Icó - Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Monte
A luta dos povoadores no interior contra as várias
nações indígenas, foi homérica. Trazidos pela esperança de encontrar campos de
boas pastagens para a criação de gado, pois a região não oferecia as tentações
dos latifúndios açucareiros, nem do ouro ou diamantes. Esses povoadores vinham
da Paraíba, Pernambuco e de Alagoas, pelo sul, espraiando-se nas ribeiras ou
vales dos rios, rumo da costa.
Assim, o povoamento se fez do interior para o
litoral. Fundaram as primeiras povoações que mais tarde, se tornariam vilas e
cidades: Crato, Lavras da Mangabeira, Cachoeira, Icó. Ocuparam a região do
Banabuiú, do Quixeramobim, e do Jaguaribe pelo curso do qual vieram até
Aracati, quase na foz. Dali se espalharam para outros pontos do território.
O gado marchava à frente deles. Tomavam conta das
terras e levantavam a casa grande de taipa da fazenda. Cercavam-se de agregados
e vaqueiros, geralmente índios ou mestiços. Tinham poucos escravos, os
necessários aos serviços domésticos. Dominavam como verdadeiros senhores
feudais e, às vezes guerreavam entre si. Assim, iam se apoderando dos sertões
imensos. E esses desbravadores escreveram o chamado Ciclo do Gado.
Em todos os ciclos da história brasileira, é a
religião quem inspira e norteia a arte, pois é nas igrejas, capelas e conventos
que ela se sublima. Os solares, os edifícios civis ou militares, sempre ficam
em segundo plano. O Ciclo do Açúcar povoa de mosteiros e templos, a Bahia e
Pernambuco. O Ciclo do Ouro coroa os montes de Minas Gerais com as capelas e
igrejas, recheadas de talhas douradas. A arte do Ciclo do Gado é a mais
humilde, toda a sua arquitetura se faz, pela falta da pedra apropriada para a
obra, em simples alvenaria, na qual se executa uma ornamentação própria. Nem
esculturas, nem cinzeladuras, nem obras de talha, nem ouro, nem mármore e nem
azulejos. Os artistas anônimos obtêm com linhas, na combinação ingênua das
curvas e dos ornatos rectilíneos, os efeitos decorativos.
Até agora, pouco se pesquisou sobre essa arte
escondida, filha da pobreza dos sertões nordestinos e por isso, talvez, mais
cheia de sentimento e de humanidade. Pouco se sabe ou mesmo nada se sabe sobre
os seus autores. No entanto, onde ainda não foram desfiguradas, as suas
construções de pedra e cal, ornamentadas com volutas e arrecadas de simples
reboco, se mostram como documento vivo, de um passado absolutamente brasileiro,
sem nenhuma influência do aventurismo interesseiro do diamante ou da produção
de açúcar, que atraiu o holandês às nossas plagas e quase deixa em suas mãos
heréticas, uma bela parte do velho Brasil.
Com relação aos templos do sertão, segundo o professor
Liberal de Castro, em boa parte, as igrejas paroquiais e outras igrejas de
porte, iniciadas no século XVIII conheceram posterior conclusão. Sempre
edificadas de modo parcelado, geralmente tinham como núcleo gerador pequenas
capelas de fazendas ou de missões, ampliadas por sucessivos acréscimos. Essas
adições tendiam a busca de um traço oitocentista, conseguida com uma planta
final de desenho retangular, na qual a pequena capela primitiva, absorvida pelo
conjunto, se transformava na capela mor da igreja ampliada.
Nesse processo de seguidos acréscimos, são raras as
exceções, identificando-se como obras integralmente executadas no século XVIII,
apenas a Igreja de Nossa Senhora da Assunção, em Viçosa do Ceará (iniciada em
1695), e a Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Almofala (primeira metade do
século XVIII).
A Igreja de Almofala, localizado no norte do Estado,
erguida perto do mar por uma irmandade local, encontra-se atualmente
descontextualizada de sua ambientação original. Permaneceu quarenta anos
soterrada pelas dunas, quando ressurgiu por força dos mesmos ventos que a
haviam sepultado. Ao que se supõe, obedeceu a projeto de feição barroca, vindo
da Bahia, com torre filiada às do convento lusitano de Mafra.
Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Almofala
A Igreja de Almofala foi concluída em 1712, levantada pelas antigas missões jesuítas sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição.
Na primitiva igreja da missão Jesuítica na Ibiapaba,
praticamente refeita no século XIX, restaram talvez somente uma das torres e a
capela-mor, em cujo forro subsiste um magnífico conjunto de doze painéis
pintados com alegorias barrocas, dedicados às virtudes capitais e cardeais e
aos sentidos humanos.
Igreja de Nossa Senhora da Assunção de Viçosa do Ceará
A mais antiga do Estado, construída pelos jesuítas,
entre 1695 e 1700. Na época, os jesuítas catequizavam os índios Tabajaras e,
para atraí-los à fé católica, esculpiram a imagem de Nossa Senhora da Assunção
à imagem e semelhança das mulheres daquela etnia. Ao longo dos anos, a igreja –
em estilo barroco e fachada eclética – foi sendo reformada e descaracterizada,
perdeu o altar do coral, e houve a inclusão de cerâmicas em seus interior e
pedras na fachada.
Muitas igrejas, embora guardassem nas fachadas traços
de um barroco sertanejo, muitas tiveram seus espaços alterados por
introdução de arcaria interna, por influência do plano matriz da capital.
Filiam-se a essas expressões formais mistas, a Sé de Sobral, de Nossa Senhora
da Conceição da Caiçara, a matriz da Expectação, em Icó, a Igreja do
Rosário em Aracati, a matriz do Rosário, em Tauá, a de São José, na Granja e em
Aquiraz, da Palma, em Baturité, de Santo Antônio, em Quixeramobim. Muitas
dessas igrejas cearenses, mostram-se prejudicadas pelo desenho oitocentistas
das torres, quase sempre piramidais, por vezes com perfis desproporcionais e
até grosseiros. São elas:
Construída no século XVIII, por volta de 1713, é a
segunda igreja mais antiga do Ceará. O templo apresenta ecletismo no estilo,
predominando os traços barrocos e neoclássicos, frutos das várias modificações
que passou ao longo dos anos. Alguns detalhes, ainda originais, impressionam
por sua beleza e requinte. São eles, dentre outros; As três grandes portas
almofadadas da entrada principal, o púlpito de madeira lavrada e os painéis
pintados no forro da capela-mor, os quais provavelmente foram obras de índios
catequizados. Destaca-se no nicho central do altar-mor a imagem do padroeiro
São José de Ribamar, calçado de botas, relembrando o bandeirante audaz. O
templo tem a planta em forma de retângulo, a coberta em telha canal com
madeiramento aparente, sem forro na nave. Teve sua coberta e madeiramento
recuperados em 1980, frente ao precário estado em que se encontravam. Apresenta
em elevação, duas torres quadrangulares encimadas por pirâmides de base
octogonal. Seu desenho é muito simples, mostrando “uma herança plástica das
primeiras capelas nacionais de origem jesuítica, espalhadas por todo o Brasil e
que teriam como provável fonte nordestina, a Igreja da Graça em Olinda.
Construção iniciada em 1746. Esta igreja, embora
simbolicamente muito importante para a região, não teve uma construção muito
sólida, pois com apenas 14 anos de construída já ameaçava ruir. Em 1762, por
razões de segurança, foi demolida a capela mor e no ano de 1778 foi levantada
ao seu lado a nova matriz que perdura até os dias atuais. À época da
construção, Sobral já era uma próspera vila, e a igreja ficou conhecida como a
Matriz da Caiçara. Sua história se funde com o povoamento de Sobral. A Matriz
mistura elementos do estilo tardo-barroca (ou rococó) com acréscimos
decorativos como movimento ondulatório nas cornijas, os frontões altos,
tratamentos em relevos esculpidos e coroagem com bulbosos das torres. No
pórtico frontispicial a construção tem acabamentos com acervos de pedraria em
lioz, vindos de Portugal. Segundo Liberal de Castro, a Sé de Sobral conta com o frontispício
mais elegante do Ceará.
O templo é a construção mais antiga de Icó, datada de 1709. Em 1728 passou a ser chamada de Nossa Senhora da Expectação do Icó, e mais tarde, apenas Igreja de Nossa Senhora da Expectação. Nas igrejas cearenses há raríssimos casos de sacristias perpendiculares ao eixo da igreja, como ocorre na Matriz da Expectação do Icó. O espaço interno sofreu alterações, como a abertura de arcadas para os corredores laterais. A igreja ainda conserva o sacrário original em talha, a prataria e imagens antigas. O retábulo original, entalhado por António Corrêa d’Araújo, natural da freguesia de São Miguel de Seide, já não mais existe.
Aracati – Igreja do Rosário
Situada à margem esquerda do rio Trici, a Igreja matriz de N. Sra. Do Rosário foi construída em 1762 e, em volta dela, cresceu a cidade de Tauá. Situada em terreno mais elevado, ainda se destaca na paisagem urbana, como ponto focal da Praça Dr. Alberto Feitosa lima. De desenho simples, com poucos ornamentos, a edificação possui planta retangular, nave principal e naves laterais ligadas à capela-mor por arcos plenos, possivelmente acrescidas em época posterior. Separando a nave principal das duas laterais, grossas paredes de 1,00m de espessura, formam quatro arcos plenos com detalhes em alvenaria de cada lado. Os altares são trabalhados em alvenaria e sobre a nave principal, existe uma abóbada em pedra bruta, característica marcante da construção, que a distingue das demais da região. A imagem da padroeira, no altar principal, foi importada de Portugal ainda na época da colônia. O forro do altar é executado em madeira, pintado de azul com detalhes na cor prata. A igreja não possui coro, destacando-se a abóbada da nave como significativo elemento arquitetônico do templo.
A primitiva matriz
de Macaboqueira (atual Granja) foi inaugurada no dia 8 de setembro de 1759, em
louvor a São José. No dia seguinte foi criada e instalada a Confraria ou
Irmandade do Santíssimo Sacramento. Ao longo dos anos passou por várias reformas e ampliações. No ano de 1879,
aproveitando a mão de obra de milhares de retirantes que se refugiaram em
Granja, na grande seca de 1877/79, o templo passou pela maior das reformas:
foram abertas 6 arcadas do corpo da igreja, e mais duas portas da frente, por
existir somente uma, a principal; foram feitos os dois corredores, as tribunas
soalhadas, as grades, soalhos e forrado o corpo da igreja; limparam e montaram
todo edifício; colocaram grades de ferro e vidraças nas janelas do coro,
reformaram o frontispício, colocaram nele cruz de ferro, relógio e construíram
o patamar, dando tudo por concluído no princípio de 1880, quando terminou a
terrível seca.
O templo foi construído em meados do século XVIII,
quando da fundação da antiga Vila Real de Monte Mor o Novo d’América, atual
cidade de Baturité. Com arquitetura em estilo bizantino gótico com predominação
no barroco, a igreja venera a padroeira Nossa Senhora da Palma, desde a criação
da freguesia a 8 de maio de 1758. Em 1824, durante a adesão de Baturité ao
movimento revolucionário conhecido por Confederação do Equador, a Matriz virou
barricada, por ser o maior prédio do lugar. Um dos chefes do movimento, Tristão
Gonçalves enviou 180 barris de pólvora, 220 carros de granadeiros, 3 barris de
chumbo, um quintal de ferro e uma roda de aço, ficando toda essa carga guardada
na Igreja Matriz, em cuja porta estavam sentinelas armadas. A igreja dispõe de
duas naves, sete altares, três sinos e um grande relógio público. Comporta até
3 mil pessoas. No seu interior há ilustrações de cenas bíblicas em pintura a
óleo, em estilo clássico, executadas por artistas da região. Hoje, a Matriz,
encontra-se bastante modificada no seu interior. As reformas não respeitaram
suas características originais, mas a população orgulha-se de seu templo
bicentenário. A edificação encontra-se em lugar privilegiado, no centro da
cidade, na Praça da Matriz.
Foi fundada em
1755, pelo portuense capitão Antônio Dias Ferreira, que situando naquelas terras
sertanejas, sua Fazenda de Santo Antônio do Boqueirão, logo tratou de erigir
nas proximidades da sua casa, em 1730, uma pequena capela sob invocação de
Santo Antônio de Lisboa ou Pádua. Vinte e cinco anos mais tarde, a capelinha
arruinada era substituída pela igreja que seria a matriz da futura cidade,
construída pelo mesmo Antônio Dias Ferreira, homem devoto, solteiro e dono de
grande fortuna. Mas não teve o fundador da fazenda Boqueirão, e da Igreja de
Santo Antônio, a ventura de ver esse templo elevado à categoria de matriz, a 15
de novembro de 1755. Falecera um ano antes, deixando as obras por terminar.
Estas somente vieram a termo no ano de 1770, quando já criada a freguesia sob a
direção do capitão João Francisco Vieira. Com
suas duas torres e o frontispício neoclássico, a atual matriz de Quixeramobim
conserva a estrutura fundamental da construção barroca do século XVIII, quando
tinha uma única torre e o seu frontão ascendia em curvas simétricas. Mudou
bastante sua forma; mas a alma do templo quase três vezes centenário continuou
a mesma.
A Capitania do Ceará não conheceu conventos ou
instalações similares, que representaram centros valiosos de difusão da arte
barroca no Brasil. O fato, aliado à pobreza da terra, justifica a ausência de
obras realmente barrocas no Ceará. A Companhia de Jesus, a única ordem
religiosa a se estabelecer arquitetonicamente no Ceará, permaneceu por tempo
relativamente curto, com ação reduzida a conjunto missioneiros marcados por
arquitetura efêmera. Como obra de vulto dos jesuítas, restaram apenas a já
mencionada Igreja da Senhora de Assunção, em Viçosa do Ceará, praticamente
refeita no século XIX, e as ruínas de um hospício em Aquiraz, fundado em 1717 e
demolido em 1854, por ordem dos bispos de Olinda.
Fontes:
Arquitetura no Ceará, o século XIX e algumas antecedências de José Liberal de Castro – Revista do Instituto do Ceará – 2014
À Margem da História do Ceará, de Gustavo Barroso - Imprensa Universitária do Ceará - 1962
fotos IPHAN e IBGE