Os missionários capuchinhos marcaram presença no
Brasil desde 1612, quando Cláudio de Abbeville e Ivo d’Evreux, cada um com seus
escritos, iniciaram a moderna história do Maranhão. Desde então passaram a
visitar o Brasil e mais especialmente o Nordeste, onde promoviam a catequese e
a evangelização da população.
Frei Vidal da Penha foi um desses capuchinhos. Entre
1780 e 1820 pregou em toda a região nordestina e ficou imortalizado no
imaginário popular por seus inflamados sermões versando sobre as virtudes humanas. Virou tema da literatura de cordel por causa de suas profecias
sobre o fim do mundo. Contam que Frei Vidal, em suas andanças pelo sertão, era
conduzido em uma rede. Onde chegava, juntava-se uma turma de homens que o
conduzia até a próxima parada.
O povo simples do sertão tinha muita fé no religioso
que era considerado um santo. Nos lugares que passava, tinha o costume de
erguer igrejas e cruzeiros nos locais em celebrava missas e fazia pregações. Muitos
deles foram marcos para o começo de povoados e futuras cidades, a exemplo de
Itapajé e Bela Cruz no Ceará. Muitas outras localidades contaram com alguns
exemplares dessas edificações, hoje desaparecidas, testemunhos da passagem de
Frei Vidal, por várias regiões do Ceará.
Seu verdadeiro nome era Vitale da Frascarolo. O missionário também é citado como Frei Vidal de Fraccardo. O nome
“da Penha” é em alusão ao convento de Nossa Senhora da Penha, localizado em
Recife em Pernambuco, onde o mesmo vivia antes das suas missões.
Italiano que peregrinava pelos sertões de Pernambuco e Ceará nos últimos anos
do século XVIII, o frade tinha como marca registrada a catequese dos habitantes
e índios da região. Mas Frei Vidal não catequizou apenas selvagens. Contribuiu com
seus esforços para uma outra catequese – a do civilizado – talvez a mais difícil,
mostrando do púlpito seus erros, suas paixões, seus desvios, chamando-o ao bom
caminho.
Certo dia o religioso missionava em Campo Grande sobre
a Serra da Ibiapaba. Num dos sermões falou sobre os sambas e toques de viola,
então muito em voga nos sertões cearenses. Do púlpito, pediu que os possuidores
de violas, as trouxessem sob pena de excomunhão. O efeito foi imediato. Foi como
se uma bomba estivesse estourado no seio daquela população inculta.
Surgiram violas de todos os cantos, e em poucos dias a
casa de hospedagem do padre estava entulhada desse instrumento. O missionário
mandou dependura-las nos galhos de uma árvore seca, arrumando uma parte dela
embaixo da mesma árvore. Feito isso, ateou fogo à pilha de violas que arderam,
e ao queimarem-se as cordas das violas vibravam, e o som era ouvido pelos
assistentes.
Também ficou famoso por suas profecias catastróficas
de fim do mundo, que por muitos anos permaneceram no imaginário da população
local, que acreditava em suas palavras, e propagavam seus relatos. Um fato
peculiar de suas profecias lendárias é que ele sempre mencionava "o rabo
baleia" ou "a baleia adormecida", animal que segundo ele, vivia
adormecido sob as cidades da região. Segundo ele, ao acordar e se mover nas
entranhas da terra, a "baleia" provocaria grande devastação.
Em Santana do Acaraú, um gaiato pregou uma peça de
extremo mau gosto no sacerdote. Conta-se que tendo parado às margens do rio que
corta aquela cidade, Frei Vidal aproveitou para beber água e banhar-se, tendo
deixado o seu chapéu no galho de uma árvore. Um sujeito de maus bofes
aproveitou sua distração para defecar dentro do mesmo. Ao sair dali, Frei Vidal
retirou suas sandálias, bateu o pó que as impregnava e vaticinou que Santana
estaria fadada a tornar-se “cama de baleia” e crescer sempre baixo, como o rabo
de sua alimária. As cidades que nasceram às margens do Rio Jaguaribe também
foram ameaçadas com igual vaticínio, pois segundo ele, Aracati seria a primeira
da lista e as águas invasoras de um possível Tsunami iriam transformar a
distante Icó em porto de navio.
Açude Araras construído sobre o leito do Rio Acaraú (imagem Tribuna do Ceará)
Santana do Acaraú e as cidades vizinhas seriam
inundadas devido ao arrombamento de um açude pelo movimento do lendário mamífero
adormecido nas entranhas da terra. Previa ainda que esse açude seria construído
no Rio Acaraú, e que o açude teria nome de um pássaro. Lenda ou não o açude
realmente foi construído, o Açude Araras, e nos últimos anos diversas cidades
da Região Norte do Ceará, próximas a Sobral sofreram abalos sísmicos.
Por onde passava, a multidão ouvia-o enternecida à sua
palavra de ouro e fé. Ao longo do vale de Crateús, certo dia, Frei Vidal bate a
porta da casa grande da fazenda do Coronel José Ferreira de Melo, onde foi
recebido alegremente. Era uma honra hospedar a figura singular e marcante do
notável missionário. Anunciada a prédica, juntou-se uma multidão de gente,
vinda de toda parte. Foi nesta oportunidade que Frei Vidal, fez veemente um
apelo ao rico fazendeiro, no sentido de que mandasse construir uma capela.
Homens daqueles tempos idos e vividos, não faltavam com a palavra, promessa
feita, promessa cumprida.
Igreja Matriz de N. S. Santana em Independência (imagem IBGE)
O sertanejo acedeu, dando início às obras, que foram
concluídas em 1810. Aos poucos, foi-se chegando gente e principiou um
modesto arruado, em forma de quatro, ao redor da capela de Nossa Senhora
Santana. A florescente povoação elevou-se a distrito de Paz com o nome de Pelo
Sinal, por resolução n.º 56 de 6 de setembro de 1836. No local hoje encontra-se
a cidade de Independência.
Considerado o maior missionário que estas paragens já
conheceu, com suas missões nunca esquecidas, e que se tornaram lendárias, sua
fama era tamanha, que para sua aposentadoria, o Senado da Câmara de Fortaleza,
arranjou-lhe a melhor casa da Villa, a então residência do mestre alfaiate
Salvador José Quaresma.
Fontes:
Revista do Instituto do Ceará – “No Tempo de Frei
Vidal...” de Eusébio de Sousa
http://acordacordel.blogspot.com.br
figura do cordel Revistas USP
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