quarta-feira, 4 de julho de 2012

Siará Grande e a Fortaleza dos Candeeiros, Lamparinas e Velas


Quando  Henry Koster, português filho de ingleses, inicia suas impressões sobre a vila de Fortaleza, que visitou no período de 16 de dezembro de 1810 a 8 de janeiro de 1811, o governador da província era Luiz de Barba Alardo de Menezes,  a população era, em sua maioria, pobre e não alfabetizada, e havia apenas duas escolas primárias e uma para ensino de latim.
As impressões do visitante foram expressas na obra Travels in Brazil, sendo minuciosas  quanto ao ambiente e aos costumes da população e dos índios que habitavam as aldeias de Arronches, Messejana e Soure, respectivamente os atuais Distritos de Parangaba e Messejana e o município de Caucaia.


Planta de Fortaleza 1811

A capitania do Siará, doada ao fidalgo Antônio Cardoso de Barroso, nunca fora objeto de ação colonizadora, até uma primeira e malfadada tentativa da expedição do nobre açoriano Pero Coelho de Souza.  Depois, em 1612, novo esforço de colonização, dessa vez  com o também açoriano Martim Soares Moreno.
Quando Martim Soares Moreno deixou o Ceará em definitivo, no ano de 1631, a região voltou ao domínio dos indígenas, após o extermínio dos portugueses remanescentes. Em 1649, o Ceará é invadido pela expedição holandesa de Matias Beck que constrói o Forte Schoonenborch, à margem do Riacho Pajeú. 
Sitiado pelos portugueses comandados por Álvaro de Azevedo Barreto, em 1654, Beck se rende e o forte que construira é rebatizado com o nome de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção.  
Por Carta Régia de 13 de fevereiro de 1699, a coroa portuguesa autoriza a criação de uma vila no Ceará. Depois de muitas discussões em torno da localização, a vila foi instalada em Aquiraz. Mas uma invasão dos índios Paiacus, Anassés e Jaguaribaras, resultou no massacre de 200 dos seus habitantes, provocando a debandada dos sobreviventes e dando motivo para a criação de uma segunda vila no Ceará.
Em consequência, a 13 de abril de 1726, junto ao forte, é instalada a Vila de Fortaleza de Nossa senhora de Assunção. E por quase um século a história narra um lento desenvolvimento que conduz ao povoamento desolado da primeira década do século XIX.

primitiva Casa dos Governadores na antiga Rua dos mercadores (atual Conde d'Eu) no local onde hoje se encontra o centro de referência do professor) 


Transformações importantes viriam com o governador Manoel Ignácio de Sampaio, responsável pelo que seria o primeiro plano urbanístico de Fortaleza. Essa nova realidade marca decisivamente a vida local, ensejando possibilidades animadoras. E resulta no Decreto do Imperador d. Pedro I, a 17 de março de 1823, logo após a independência  do país do domínio português, elevando a antiga vila à cidade com o nome de Fortaleza de Nova Bragança, denominação não aceita pela população.
No ano seguinte, para efetivar a adesão da província à monarquia brasileira, chega à Fortaleza, a bordo da nau Pedro I, o almirante Lorde Thomas Cochrane, que cumpre seus objetivos políticos e não se esquece de oferecer sua contribuição à ambientação da cidade, plantando fileiras de árvores de ambos os lados das ruas. 
No entanto, o povo, movido talvez pela antipatia ao almirante ou por qualquer outro motivo, derrubou as árvores e arrancou-lhes as raízes, destruindo um melhoramento que teria sido de grande utilidade, dadas as altas temperaturas, o forte calor e fortes ventos que assolavam a capital.
Tempos depois outro visitante oferece uma narrativa mostrando a nova realidade e a perspectiva de soluções para alguns dos graves problemas de Fortaleza, então com 25.000 habitantes. 


A iluminação pública surgiu em Fortaleza a partir da segunda metade do século XIX. 

A. de Belmar, escreve no livro Voyage aux Provinces, suas impressões a respeito, de  Fortaleza, uma cidade nova, de aspecto europeu,  ruas alinhadas e alguns edifícios de notável elegância, dentre os quais estão o Palácio do Governo, um  quartel e a Catedral. 
Acrescenta que a cidade contava ainda com um liceu, uma junta de comércio, hospitais, e, nos arrabaldes, cerca de 1.500 casas de palhas que abrigavam os pobres. E que não restam dúvidas que o melhoramento do porto e outras medidas realizadas pelo governo acabarão de assegurar sua prosperidade.

Prédio da primeira Assembleia Provincial, esquina da rua Conde d'Eu e rua Sobral, na Praça da Sé

Evidencia-se que os recursos rudimentares da vela de carnaúba, de sebo ou de gordura animal de fabricação caseira, e os lampiões, candeeiros, ou lamparinas com azeite extraído da mamona, são de uso frequente  da população da primitiva vila e no período inicial da história da cidade de Fortaleza. 
Eram as soluções práticas para produzir iluminação residencial e os trechos fronteiriços das casas. Era comum ainda o uso de lenha de árvores resinosas como archotes, nas caminhadas nas noites escuras, e na queima nos fornos residenciais. 


   Uma verdadeira maravilha vegetal, particular a este terreno: é a carnaúba ou palmeira cerífera. As folhas são tapeçadas de uma espécie de cera ou sebo, de que os habitantes fazem pequenas candeias. (A. Belmar, em Voyage aux Provinces)

Carnaubeiras às margens do Rio Cocó - 1964
(imagem http://www.ibamendes.com)

Não se tem noticia de qualquer fluxo importador expressivo de produtos com fins de iluminação, o que pode comprovar a quase exclusiva utilização dos recursos regionais para suprir o consumo da população. O acesso fácil a plantas oleaginosas da região indicava a saída natural que a população de Fortaleza, a exemplo de toda a província, utilizava para a satisfação de suas necessidades de iluminação, cujas fontes, eram aparentemente inesgotáveis e de baixo custo.


As lamparinas à querosene ainda hoje são usadas em algumas localidades do interior do Ceará

Os candeeiros, lamparinas e velas constituem o padrão comum de artefatos geradores de iluminação nessa fase da vida provincial. Por volta de 1865, é comercializado também o querosene, que substituirá outros combustíveis na alimentação das tradicionais lamparinas. E somente quando surge uma classe mais culta e economicamente mais favorecida são introduzidos no cenário doméstico o requinte dos lustres de cristais ou castiçais ou candelabros de prata, por assimilação dos referenciais de elegância e riqueza próprios dos centros desenvolvidos.
fotos do Arquivo Nirez
Extraído do livro
História da Energia no Ceará,
De Ary Bezerra Leite

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