Um século depois do
início da ocupação da capitania do Siará, as tribos indígenas do centro
cearense se ligaram aos povoadores dessa região, uma vez que já haviam sido
ocupadas as extremas com Pernambuco, Paraíba e Piauí. Eram eles os Icós,
Icozinhos, Calabaças, Chocós, Quipipaus, Cariris, Cariús, Jucás, Quixolôs e os
Inhamuns, tapuias de língua travada, já então acometidos pela bexiga, sarampo e
outras moléstias e também dizimados em larga escala pelos conquistadores.
Os Cariús, que moravam
pelo vale do riacho Cariús e do Rio Bastiões, lutavam contra os Cariris, que
habitavam o vale do mesmo nome, ao sul, disputando a terra úmida dos brejos. Os Jucás viviam às
margens do riacho Jucá, eram guerreiros e visavam particularmente aos brancos
invasores. Os Quixolôs eram violentos e ladrões, e os Inhamuns que se estendiam
entre os Quixolôs e os Jucás, nas margens do Jaguaribe, aldeados na Vila de São
Mateus por frades carmelitas, eram os senhores primitivos daquele planalto. As mulheres Inhamuns,
como as das demais tribos, em solteiras eram entregues pelos pais a estranhos
que iam viver entre eles. Porém, depois de casadas eram fiéis a seus maridos.
Os índios cearenses não tinham espírito
religioso definido, mas eram hospitaleiros, de modo geral. Acreditavam nos seus
pajés, sacerdotes e feiticeiros; não tinham nenhum senso de propriedade, tudo
era comum. E esperavam repousar depois da morte, em abundância e descanso, numa
das aldeias que existiriam no centro da terra. Pouco afeitos ao trabalho,
viviam pelas matas dos sertões, tinham as mãos isentas de calosidade, finas,
como das pessoas que não trabalham.
As Sesmarias era um sistema de doação de terras que visava a produtividade e o povoamento da colônia. Os Sesmeiros tinham prazo e tinham que dispor de meios para explorá-las.
Com a chegada dos
brancos, dois séculos bastaram para exterminá-los. Perderam, pouco a pouco, as
suas terras, reduzidas por Carta-Régia de 4 de junho de 1703, do Rei Pedro II. Aos
indígenas, uma única concessão: uma légua de terra em quadro para cada aldeia,
moradia e lavouras; espaço suficiente para uma igreja e um adro; terreno para o
padre missionário, sua casa, pertences, inclusive criações domésticas;
pagamento das côngruas ordinárias à custa da fazenda real.
Enquanto isso, um
donatário tinha direito a centenas de léguas quadradas, e um sesmeiro, a três,
quase sempre multiplicadas. Mas, cem famílias de índios, só podiam dispor de
uma légua. Em fins do século XVII e
princípios do XVIII, quando foram maiores as concessões de datas de sesmarias
nas margens do curso inferior dos grandes rios cearenses, o Jaguaribe e o
Acaraú principalmente, cresceram as disputas de terras entre os brancos, que não
se entendiam sobre os limites de suas respectivas propriedades.
Tais contestações
terminavam quase sempre, em vias de fato e apelo às armas, que frequentemente
contavam com a participação de indígenas, sempre prontos a guerrear e eliminar
seus opressores. Tomavam parte a favor de um e de outro dos contendores que os
aliciavam por meio de promessas, ou de vantagens reais, que consistiam
geralmente em bugigangas, objetos de pouco ou nenhum valor, com que se
contentava a indiada.
Diante desse quadro
sinistro e da grande perspectiva de derramamento de sangue, El-Rei mandou ao
Ceará o desembargador Cristóvão Suares Reimão para tombar e medir as terras da
capitania, tarefa o que o desembargador cumpriu entre 1709 e 1713, quando foi
então transferido para o Recife.
Os índios, ainda não
catequizados e aldeados, estavam sempre dispostos a se levantarem e a
guerrearam, e por todos os meios, se vingarem dos colonos, seus inimigos
invasores. Os impostos reais sobre as fazendas de gado, acenderam outros
estopins no sertão. Os índios massacravam os brancos, estes massacravam índios,
uns e outros de parceria, brancos contra brancos, índios contra índios.
No final do século XVII a
Capitania do Ceará ainda era um presidio militar, um covil de malfeitores e
ladrões, fugidos das capitanias vizinhas, nômades que viviam do roubo de gado.
Em 1708 restavam poucas opções aos indígenas: não queriam habitar as aldeias missionárias,
expulsos que foram de suas terras. Rebelaram-se contra os colonos. Arrasaram
fazendas, trucidaram quem encontrasse.
A guarnição do presídio
militar, da marinha, não pode socorrer a tempo a população do interior. O que
dela restou foi acolher-se à sombra do forte, cheia de consternação. Nesse mesmo
ano o governador de Pernambuco deu ordem ao capitão-mor do Ceará que movesse
guerra visando o extermínio dos índios. O que foi, efetivamente,
feito.
A mortandade foi terrível
no Ceará. Praias e sertões foram varridos pelos regimentos do Capitão João de
Barros Braga, das cavalarias das várzeas do Jaguaribe. O massacre de índios da
missão de são Mateus dos Inhamuns impressionou ao próprio Rei D. João V, que
condenou, em carta, a ação dos milicianos às ordens dos governadores de
Pernambuco e do Ceará. Perdurou tensa, durante anos, a situação entre colonos e
nativos.
Extraído do livro
O Clã dos Inhamuns, de Nertan Macedo
imagens meramente ilustrativas
O Clã dos Inhamuns, de Nertan Macedo
imagens meramente ilustrativas
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