sexta-feira, 8 de agosto de 2014

O Ceará de 1820

Barra do Ceará no período colonial

Na primeira metade da década de 1820 o Ceará foi palco de intensa agitação política e revoltas, relacionadas com o processo de Independência do Brasil, com as disputas entre os grupos oligárquicos pelo controle da província e à oposição ao centralismo que foi imposto ao país durante o I Reinado. Nessa fase de instabilidade, grupos de “cabras” a serviço de segmentos dominantes, buscavam impor os interesses destes em confrontos brutais.
Como pano de fundo para toda essa agitação política – e contribuindo para a mesma – estava a crise econômica cearense. Até 1819 a economia local se manteve numa situação relativamente estável, com os lucros vindos do plantio e comércio de algodão. A última grande seca havia atingido a capitania nos distantes anos 1790-93. Os latifundiários – em especial os do vale do Jaguaribe, a área mais populosa e rica do Ceará nas décadas iniciais do século XIX – conheceram uma fase de prosperidade, dispondo pois, de recursos humanos (a massa camponesa que deles dependia e os defendia em grupos armados) e materiais para envolver-se em disputas políticas e reagir contra medidas governamentais que atingiam seus interesses.

 vista aérea de Jaguaribe, durante a inundação de 1950

Mas na década de 1920, a intensificação da concorrência da cotonicultura dos Estados Unidos, o aumento da produtividade das fábricas inglesas (com menos algodão passou a produzir mais tecidos) e as pragas agrícolas, vão atingir em cheio a produção e a lucratividade do algodão do Brasil, em especial o do Ceará. Dessa maneira verifica-se um empobrecimento geral da província e um clima de insatisfação, ensejando lutas dos latifundiários para assumir o controle do poder local para se proteger e ou combater a exploração da Metrópole portuguesa/Estado imperial e buscar contornar a crise econômica.
O último administrador do período colonial, empossado em julho de 1820, foi o capitão-de-mar-e-guerra Francisco Alberto Rubim. Seu período coincidiu com o início do furacão político que se abateu sobre o reino no começo dos anos 1820.
Após muita pressão da Câmara de Vereadores e a sublevação dos militares acantonados em Fortaleza (14 de abril de 1821), Rubim viu-se obrigado a jurar a Constituição a ser feita pela Corte Portuguesa – era uma consequência da Revolução Liberal do Porto de 1820, a qual exigiu o retorno de D. João a Portugal e a elaboração de uma constituição. 

 Crato década de 1930

No Crato, todavia, rebentou movimento contrário ao da Capital. A Vila do Crato dominada pelas forças absolutistas que haviam sufocado a insurreição de 1817 – representadas por Leandro Bezerra Monteiro, pelo filho deste, Gonçalo Luís Teles e por Pereira Filgueiras, entre outros – recusou-se a jurar o documento constitucional, pois embora não soubesse precisamente o que seria uma constituição, temia-se que esta atingisse o rei, sendo nesta perspectiva, um atentado contra a religião, segundo as ligações que havia na mentalidade sertaneja entre Deus e o Monarca. Temia-se da mesma forma que o juramento resultasse em coisa semelhante ao movimento de 1817, uma anarquia republicana.
Entre os segmentos mais humildes, corriam boatos dando conta que se a tal constituição, uma lei do Satanás, fosse aprovada, seriam escravizados os pobres, mulatos e caboclos. Falava-se ainda que a Constituição era uma criatura viva, de aparência horripilante e capaz das maiores maldades contra os cristãos.
Diante do clima de inquietação, o governador Rubim enviou representantes ao Cariri, os quais, com dificuldades conseguiram convencer Pereira Filgueiras e Leandro Bezerra Monteiro, mostrando que a Constituição não tinha nada contra Deus e que o próprio D. João VI fizera o jurara o documento. Outros chefes monarquistas, porém, continuaram a incitar o povo contra a “lei do diabo”. A tensão era grande na região, ocorrendo motins em Icó, Jardim e Missão Velha.

 Igreja matriz do Crato, em 1936

Em agosto de 1821, enquanto havia uma celebração na Igreja do Crato pela adoção do regime constitucional, 400 homens armados cercaram o templo com o propósito de por fim a cerimônia – acreditavam que a Constituição iria substituir a imagem de Nossa senhora da Penha pela de uma prostituta de nome Úrsula. Só não se verificou uma tragédia devido a intervenção do capitão-mor Pereira Filgueiras.
Com o tempo, arrefeceram os ânimos no Cariri, embora em Fortaleza cada vez mais aumentasse a pressão contra Rubim. Os opositores não acreditavam na fidelidade do governo à causa constitucional.
Um levante militar a 3 de novembro de 1821 obrigou Rubim a renunciar. O Ceará passou então a ser gerido por um Governo Provisório chefiado pelo comandante da tropa de linha Francisco Xavier Torres, militar ligado aos interesses dos constitucionalistas portugueses.    


Extraído do livro História do Ceará, 
de Airton de Farias  

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