fortaleza: Edições Livro Técnico/2009.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

A Seca dos Três Setes no Ceará

 


A tragédia já se anunciava desde o ano anterior. O ano de 1876 foi chuvoso durante os três primeiros meses, depois, de junho a dezembro, não caiu uma gota d’água. Em janeiro de 1877, apenas uma neblina e baixíssimos índices de pluviosidade nos meses seguintes. Em março os sertanejos já estavam alarmados e em abril, perdidas as esperanças de inverno, começou o êxodo de habitantes do sertão para o litoral.

O gado morria à falta de aguadas, as lavouras se extinguiram e a provisão de viveres, conservada como reserva de muitos sertanejos, pouco a pouco se esgotaram. De setembro em diante a fome era geral, os socorros públicos, mal administrados, não chegavam regularmente aos locais mais afetados. Quem possuía algum bem ou valor, desfazia-se dele em troca de algum gênero de primeira necessidade.

As poucas aguadas, como açudes e poços cavados nos leitos dos rios em épocas de chuvas, evaporaram-se. Mesmo as pessoas consideradas mais abastadas, receosas de ficarem bloqueadas e sem comunicação com o litoral, longe de qualquer auxílio, fugiram, abandonando suas casas, animais e fazendas. O sertão virou um deserto.

O governo, totalmente desarticulado, recusou enviar recursos para o interior, forçando desta forma, as pessoas a procurarem o litoral. O êxodo tornou-se geral. Para Fortaleza, Aracati, Sobral, Granja, Camocim e outros povoados, afluíram milhares de pessoas. Em todos esses municípios, a população, de um dia para o outro, estava multiplicada; e como faltasse casas para abrigar tanta gente, ficavam ao relento, debaixo de árvores ou amontoados em sítios estreitos. As consequências não demoraram: doenças, prostituição, vadiagem, saques, e todos os seus efeitos, que se desenrolaram frente às cidades, antes tranquilas, agora em estado de puro desespero.

O ano de 1878 chegou, e a província continuava mergulhada no caos, mas com grandes esperanças que o ano novo trouxesse de volta as chuvas que salvariam o Ceará. De janeiro a junho caíram apenas 503 mm. A última chuva foi em 26 de junho. Depois dessa data, o céu conservou-se sem nuvens, azul e límpido.

Perdidas as esperanças de inverno, o abandono do sertão foi completo; vilas inteiras, lugares antes prósperos, ficaram vazias ou com duas ou três casas habitadas, e estas mesmo porque o governo, já mudado e melhor estruturado para lidar com o problema, envidara todos os esforços para socorrê-las. (Júlio de Albuquerque Barros, foi presidente da província do Ceará, de 08/03/1878 a 02/07/1880.

Fazendas de criação, com 200, 300 e 500 cabeças de gado, ficaram reduzidas a nada. Os fazendeiros que tentaram a retirada do gado para o Piauí, acabaram perdendo para as moléstias, furtos ou extravio. Pelas estradas morreram famílias inteiras de fome e sede, e muitas que conseguiram atingir o litoral, chegaram tão fragilizadas, que caiam agonizantes pelas calçadas e praças da capital e de outras cidades que conseguiam chegar.

A emigração para o Amazonas, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo foram incrementadas, centenas e milhares de cearenses foram apinhados no convés de vapores e navios que demandavam aquelas províncias, sem o mínimo de cuidados e sofrendo toda sorte de privações.

Dos fins de 1878 até meados de 1879, uma violenta epidemia de varíola atingiu proporções nunca vistas. Em mais de um dia o número de vítimas na capital excedeu a 1000 pessoas. Muitos mortos ficaram insepultos, não havia local nem quem realizasse os sepultamentos. Havia então na capital cerca de 180 mil pessoas, 100 mil em Aracati, e na mesma proporção, nas localidades próximas à Fortaleza, como Pacatuba, Arronches, Granja e Camocim.

Havia esperança de que o ano de 1879 viria a por termo a tanto sofrimento, mas foi só mais um ano de terríveis provações. Como pouco ou nada restava no interior, a seca não teve grande repercussão. A atenção se concentrou na capital, nos auxílios do governo, na acomodação dos emigrantes, na busca de soluções.


A população ficara reduzida talvez em um terço; cerca de 100 mil pessoas haviam falecido ou emigrado; o governo gastara 72 mil contos, fora os subsídios da caridade particular. A província ficou arruinada, sua principal atividade econômica, a criação do gado, quase foi extinta; a população ficou dispersa e reduzida; a flora e a fauna desapareceram em grandes áreas; só Fortaleza aumentou a população devido em parte ao fluxo de emigrantes e ao desenvolvimento do comércio.

As esperanças se renovaram com a chegada de 1880. Os dois primeiros meses foram desanimadores, o de março foi pouco chuvoso, em abril choveu bastante. A grande seca terminara.


Fonte: Documentos: Revista do Arquivo Público do Ceará: Ciência e Tecnologia/Arquivo Público do Ceará, v 1 – 2005/Fotos Memorial da Democracia e ANPUR.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Tristão Gonçalves, um Homem e seu Ideal

 


Tristão Gonçalves Pereira de Alencar, mais tarde Alencar Araripe, nasceu no Sitio Salamanca, atual cidade de Barbalha, então distrito do Crato, filho do português José Gonçalves dos Santos e da pernambucana de Exu, Bárbara Pereira de Alencar. Começou sua atuação política na região do Cariri, ainda em 1817, quando seu irmão, José Martiniano de Alencar, destacava-se como líder republicano.

Alencar chegou ao Crato, vindo de Pernambuco a 30 de abril de 1817, e a 3 de maio proclamava o triunfo republicano, movimento real, mas efêmero, devido a vigilância exercida na Província pelo então governador Sampaio e o poder repressivo de José Pereira Filgueiras, figura saliente do monarquismo do Cariri, que venceram os ideais revolucionários dos republicanos.

Presos na cadeia pública do Crato, José Martiniano de Alencar, Dona Bárbara de Alencar, Tristão Gonçalves e outros integrantes do movimento, foram transferidos para presídios em Fortaleza, viajando por mais de 500 quilômetros de distância entre as duas cidades, no lombo de cavalos, com os braços acorrentados e comida racionada. Foram confinados em cubículos individuais, no Quartel de 1ª. Linha (atual 10ª. Região Militar).

Depois de dois meses de cárcere na 10ª. Região, foram transferidos para uma prisão na Bahia, onde seriam fuzilados, já que haviam sido condenados por atos revolucionários contra o Imperador. No entanto, foram beneficiados pelo indulto concedido após os anos 20, devido à mudança estrutural do Brasil, com a sua independência e o regime constitucionalista.

Nessa nova fase do Brasil, os antigos revolucionários de 1817 voltaram a formar alianças, na tentativa de implantar na província, novas regras políticas, e Tristão Gonçalves formando aliança com José Pereira Filgueiras, tornou-se figura de proa nos destinos políticos da província.

Chamado a combater forças rebeldes na vizinha província do Piauí, Tristão Gonçalves só retornou ao Ceará em 1824. Encontrou a província mergulhada no caos, sob a gestão de um governo provisório, com lutas políticas internas, assassinatos entre rivais, indisciplina militar e risco de uma guerra civil. Houve então o governo meteórico do presidente Pedro José da Costa Barros, sua deposição logo em seguida e a ascensão de Tristão Gonçalves ao governo, em data de 29 de abril de 1824.

O governo de Tristão Gonçalves teve duas fases distintas, uma vinculada ao regime imperial, com subordinação política ao imperador e outra por adesão ao sistema governativo de Pernambuco instalando-se no Ceará a chamada “República do Equador”.

Durante a primeira fase, tudo caminhou dentro da normalidade. Tristão governava a província de forma equilibrada, cumprindo as normas constitucionais em vigor, porém, de forma clandestina participava de conspirações, mantendo estreito relacionamento com antigos conspiradores pernambucanos.

Com a eclosão do movimento revolucionário, envolvendo as províncias do Rio Grande do Norte e Paraíba, tendo Pernambuco na liderança, Tristão declarou apoio ao movimento republicano. Quando, no entanto, começaram a surgir informações sobre o fracasso da revolta, as forças de adesão que estavam compromissadas e fiéis ao novo sistema, trataram de desertar, deixando as lideranças sozinhas.

A participação de Tristão Gonçalves ficou declarada quando concebeu a ideia de enviar ao Recife a comitiva de apoio ao recém-instalado sistema republicano. A comitiva era composta pelos deputados republicanos José Martiniano de Alencar, padre Manuel Pacheco Pimentel, José Ferreira Lima Sucupira, Francisco Manuel Pereira Ibiapina e João da Costa Alecrim.  Em outra projeção, por determinação de Tristão Gonçalves, seguiu com destino ao Recife um comando militar sob o comando do sargento-mor Luiz Rodrigues Chaves, este comando, no entanto, não ultrapassou os limites do Rio Grande do Norte, ao saber dos frustrados destinos republicanos, o sargento mor tratou de salvar a própria pele, deixando-se aprisionar, delatando os companheiros.

Ao tomar conhecimento da traição, e da informação de que Rodrigo Chaves montara seu quartel-general na Vila de Aracati, Tristão resolveu ir pessoalmente dar combate ao desertor e impedir que, por essa rota tivesse acesso o inimigo. Deixou, então, o governo com o 1° vogal José Felix de Azevedo e Sá e partiu acompanhado das tropas que lhe restaram.

Andou por várias cidades da região, e quando o cerco apertou, com vários comandos no seu encalço, resolveu liberar suas tropas, partindo quase sozinho e sem chances de vencer. Acampou na fazenda Santa Rosa, às margens do Jaguaribe, no local denominado Olho d’água e aguardou o desenrolar dos acontecimentos.

Na manhã do dia 31 de outubro de 1824, enquanto descansava ao pé de uma árvore, Tristão Gonçalves foi morto a tiros de carabina, desferidos por Venceslau Alves de Almeida, integrante das forças legalistas e segundo dizem, defensor de seus próprios interesses. Matara por duzentos mil reis, prometido pelo sargento-mor Manuel Pereira da Cunha, que fora encarregado de exterminá-lo.

Monumento em memória de Tristão Gonçalves - desaparecido com a inundação da antiga Jaguaribara (imagem IBGE) 

Seu corpo foi deixado no local totalmente mutilado. Mais tarde, foi sepultado na Capela de Santa Rosa. No local da morte foi inaugurada uma lápide comemorativa, mandada construir pelo Instituto Histórico e Geográfico do Ceará.


Fontes: Pena de Morte/R. Batista Aragão/Barraca do Escritor Cearense/Fortaleza, 1991/Caminhando por Fortaleza/Francisco Benedito/Destak-Gráfica e Editora/Fortaleza, 1999/Publicação Fortaleza em Fotos 


quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Padre Palhano, o Prefeito de Sobral

 José Palhano de Saboia era apenas um seminarista, quando caiu nas boas graças do bispo Dom José Tupinambá da Frota, primeiro bispo de Sobral, que o considerava como seu filho adotivo. O seminarista era um sujeito carismático, desportista, piloto de avião e moto, indisciplinado, inquieto e extremamente popular entre a população de Sobral. Foi ordenado por Dom José depois de ter sido expulso do Seminário da Prainha, por viajar para Sobral todo fim de semana, sem licença dos superiores. Depois foi estudar em Roma, onde pouco demorou na Universidade Gregoriana, retornando a Sobral. Muito inteligente e inquieto, Palhano não gostava de estudar.

Padre Palhano

Passou a trabalhar com Dom José, no Palácio Episcopal. Quando teve seu avião, levava o bispo a acompanhá-lo nas suas piruetas aéreas. Atuando como tesoureiro das riquezas da Diocese, era ele quem distribuía as honrarias e cargos da igreja. Usava sua camionete para ajudar aos mais pobres, como transportar uma grávida para a maternidade, ou um doente de volta para casa.

Por isso, não foi surpresa para ninguém quando ingressou na cena política, depois de indispor o bispo Dom José com um velho aliado, o cacique político da região, Chico Monte. Candidatou-se a prefeitura de Sobral em 1958, numa ruidosa campanha que repercutiu no Estado e no País inteiro, onde envolveu o próprio bispo, que viveu o vexame de passar por uma inspeção do arcebispo metropolitano, Dom Antônio de Almeida Lustosa, instrumentado pelas boas relações do então Ministro do Trabalho Parsifal Barroso, genro de Chico Monte, com a alta hierarquia da Igreja Católica.

 

Bispo Dom José ao lado do seminarista José Palhano de Saboia

O bispo Dom José, usado como trunfo na mesquinha campanha eleitoral – dada sua popularidade entre a população – era levado para cima e para baixo pelas ruas de Sobral, surdo, quase cego e senil, para ajudar o pupilo, que provocava pessoalmente o adversário Chico Monte. O veterano político tentou responder com a candidatura do monsenhor José Gerardo Ferreira Gomes. O bispo proibiu a disputa, sob pretexto de que não ia permitir a luta de entre dois padres.


vista aérea do Seminário Diocesano, inaugurado por Dom José em 1925. Funcionou até 1967

Padre Palhano venceu a eleição. Dom José ainda pode testemunhar o feito, presidindo o banquete em comemoração ao novo prefeito. Logo depois, morreu. A gestão de Palhano à frente da Prefeitura de Sobral foi cheia de percalços, devido a forte oposição de grupos políticos locais e do Governo do Estado.

Em 1962 candidatou-se ao cargo de deputado federal e na mesma época foi excomungado pelo Vaticano por haver processado na justiça comum o bispo Dom Walfrido Teixeira Vieira. Depois foi suspenso das ordens por Dom João da Mota. Na véspera da eleição, correu em Sobral um boletim apócrifo, atribuído ao secretário da Diocese, padre Sadoc, lamentando a punição ao padre Palhano, dizendo tratar-se de um grande equívoco. As cópias do boletim foram jogadas de um avião e inundou as ruas de Sobral. No ano de 1962, fundou a Rádio Tupinambá, que possuía vasta programação musical, e de onde o padre divulgava notícias bombásticas a respeito dos adversários.


Avenida Dom José, no Centro

O golpe militar de 1964 foi o fim da carreira política de Padre Palhano, cassado por Ato Institucional. Então, foi morar no Rio de Janeiro, onde se formou em Direito. Quando pode, voltou a Sobral, às suas polêmicas, aos banhos no açude do Quebra, sua paradisíaca propriedade na Serra da Meruoca.

Padre Palhano terminou seus dias aos sessenta anos sem votos, sem a sua emissora de rádio, sem a aura romântica que tanto cultivara. Seu enterro, no entanto, foi a consagração que ele teria gostado de presenciar. A cidade inteira, chorando, levou-o à sua última morada, lembrando seu carisma, sua alegria de viver, esquecendo e perdoando seus arrebatamentos e as paixões que suscitara.


Extraído do livro” Clero, Nobreza e Povo de Sobral/Lustosa da Costa. Rio-São Paulo- Fortaleza: ABC Editora,2004/publicação Fortaleza em Fotos/Imagens IBGE e Internet          


segunda-feira, 9 de setembro de 2024

A Saga dos Judeus no Ceará

 Historiadores contam que a origem de muitas famílias que vivem no Ceará, pode ser judaica. Quando os reis católicos Fernando e Isabel unificaram o Reino da Espanha em 1492, expulsaram de suas terras os judeus que viviam na Península Ibérica, denominados Sefarditas. Os judeus espanhóis fugiram para diversos países, inclusive Portugal. Neste país, os judeus que desejassem permanecer, tinham de se converter ao catolicismo, através de um édito baixado pelo Rei Dom Manuel. Os judeus recém-batizados passaram a ser chamados de cristãos-novos.


família judia (imagem site da rádio universitária)

Um grande contingente desses cristãos-novos veio para o Brasil. Muitos continuaram a praticar secretamente os ritos judaicos, e não abandonaram a cultura dos antepassados, por isso sofriam discriminação. Outros absorveram totalmente o Catolicismo, mas nem assim escaparam das perseguições.

O Nordeste acolheu boa parte dos que emigraram para o Brasil, especialmente os Estados de Pernambuco e Paraíba. Um dos casos mais notórios é o de Branca Dias, nascida em Portugal, filha de pais judeus convertidos à força ao cristianismo. Branca Dias veio para o Brasil após ser denunciada em Portugal por praticar ritos judaicos,

No Brasil, Branca e seu marido, Diogo Fernandes Santiago, atuaram no ramo da cana-de-açúcar, com engenhos na região entre a Paraíba e Pernambuco. Branca formou uma família numerosa no Brasil e é considerada uma das primeiras professoras do Brasil - ela construiu uma escola para meninas e ministrava aulas de alfabetização.

Branca e Diogo Fernandes fundaram uma sinagoga em Camaragibe e lá se reuniam os criptojudeus da região. Muitas famílias cearenses são descendentes deste casal, sobretudo, comprovadamente, os provenientes de Agostinho de Holanda, um dos filhos do fundador da família, casado com uma neta de Branca Dias, Maria de Paiva.  

Após a morte de Branca Dias, o Brasil recebeu a primeira visita da Inquisição e a perseguição voltou a cair sobre sua família. Várias de suas filhas foram acusadas de “judaizar” condenadas a penas de prisão, multa e penitências espirituais. Após esta última devassa, os membros da família de Branca Dias se separaram e dividiram-se pelo Brasil.


A Inquisição Portuguesa ou Tribunal do Santo Ofício, foi uma instituição da Igreja Católica que atuou em Portugal a partir de 1536. Tinha como objetivo combater desvios da fé católica, em especial as práticas religiosas dos judeus recém-convertidos ao cristianismo e dos seus descendentes.


Sabe-se ainda que, muitos judeus que moravam no Recife vieram para o Ceará, quando representantes do Tribunal da Santa Inquisição de Portugal visitaram Olinda em 1594. Os judeus conseguiram uma grande infiltração nesse Estado, sobretudo nos lugares próximos ao litoral, propícios à cultura de cana-de-açúcar.

O Ceará, talvez por sua pequena população, pobreza de recursos e desinteresse dos inquisidores foi deixado à margem, enquanto Pernambuco e Paraíba receberam inúmeras visitas de representantes do Santo Ofício. Contribuiu este esquecimento das terras cearenses pela Inquisição, para incrementar as transferências disfarçadas de numerosas famílias cripto-judaicas, de outros Estados do Nordeste para o Ceará. Uma família paraibana teve 29 pessoas presas pela inquisição e levadas à Portugal. Uma mulher dessa família transferiu-se para o Ceará e casou-se com um cristão-velho.

(Há menções de historiadores de que o Ceará recebeu várias visitas de inquisidores do Santo Ofício, mas estas não estavam relacionadas aos judeus ou aos seus ritos, e sim a outras infrações consideradas graves como, negação de fé, bigamia, homossexualidade, adultério e outros).    

Com a conversão forçada, em razão da perseguição, muitos trocaram de sobrenomes para esconder a origem judaica. Os antigos registros feitos pelas igrejas estão repletos de documentos sobre as migrações de famílias, com seus sobrenomes originais, típicos dos povos da raça discriminada: Fonseca, Rego, Brito, Henrique, Nunes, Mesquita, Rosa, Antunes, Pinto, etc.

Os cristãos-novos encontrados no Ceará são de segunda, terceira geração. Um dos casos mais citados é o de Josefa Maria dos Reis, nome disfarçado de uma integrante da família Fonseca Rego, filha de cristãos-novos residentes na Paraíba, que foram condenados a hábito e cárcere perpétuo em 1731. O hábito perpétuo significava que o apenado seria obrigado a usar, pelo resto da vida, uma espécie de avental amarelo, com uma estrela de David. O aparecimento em público de alguém usando esse avental, era motivo de insultos e escárnios e as vezes até do emprego de violência.

A Josefa, acima mencionada, ainda criança deixou a Paraíba e foi trazida para a Vila de Aquiraz, no Ceará. Aqui se casou com o sergipano António de Freitas Coutinho, que chegou ao posto de alcaide, um cargo administrativo relevante no Brasil colonial. Ela viveu a maior parte da vida na pequena Vila da Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção, que daria origem, mais tarde, à cidade de Fortaleza, atual capital do Ceará.

No Ceará, a perseguição antissemita seguiu os critérios de identificação que já eram usados em outros lugares. Como os cultos não eram abertos, e realizados de forma muito discreta, os denunciantes buscavam evidências para apontar a prática religiosa proibida. Para isso usavam de artimanhas, como convidar a família suspeita para almoçar, e servir carne de porco; se não comesse, era um indício; outra evidência, de acordo com os documentos, era o hábito de preparar a carne com bastante cebola e azeite – e não com banha de porco, como era costume à época, uma vez que judeus não consomem carne suina; outros foram denunciadas por se recusarem a trabalhar aos sábados (dia santificado do Judaísmo). E houve algumas denúncias por usos que fazem parte da rotina diária até hoje, como o hábito de varrer a casa da frente para trás – da porta para o quintal – um hábito de origem judaica.

As denúncias, muitas vezes, vinham de dentro da própria casa, partindo de amigos e parentes. As suspeitas eram comunicadas aos representantes diretos do tribunal, que gozavam de todo o poder e prestígio da Inquisição. Eram os “familiares”, nome dado aos civis que colaboravam com a Inquisição e agiam como espiões e denunciantes. Um dos casos mais famosos foi do militar português Antônio Borges da Fonseca, radicado em Pernambuco, que por mais de uma vez viajou à Paraíba para prender cristãos-novos por práticas religiosas. Foi recompensado com cargos políticos: foi governador da Paraíba, e seu filho Antônio José Victoriano Borges da Fonseca foi governador do Ceará, entre 1765 e 1782. A atuação de “familiares” como Borges da Fonseca formou as bases do funcionamento da Inquisição no Brasil.

Os cristãos-novos, em sua maioria integraram-se ao catolicismo e mudaram de sobrenomes para se tornarem invisíveis aos olhos de seus perseguidores.  


Fontes: Revista do Instituto do Ceará. Os Cristãos Novos na Formação da Família Cearense. Vinicius Barros Leal. 1975.    

https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2023/07/06/inquisicao-no-brasil-como-o-tribunal-do-santo-oficio-perseguiu-brasileiros-por-seculos.ghtml 


sábado, 13 de julho de 2024

o Riacho Pajeú e a Lagoa do Garrote

 A capital do Ceará nasceu em fins do século XVII, início do século XVIII à sombra dos muros do forte português fundado pelos holandeses, que defendia o grande maceió ou pocinho, formado na embocadura do riacho Pajeú. Os holandeses chamavam o riacho de Marajatiba e a fortaleza de Schoonemborch. Em memória desse pocinho, se chamava Beco do Maceió o prolongamento da antiga Rua do Chafariz, atual José Avelino.

Avenida Alberto Nepomuceno, por onde corria o riacho Pajeú

Entre as duas colinas em que se erguia a fortificação, corria o Pajeú, que vinha das matas da aldeota, divagando ao sabor do relevo. A cidade surgiu numa ala de pequenas casas perpendiculares à parte de trás do forte, a Rua do Quartel. Depois formou uma praça, a da Sé, localizada numa volta do riacho e se estendeu pelo seu tortuoso vale, acima e abaixo, formando a Rua Direita, que foi rua de Baixo, Conde D’Eu, e Sena Madureira. Mais tarde teve um trecho alargado, chamado de Alberto Nepomuceno.

Por esse tempo, dois córregos cortavam as colinas, cujo ponto culminante ficava na antiga Rua Formosa atual Barão do Rio Branco, onde se erguia o sobrado do Conselheiro Rodrigues Junior e hoje existe o Edifício Diogo. O primeiro desses córregos, vindo da parte norte da antiga Lagoinha, na avenida Tristão Gonçalves, fluía pelas ruas Senador Pompeu, Barão do Rio Branco,  Major Facundo e Floriano Peixoto, entre a travessa das Hortas, depois Senador Alencar e a Rua das Flores, atual Castro e Silva.

Praça da Lagoinha, já sem a lagoa que já havia sido aterrada

Justamente na sua passagem pela Rua Major Facundo, o negociante Pacheco construiu um grande sobrado, por volta de 1845 a 1847. Depois, empobrecido, suicidou-se em Paris. Depois, pertenceu ao Barão de Aquiraz. Esse imóvel foi vendido ao coronel José Gentil que o demoliu. Em frente a esse sobrado, ficavam as cocheiras e o quintal da residência do Dr. Rufino de Alencar, que dava para a Rua Floriano Peixoto. Descendo por esse quintal via-se a marca da continuação do leito. Esse ribeiro ia desaguar no Pajeú, na parte meridional da atual Praça da Sé.

Documentava o curso do segundo córrego o escoamento das águas pluviais no trecho da rua Barão do Rio Branco, além do sobrado do conselheiro Rodrigues Junior. Vinha do lado meridional da lagoinha, cruzava as ruas 24 de Maio, General Sampaio e Senador Pompeu, descia pela Pedro I e, na Major Facundo, na quadra que antecede a praça do Carmo, entrava por um bueiro no quintal da antiga residência do dr. Gil Amora, na rua Floriano Peixoto, e das residências da rua da Assunção, ajudado por uma nascente ali existente, ia formar a lagoa do Garrote, de onde sangrava para o Pajeú.

Lagoa do Garrote, antes da criação do parque 

Assim, esse curso d’água que foi vital para o surgimento da cidade, devia seu maior volume de águas ao tributo de duas lagoas, a Lagoinha e a do Garrote. Formavam-no sob os pés de cajueiros e jatobás do Outeiro e da Aldeota, vários ribeiros e as águas que corriam dos alagadiços e baixadas paralelos ao antigo calçamento de Messejana, atual avenida Visconde do Rio Branco.

Perto da lagoa do Garrote, e separado pelo calçamento de Messejana, o Pajeú foi represado num açude de alvenaria de tijolos com comportas, construído na seca de 1845, pelo presidente José Martiniano de Alencar, e restaurado mais tarde pelo Dr José Júlio de Albuquerque Barros, Barão de Sobral.

Dessa obra, que existiu até 1920, não existe mais nenhum vestígio. Por sua vez a Lagoa do Garrote também foi cercada para se tornar o lago central do jardim público que existia no local, no governo do coronel Luís Antônio Ferraz, com base em projeto do engenheiro Romualdo de Barros.

Parque da Liberdade/Cidade da Criança onde funcionou um jardim de infância 
 
Há duas versões para o nome Garrote, dado à lagoa, e por extensão, durante certo tempo, ao bairro compreendido entre o Pajeú e a Rua da Assunção, a praça do Coração de Jesus, e a dos Voluntários. Uma das versões é a seguinte:

Perto da praça, na Rua do Cajueiro, atual rua Coronel Bezerril, ficavam os açougues da cidade. A área era semideserta e cheia de mato, o gado era abatido debaixo das árvores. Havia pequenos currais, onde o gado ficava confinado. Certa vez um garrote destinado ao abate fugiu de um desses cercados e se perdeu nos matagais das proximidades. Durante um tempo foi perseguido sem que ninguém conseguisse capturá-lo, apesar das batidas e da espera a beira da lagoa. Um dia, o laçaram e o mataram. Desse episódio veio o nome da lagoa. A outra versão é de que ali era o local de descanso dos comboieiros que, que conduziam gado e outros produtos pelas estradas do Ceará.


Extraído do livro: À Margem da História do Ceará/Gustavo Barroso/Imprensa Universitária do Ceará/Fortaleza:1962/publicação FortalezaemFotosFotos do Arquivo Nirez