segunda-feira, 2 de maio de 2011

Escravidão e Abolicionismo no Ceará – Parte 2/3


A mais destacada forma de resistência escrava negra no Brasil ocorreu através da formação de quilombos. Há alguns indícios da presença de quilombos ou mucambos no Ceará. Isso fica explícito até em comunicados oficiais, como em uma carta de Jerônimo Paz, intendente das minas de S. José do Cariri, encaminhada ao governador de Pernambuco.
Serra do Pereiro no Ceará - imagem IBGE
Ao que consta a muralha de pedra encontrada em Bastiões, Serra do Pereiro, seria um quilombo no qual se refugiavam escravos do Ceará e de províncias vizinhas. Também existiria outro na Serra Grande, para onde acorriam os negros do Ceará, Piauí e Maranhão. 
Serra Grande no Ceará - imagem IBGE
Vários cativos fugidos foram apreendidos em Viçosa. Muitos outros locais de acoitamento de escravos fugidos existiam na província, inclusive nas proximidades da capital como em Tauape e Parangaba.
Resistiram ainda os negros no Ceará com o assassinato de seus senhores e até em conspirações e revoltas armadas, o que colocava em pânico as elites. Documento da Câmara Municipal de Sobral, de 1821, traz o alerta para prevenir um levante de cativos denunciado ao comandante da vila. O jornal Pedro II, de 11 de dezembro de 1867 dava conhecimento que, em Lavras, comarca de Icó, alguns escravos armados que tentavam ganhar a liberdade, viram frustrados os seus planos pelas medidas de repressão impostas pelo delegado de polícia.
Comunidade Quilombola (blog da educação)
Vários fatores explicam o porquê de o Ceará ter sido o pioneiro na abolição da escravatura no Brasil. O fator principal seria o pequeno número de cativos negros no Ceará – em comparação com outras áreas do País, como a açucareira, a cafeeira e a mineradora – e o pouco peso da mão-de-obra escrava na economia local. A quantidade de escravos negros nunca foi expressiva. 
escravos na atividade cafeeira - quadro de J.B. Debret (imagem blog da educação)
As bases da economia cearense, o algodão e a pecuária não absorviam em larga escala a mão-de-obra escrava. As fazendas de gado empregavam pouca mão-de-obra. O algodão, em virtude do seu ciclo natural – plantado mais ou menos em janeiro e colhido em agosto – não compensava o emprego de muitos escravos numa atividade praticada apenas em determinado período do ano.
Além do mais existiam as secas periódicas, que traziam dificuldades para conseguir alimentos e água, e provocava surtos de doenças, que dizimavam os escravos e dava prejuízos aos senhores. Havia ainda grande quantidade disponível de camponeses sem terra nos sertões, que trabalhavam para os latifundiários por parte da produção, moradia e comida como parceiros ou agregados das fazendas.
O alto preço dos escravos era outro fator que contribuía para o número reduzido de escravos, sobretudo numa região pobre como era o Ceará. Em inventário do século XIX, um negro de 16 anos custava 100$000 (Cem mil Reis), preço equivalente ao de 25 vacas.
Daí por que eram raros proprietários com muitos escravos. A posse destes chegava a ser símbolo de status e indicativo de riquezas.
A venda de escravos negros para fora da província, no chamado tráfico interprovincial, contribuiu igualmente para o declínio da escravatura no Ceará.  Já em 1847, tem-se o registro de vendas de escravos para o atual Sudeste. Tais vendas aumentaram depois de 1850, em virtude da promulgação da Lei Eusébio de Queiroz, que determinava o fim do tráfico negreiro internacional, cessando o fluxo de africanos para o Brasil. A procura do Sudeste por escravos em razão da proibição imposta por lei, aumentou consideravelmente o preço dos cativos, tornando-se a venda um negócio lucrativo, sobretudo em épocas de estiagens, como a seca de 1877-79, quando o senhor de terras vendo o gado minguando, a plantação seca, a propagação de surtos e doenças, e buscava resguardar seu patrimônio em escravos, comercializando-os para outras regiões do Brasil. Não existem dados precisos quanto ao número de negros escravizados exportados pelo Ceará, mas especula-se que em torno de sete mil tenham sido vendidos  entre 1871 e 1881, sendo que em 1877 foram exportados três mil só pelo porto de Fortaleza.
Mercado da Rua do Valongo, no Rio de Janeiro, onde escravos eram vendidos (quadro de J.B. Debret)
Jornais anunciavam ofertas de compras de cativos,  e os mascates – muitos dos quais italianos – que em tempos normais viviam a vender quinquilharias, passaram a comprar e vender escravos no interior e revende-los na capital. Ante os efeitos trágicos da seca, em 1880, o escravo negro virara quase a única moeda em circulação no Ceará.
Um terceiro fator para explicar a iniciativa e o pioneirismo no Ceará, foi a intensa campanha abolicionista local.
Curioso é que até 1879 a província manteve-se em silêncio sobre a questão escravista, enquanto das praias de Fortaleza milhares de cativos eram levados em jangadas, para os navios que aguardavam ao largo.
Somente quando as províncias do centro-sul passaram a decretar leis dificultando o tráfico entre as províncias, e em conseqüência, a procura por escravos diminuiu e os preços despencaram, é que floresceu de fato, o abolicionismo no Ceará.  

fonte: História do Ceará, de Airton de Farias

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