Historiadores
da vida política do Ceará emprestam a devida importância a rebeldia indígena
contra os maus tratos dos lusos. Senhores absolutos da extensa área geográfica,
que ia das areias que emolduram o Oceano Atlântico até o sopé do Araripe, e
dotados do sentimento dessa propriedade, os índios não admitiam sequer que esse
território fosse devassado. Os Tabajaras na Ibiapaba, os Potiguaras no Baixo
Jaguaribe e os Cariris no vale do mesmo nome, cedo se viram atingidos pelo
avanço dos estrangeiros, que invadiam suas terras em busca de minérios, e
posteriormente colonizá-los, submetendo os nativos ao cativeiro.
Contra
essa ocupação, as nações indígenas se levantaram, nos idos de
1630. À falta de meios para enfrentarem sozinhos os invasores de seu
território, fizeram aliança com os holandeses, a única forma encontrada para combaterem
a interiorização imposta pelos portugueses, cujo processo de ocupação de terras
não admitia resistências ou barreiras.
Quando
o processo de concessão de sesmarias começou a ser implantado, os nativos sentiram
recrudescer nos luso-brasileiros a ganância pela terra, e tornaram mais feroz sua
resistência àqueles que consideravam invasores do seu território.
As Sesmarias eram concedidas em áreas férteis, geralmente ao longo dos cursos dos rios. O objetivo da doação, era tornar a terra produtiva e garantir o povoamento dos sertões. Na foto do IBGE, a ribeira do Jaguaribe nos anos 50.
Os
títulos de posse que os sesmeiros recebiam, eram via de regra, constantes de três
léguas de terras (e faixas adjacentes), e envolviam preferencialmente as áreas
mais férteis, marcadas pelos cursos dos rios, justamente o habitat dos índios,
onde a caça era farta e a pesca complementava a provisão alimentar.
Opondo-se
à invasão dos colonos, a tribo dos Janduins habitantes das regiões das ribeiras do
Açu, Mossoró e Apodi, iniciou um conflito em defesa de suas propriedades e de sua própria sobrevivência, dada sua condição de silvícola, em franca desvantagem diante dos invasores apoiados pelo governo colonial. Essa rebelião, que ficou conhecida como “Guerra dos Bárbaros”,
teve início em meados dos anos 1680, a ela aderindo imediatamente as demais
nações indígenas.
Tal
guerra durou quase 50 anos, indo das últimas décadas do século XVII até a
segunda década do século XVIII. Por pouco os nativos não destruíram os
fundamentos da colonização portuguesa. Ao se rebelarem, os Janduins mataram,
saquearam e incendiaram tudo que pertencia aos colonos. Nos anos seguintes a
rebelião propagou-se pelo vale do Jaguaribe no Ceará, alcançando os mais
distantes sertões e chegando aos territórios de outras capitanias.
O
conflito abalou a região. Os colonos, desesperados, faziam dramáticos apelos às
autoridades coloniais, que enviaram tropas e mais tropas, compostas por negros
e índios aliados dos colonos, por degredados e criminosos, os quais receberiam
o perdão por seus crimes por lutar contra os revoltos.
Tentando por um fim ao confronto, o governador geral do Brasil, Frei Manuel da Ressurreição,
decidiu, no ano de 1689, requisitar bandeirantes de São Paulo. A tais sertanistas prometiam recompensas vantajosas, como a doação de
sesmarias e venda como escravos de indígenas derrotados.
A
presença dos bandeirantes, contudo, não pôs fim aos conflitos. Aproveitando-se
da rivalidade existente entre os índios, e prometendo presentes, paz e terras,
os conquistadores fizeram alianças com determinados grupos de nativos usando-os
para combater a rebelião. Também ergueram fortins, como o forte Real de São
Francisco Xavier (no local onde hoje se encontra a cidade de Russas), construído
em 1695 ou 1696, para melhor combater os índios e proteger os colonos da Ribeira do
Jaguaribe.
Forte de São Francisco Xavier da Ribeira do Jaguaribe, (1695/1707). Mandado construir por Caetano de Melo Castro, depois abandonado. (imagem do livro Inscrição Mural-breve história dos fortes do Ceará)
Dentre
os bandeirantes requisitados para o combate aos indígenas, estava Manuel Alves
Morais Navarro, um dos maiores matadores de índios da história do Brasil. Em 1699,
Navarro reuniu os Baiacus aldeados – que o tinham ajudado a combater outros
índios – prometendo-lhes ricos presentes e, enquanto dançavam, desarmados, o
paulista ordenou um repentino ataque com armas de fogo. Foi uma tragédia: morreram
cerca de 500 índios, e outros 200 foram levados como escravos para o Rio Grande
do Norte.
Esse
levante dos indígenas, que ensanguentou grande parte do Nordeste colonial, foi
um dos mais graves conflitos raciais ocorridos no Brasil seiscentistas, segundo
o historiador Carlos Studart Filho, tendo se alastrado pelas capitanias do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Piauí. Somente depois de
muita luta, de grandes derrotas impostas aos capitães-mores e seus exércitos de
infantes, os Janduins e seus aliados foram vencidos, para tranquilidade de Sua
Majestade, na corte de Lisboa e para sossego do governador-geral, em
Pernambuco.
Mas a grande batalha dos indígenas pela posse de suas terras continuou. No
ano de 1706, o governo da colônia autorizou o fornecimento de armas a todos os
brancos moradores da Capitania do Ceará visando à autodefesa. Em 1713, os índios realizaram mais um grande levante. Baiacus, Anacés,
Jaguaribaras, Ariús, Arariús, Jenipapos, Canindés e Tremembés, reunidos, atacaram
Aquiraz, então sede da capitania, ajudados por muitos dos índios aldeados e que
“serviam” aos brancos há anos.
No
confronto em Aquiraz, cerca de 200 habitantes morreram defendendo a vila,
enquanto os demais moradores fugiram desesperadamente, sob flechas, lanças e
tacapes, buscando a proteção dos canhões da fortaleza de N. S. da Assunção, em
Fortaleza.
Aquiraz
só não foi completamente destruída devido à ação do coronel João de Barros
Braga, grande latifundiário das margens do Jaguaribe, que liderava a milícia local,
a qual se compunha basicamente por mestiços e índios aliados, todos vestidos de
couro como os vaqueiros, bem armados e especializados em combates.
Soubera
o coronel do levante indígena e marchara com seu regimento para socorrer
Fortaleza, fazendo os índios recuarem até as margens do Rio Choró (no trecho
que abrange os municípios de Pacajus, Beberibe, entrando em Aracati), travando
uma monumental batalha que durou um dia inteiro de encarniçado combate. Os índios
acabaram derrotados. Foi um golpe mortal na confederação indígena.
Terminada
a guerra de 1713 – conclui o historiador Carlos Studart Filho – estava morto
para sempre o sentimento de altivez e rebeldia do nativo cearense. Encerrava-se
a fase heroica da resistência armada dos filhos da terra aos invasores brancos.
Fontes:
Anuário
do Ceará 1979/80
História
do Ceará, de Airton de Farias
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