Os sertões cearenses foram conquistados em função da
pecuária, a partir da segunda metade do século XVII e, sobretudo, no começo do
século seguinte, num processo de extrema violência e que levou ao assassinato
de milhares de indígenas.
Os povos nativos da América não conheciam os gados trazidos
pelos colonizadores europeus para o Brasil ainda no século XVI. Nos engenhos de
açúcar da zona da mata de Pernambuco e Bahia, a pecuária constituía atividade
secundária e complementar – o boi fornecia alimentação e força de trabalho. No
entanto, depois o gado passou a ser conduzido para o interior da atual região
Nordeste, possibilitando, assim a conquista deste território, particularmente
dos sertões cearenses.
Essa conquista foi motivada por fatores como a crise
político-econômica portuguesa, aumentada com a União Ibérica, que fez diversos
portugueses emigrarem para o Brasil, em direção ao Nordeste, uma vez que
inexistiam terras na zona da mata de Pernambuco e Bahia para atender a todos.
Essa disputa por terras se agravava ainda com o próprio crescimento
populacional natural da região açucareira. Outro fator estaria na necessidade
crescente de terras na zona da mata para o plantio e exploração de cana-de-açúcar,
e muitas destas terras estavam ocupadas pela pecuária. Além disso, havia o aumento do número dos
rebanhos, os quais invadiam os canaviais, dando prejuízos aos senhores de
engenho.
O desbravamento no sertão nordestino pelos colonos
pecuaristas teria acontecido, conforme o historiador Capistrano de Abreu, a
partir de duas rotas: a do Sertão de Fora, dominada por pernambucanos, que se
deslocando pela faixa mais próxima ao litoral, seguiram pela Paraíba, Rio
Grande do Norte e Ceará em direção ao Maranhão, e a do Sertão de dentro, controlada
por baianos, que vinham pelo interior nordestino abrangendo a região que vai do
médio São Francisco ao rio Parnaíba, no Piauí, ocupando o sul da capitania cearense.
No Ceará, aquelas duas correntes de interiorização se confluem.
Até então a presença do invasor europeu na capitania
cearense estava restrita ao fortim de Nossa Senhora da Assunção, no litoral,
onde uma guarnição militar composta por brancos, negros e mestiços provava
simbolicamente o domínio português em companhia de índios aliados. Todos pobres
e miseráveis, quase sem mantimentos, munições e ferramentas agrícolas. Foi
exatamente para os membros do forte, por serviços militares prestados à Coroa
Portuguesa, que foram doadas as primeiras sesmarias na foz dos rios Pacoti, Choró e Piranji. A
seguir, terras foram doadas para colonos vindos de capitanias vizinhas –
Pernambuco, Bahia, Paraíba e Rio Grande do Norte. Datam essas primeiras
concessões do período entre 1678 e 1682.
Ponte sobre o Rio Jaguaribe, em Aracati (arquivo Nirez)
Do litoral os conquistadores passaram a ocupar
definitivamente o interior, se apossando, no principio, das terras próximas ao
curso dos rios de maior volume d’água, fundamental numa área seca como o Ceará,
como o Acaraú, o Jaguaribe e os maiores afluentes destes. Os rios além de
servirem de caminhos naturais aos colonos no desbravamento dos sertões,
possibilitavam a pesca e a caça de animais que ali matavam a sede. Na porção
oeste do Ceará os pecuaristas também ocuparam rapidamente as ribeiras de rios
como o Aracatiaçu e Coreaú, enquanto os jesuítas procuravam catequizar os índios
da serra da Ibiapaba.
Ponte sobre o Rio Coreaú (foto Skyscrapercity)
Para a Coroa portuguesa, a partir do descobrimento do Brasil, todas as áreas da Colônia lhe pertenciam, como terras devolutas,
podendo ser distribuídas como melhor entendesse. Não havia nenhum reconhecimento dos direitos
dos povos indígenas, habitantes daquelas áreas há tempos. Dessa maneira, as
terras no sertão seriam obtidas gratuitamente pelos colonos, bastando serem
requisitadas as chamadas cartas de sesmarias às autoridades coloniais. Normalmente,
se tomava posse das terras antes mesmo da concessão das cartas – os colonos
erguiam moradias, currais e iniciarem a criação de gado para depois pedir a
propriedade legal. Surgiam assim as fazendas de gado.
Concedendo sesmarias o governo estimulava a ocupação dos
sertões, uma vez que estaria garantido não só seu domínio sobre as terras não
ocupadas, mas também o entesouramento, com a cobrança de impostos sobre o gado,
o couro, a carne e tudo o mais que pudesse ser gerado com a ocupação produtiva
da região.
Mapa do Ceará com a localização das diversas nações indígenas
Na conquista dos sertões, o grande perdedor foi o indígena,
escravizado, submetido e expulso da terra ou exterminado impiedosamente, pois
não havia necessidade de preservar muitos nativos porque as fazendas absorviam
pouca mão-de-obra. Com efeito, fez-se instantânea a reação do nativo como na
chamada Guerra dos Bárbaros, quando por mais de 30 anos (do final do século
XVII à segunda década do século XVIII) os povos indígenas lutaram contra a
presença do europeu invasor, até serem chacinados ou condenados à aculturação
nos aldeamentos.
Outro fenômeno ligado ao avanço da pecuária no Ceará foi a
formação de povoados e vilas. Ao longo do século XVIII, a expansão do gado
correspondeu a criação de vilas em diversos pontos da capitania, como Icó
(1738), Aracati (1748), Sobral (1773) e Quixeramobim (1789), sem falar nos
aldeamentos indígenas transformados em vilas, como Messejana, Soure, e
Parangaba (1758), Viçosa (1759), Baturité e Crato (1764). A formação dessas
vilas estavam ligadas ao interesse da coroa em controlar os habitantes, impor a
presença do governo e estimular a produção agrícola.
Extraído do livro
História do Ceará, de Aírton de Farias
De grande interesse e bastante útil.
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