Em 1867, José de Alencar publicou uma série Ao Imperador: Novas Cartas Políticas de Erasmo. São sete cartas abertas dirigidas a Dom Pedro II, das quais três tratam abertamente da defesa da escravidão negra no Brasil. O escritor era então deputado no Rio de Janeiro, eleito pelo Ceará, e tentava convencer ao imperador a abandonar a ideia da abolição dos escravos. O imperador fazia grande pressão pelo fim do comércio humano – ameaçava até desistir do trono se os parlamentares não votassem pelo fim dos cativeiros.
D. Pedro II em 1870 |
Curioso é que os motivos de J. de Alencar contra a abolição
parecem mais simpáticos aos negros do que os argumentos em favor da liberdade. Nos
discursos pró e contra a escravatura do século XIX, os parlamentares se
baseavam em razões que hoje parecem insanas. Nenhum negro gostaria de ouvir,
por exemplo, o argumento abolicionista de que os africanos formavam uma raça
inferior e por isso era necessário parar imediatamente de trazê-los para o
Brasil, para que não prejudicassem o futuro do país.
Já os defensores da
escravidão tinham razões politicamente corretas. O mais conhecido deles, o
senador Bernardo de Vasconcelos, dizia que a África civilizava o Brasil,
portanto a imigração de negros africanos enriquecia a cultura brasileira.
A argumentação de José de Alencar vai nessa linha. Ele não
defendia o sistema escravocrata por acreditar que os negros tinham um cérebro
menos dotado, mas porque via neles um grande potencial de crescimento e auxílio
no progresso do país. Chega a citar negros ilustres da história brasileira,
como Henrique Dias, herói da expulsão dos holandeses em Pernambuco: “sem a
escravidão africana e o tráfico que a realizou, a América seria hoje um vasto
deserto”, diz Alencar na segunda carta ao Imperador. “Três séculos durante, a
África despejou sobre a América a exuberância de sua população vigorosa”.
De acordo com José de Alencar, toda nova civilização da
história floresceu por meio da escravidão de civilização decadente. O trabalho
forçado seria uma “educação pelo cativeiro”, ou seja, um modo de tirar
indivíduos da selva e dar-lhes acesso a instrução. O escravo durante anos de
servidão, iria adquirir qualidades morais suficientes para ser um novo membro
da sociedade. Como mostra desse fenômeno, Alencar cita o alto número de
escravos alforriados no Brasil que compravam a liberdade ou a ganhavam de
presente.
Segundo o escritor “se a escravidão não fosse inventada, a
marcha da humanidade seria impossível, a menos que a necessidade não suprisse
esse vínculo por outro igualmente poderoso. Desde que o interesse próprio de
possuir o vencido não coibisse a fúria do vencedor, ele havia de imolar a
vítima. Significara, portanto, a vitória na antiguidade uma hecatombe; a
conquista de um país, o extermínio da população indígena".
Muita gente considera importante preservar os costumes
nacionais contra influência estrangeira. Alencar e seus colegas do Partido
Conservador usam esse argumento para defender a exploração dos negros. A
escravidão, para eles, fazia parte da tradição brasileira – era importante para
a identidade nacional.
Por essa razão o país não deveria ceder às pressões
abolicionistas da França e da Inglaterra, as duas grandes potências da época.
Alencar pede a D. Pedro II que pare de se preocupar com a opinião internacional
e valorize as instituições brasileiras. “São muitos os cortejos que já fez a
coroa imperial à opinião europeia e americana. Reclama sério estudo cada um
destes atos, verdadeiros golpes e bem profundos, na integridade da nação brasileira”.
D. Pedro I deveria ter respondido ao escritor que: deixar o patriotismo
de lado e aceitar a influência estrangeira pode salvar um país de costumes
bárbaros.
Extraído do livro:
Guia politicamente incorreto da História do Brasil, de Leandro
Narloch
Nenhum comentário:
Postar um comentário