segunda-feira, 9 de setembro de 2024

A Saga dos Judeus no Ceará

 Historiadores contam que a origem de muitas famílias que vivem no Ceará, pode ser judaica. Quando os reis católicos Fernando e Isabel unificaram o Reino da Espanha em 1492, expulsaram de suas terras os judeus que viviam na Península Ibérica, denominados Sefarditas. Os judeus espanhóis fugiram para diversos países, inclusive Portugal. Neste país, os judeus que desejassem permanecer, tinham de se converter ao catolicismo, através de um édito baixado pelo Rei Dom Manuel. Os judeus recém-batizados passaram a ser chamados de cristãos-novos.


família judia (imagem site da rádio universitária)

Um grande contingente desses cristãos-novos veio para o Brasil. Muitos continuaram a praticar secretamente os ritos judaicos, e não abandonaram a cultura dos antepassados, por isso sofriam discriminação. Outros absorveram totalmente o Catolicismo, mas nem assim escaparam das perseguições.

O Nordeste acolheu boa parte dos que emigraram para o Brasil, especialmente os Estados de Pernambuco e Paraíba. Um dos casos mais notórios é o de Branca Dias, nascida em Portugal, filha de pais judeus convertidos à força ao cristianismo. Branca Dias veio para o Brasil após ser denunciada em Portugal por praticar ritos judaicos,

No Brasil, Branca e seu marido, Diogo Fernandes Santiago, atuaram no ramo da cana-de-açúcar, com engenhos na região entre a Paraíba e Pernambuco. Branca formou uma família numerosa no Brasil e é considerada uma das primeiras professoras do Brasil - ela construiu uma escola para meninas e ministrava aulas de alfabetização.

Branca e Diogo Fernandes fundaram uma sinagoga em Camaragibe e lá se reuniam os criptojudeus da região. Muitas famílias cearenses são descendentes deste casal, sobretudo, comprovadamente, os provenientes de Agostinho de Holanda, um dos filhos do fundador da família, casado com uma neta de Branca Dias, Maria de Paiva.  

Após a morte de Branca Dias, o Brasil recebeu a primeira visita da Inquisição e a perseguição voltou a cair sobre sua família. Várias de suas filhas foram acusadas de “judaizar” condenadas a penas de prisão, multa e penitências espirituais. Após esta última devassa, os membros da família de Branca Dias se separaram e dividiram-se pelo Brasil.


A Inquisição Portuguesa ou Tribunal do Santo Ofício, foi uma instituição da Igreja Católica que atuou em Portugal a partir de 1536. Tinha como objetivo combater desvios da fé católica, em especial as práticas religiosas dos judeus recém-convertidos ao cristianismo e dos seus descendentes.


Sabe-se ainda que, muitos judeus que moravam no Recife vieram para o Ceará, quando representantes do Tribunal da Santa Inquisição de Portugal visitaram Olinda em 1594. Os judeus conseguiram uma grande infiltração nesse Estado, sobretudo nos lugares próximos ao litoral, propícios à cultura de cana-de-açúcar.

O Ceará, talvez por sua pequena população, pobreza de recursos e desinteresse dos inquisidores foi deixado à margem, enquanto Pernambuco e Paraíba receberam inúmeras visitas de representantes do Santo Ofício. Contribuiu este esquecimento das terras cearenses pela Inquisição, para incrementar as transferências disfarçadas de numerosas famílias cripto-judaicas, de outros Estados do Nordeste para o Ceará. Uma família paraibana teve 29 pessoas presas pela inquisição e levadas à Portugal. Uma mulher dessa família transferiu-se para o Ceará e casou-se com um cristão-velho.

(Há menções de historiadores de que o Ceará recebeu várias visitas de inquisidores do Santo Ofício, mas estas não estavam relacionadas aos judeus ou aos seus ritos, e sim a outras infrações consideradas graves como, negação de fé, bigamia, homossexualidade, adultério e outros).    

Com a conversão forçada, em razão da perseguição, muitos trocaram de sobrenomes para esconder a origem judaica. Os antigos registros feitos pelas igrejas estão repletos de documentos sobre as migrações de famílias, com seus sobrenomes originais, típicos dos povos da raça discriminada: Fonseca, Rego, Brito, Henrique, Nunes, Mesquita, Rosa, Antunes, Pinto, etc.

Os cristãos-novos encontrados no Ceará são de segunda, terceira geração. Um dos casos mais citados é o de Josefa Maria dos Reis, nome disfarçado de uma integrante da família Fonseca Rego, filha de cristãos-novos residentes na Paraíba, que foram condenados a hábito e cárcere perpétuo em 1731. O hábito perpétuo significava que o apenado seria obrigado a usar, pelo resto da vida, uma espécie de avental amarelo, com uma estrela de David. O aparecimento em público de alguém usando esse avental, era motivo de insultos e escárnios e as vezes até do emprego de violência.

A Josefa, acima mencionada, ainda criança deixou a Paraíba e foi trazida para a Vila de Aquiraz, no Ceará. Aqui se casou com o sergipano António de Freitas Coutinho, que chegou ao posto de alcaide, um cargo administrativo relevante no Brasil colonial. Ela viveu a maior parte da vida na pequena Vila da Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção, que daria origem, mais tarde, à cidade de Fortaleza, atual capital do Ceará.

No Ceará, a perseguição antissemita seguiu os critérios de identificação que já eram usados em outros lugares. Como os cultos não eram abertos, e realizados de forma muito discreta, os denunciantes buscavam evidências para apontar a prática religiosa proibida. Para isso usavam de artimanhas, como convidar a família suspeita para almoçar, e servir carne de porco; se não comesse, era um indício; outra evidência, de acordo com os documentos, era o hábito de preparar a carne com bastante cebola e azeite – e não com banha de porco, como era costume à época, uma vez que judeus não consomem carne suina; outros foram denunciadas por se recusarem a trabalhar aos sábados (dia santificado do Judaísmo). E houve algumas denúncias por usos que fazem parte da rotina diária até hoje, como o hábito de varrer a casa da frente para trás – da porta para o quintal – um hábito de origem judaica.

As denúncias, muitas vezes, vinham de dentro da própria casa, partindo de amigos e parentes. As suspeitas eram comunicadas aos representantes diretos do tribunal, que gozavam de todo o poder e prestígio da Inquisição. Eram os “familiares”, nome dado aos civis que colaboravam com a Inquisição e agiam como espiões e denunciantes. Um dos casos mais famosos foi do militar português Antônio Borges da Fonseca, radicado em Pernambuco, que por mais de uma vez viajou à Paraíba para prender cristãos-novos por práticas religiosas. Foi recompensado com cargos políticos: foi governador da Paraíba, e seu filho Antônio José Victoriano Borges da Fonseca foi governador do Ceará, entre 1765 e 1782. A atuação de “familiares” como Borges da Fonseca formou as bases do funcionamento da Inquisição no Brasil.

Os cristãos-novos, em sua maioria integraram-se ao catolicismo e mudaram de sobrenomes para se tornarem invisíveis aos olhos de seus perseguidores.  


Fontes: Revista do Instituto do Ceará. Os Cristãos Novos na Formação da Família Cearense. Vinicius Barros Leal. 1975.    

https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2023/07/06/inquisicao-no-brasil-como-o-tribunal-do-santo-oficio-perseguiu-brasileiros-por-seculos.ghtml 


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