quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Leprosário, Colônia e Centro de Convivência Antônio Diogo


Quando o então padre Antônio Tabosa Braga – mais tarde Monsenhor Tabosa – criou o Leprosário Antônio Diogo, com o apoio financeiro do industrial Antônio Diogo de Siqueira, o fez com a melhor das intenções, uma vez que a lepra já se propagava pelo Estado, havia uma preocupação crescente por parte da população devido ao medo do contágio, e por amor aos doentes, que viviam pelas ruas, principalmente da Capital, sem assistência médica ou qualquer tipo de apoio. 

O religioso iniciou uma grande campanha sensibilizando a população para o problema dos hansenianos. Construiu então no Morro do Croatá um modesto abrigo, onde os doentes podiam ter algum descanso e ajuda espiritual. Um dos internos do que foi considerado o primeiro hospital hanseniano, conta que o religioso foi pessoalmente assistir a chegada dos doentes, e fazer a entrega solene da nova “cidade”, onde poderiam transitar normalmente, sem o risco de serem expulsos. E continuou assim, durante todo o resto de sua vida trabalhando infatigavelmente pelo leprosário, com o fim de proporcionar o necessário conforto a seus moradores.

Monsenhor Tabosa e Antônio Diogo de Siqueira

Para assegurar a estabilidade do estabelecimento, confiou a sua direção às Irmãs Capuchinhas, e nomeou capelão o padre Joaquim Severiano de Vasconcelos. No dia da inauguração, não contente de ter ido deixar os doentes na sua nova moradia, Monsenhor Tabosa cumprimentou um por um, passou com eles o dia inteiro, e se encarregou de armar, todas as redes e camas. 


O Leprosário de Canafístula foi inaugurado em 9 de agosto de 1928, no Distrito de Canafístula, atual Antônio Diogo, município de Redenção, nas dependências onde antes já funcionara a Colônia Cristina, que abrigara flagelados da grande seca de 1877/9. Depois que a Colônia foi extinta, em 1925, abrigou a primeira prisão agrícola do Estado, e por fim, o leprosário, a partir de 1928. Construída com a ajuda financeira do industrial Antônio Diogo de Siqueira, a instituição foi mantida por doações de populares e uma ajuda governamental até o início dos anos 40, quando passou a ser mantido pelo governo estadual. 
  

Colônia Christina

No Brasil, até meados do século XX, os portadores da hanseníase eram obrigados a se isolar em leprosários, uma política que visava o afastamento dos doentes por meio de internação compulsória em vez de um tratamento efetivo. 

Essa política do isolamento foi adotada no governo de Getúlio Vargas, durante a década de 1940. Pela lei, qualquer pessoa diagnosticada com a doença era imediatamente levada para os chamados hospitais-colônia. Os afetados ficavam confinados em pequenas cidades construídas para esse fim, no caso do Ceará, os leprosários situados em Redenção e Maranguape. Para os doentes, ingressar nos muros de uma dessas instituições significava deixar tudo para trás.

Leprosário Antônio Diogo

O leprosário denominado Colônia de Canafístula, teve duas inaugurações: a primeira, no dia 1° de agosto de 1928, somente com a presença de autoridades evitando o contato com os doentes, que só chegaram ao local no dia 09 do mesmo mês.

Os pacientes foram transportados de trem, partindo de Fortaleza. Foram embarcados nas proximidades da igreja dos Navegantes, com paradas previstas em estações intermediárias a fim de receber outros doentes que porventura houvesse nas localidades. Chegaram ao leprosário no dia 9 de agosto, em número de 44 pacientes, sendo 35 procedentes de Fortaleza e os demais de várias localidades. As instalações eram precárias: nenhuma mobília, nada de equipamentos, sem saneamento básico, água potável lavanderia ou energia elétrica. Os pacientes aglomeravam-se em redes estendidas e separadas apenas em ala feminina e masculina. O primeiro paciente a ser registrado naquele 9 de agosto de 1928 foi o agricultor Raimundo Gomes, de 32 anos. Ele não resistiu nem ao primeiro ano de internamento, faleceu no início do ano seguinte.


Mantido por doações e contando com uma ajuda financeira do Estado, o lazareto passava por muitas privações. Em abril de 1929, foi feito um apelo pela imprensa no sentido de se obter maiores recursos para manutenção do lugar. Como resultado, o governo aumentou o valor de sua contribuição. Em 1929, o Dr. Samuel Uchoa ao assumir a direção do Serviço de Saneamento Rural, resolveu priorizar investimentos no leprosário, e iniciou um movimento em favor dos filhos sadios dos pacientes, inaugurando a 29 de maio de 1930, a Creche Silva Araújo, que contava com dois dormitórios de 15 lugares cada um, para meninos e meninas. A exemplo do que já ocorria com o lazareto, a direção da creche também, foi confiada às Irmãs Capuchinhas.


Apesar de as autoridades terem passado a dar mais atenção ao leprosário, a crise se aprofundava e a doença se alastrava. No início dos anos 30, a colônia de Antônio Diogo já abrigava mais de 200 doentes, além dos muitos que perambulavam esmolando pelas ruas de Fortaleza, que não eram recolhidos ao Leprosário por falta de vagas.

Nos anos 40 foi criado o Serviço de Profilaxia da Lepra, através do Decreto-Lei n° 686, de 13 de março de 1940, durante o governo do interventor Menezes Pimentel, o que deu novo impulso ao tratamento e controle da hanseníase no Ceará. O Serviço de Profilaxia encampou o Leprosário Antônio Diogo, que tornou-se instituição estadual subordinada ao Departamento Estadual de Saúde e passou a ser denominada Colônia Antônio Diogo. Em 12 de agosto de 1977, tornou-se Hospital de Dermatologia Sanitária Antônio Diogo, através do Decreto Estadual nº 12.435. Depois foi transformado no Centro de Convivência Antônio Diogo que congrega e assiste ex-pacientes e seus familiares, que não puderam ou não quiseram abandonar o local depois de curadas da hanseníase.


a Lei Federal nº 610, de 13 de janeiro de 1949, recomendava o isolamento compulsório dos pacientes em colônias, chamadas à época de leprosários. A mesma lei ordenava a entrega dos bebês de pais com hanseníase à adoção, o que levou à separação de milhares de famílias. Esta situação perdurou até 1986, quando os antigos hospitais colônias foram transformados em hospitais gerais.

Além do isolamento, até meados do século XX, os doentes tinham seus pertences queimados, uma política que visava muito mais ao afastamento dos portadores do que a um tratamento efetivo. Apenas em 1962 a internação compulsória dos doentes deixou de ser regra. No Ceará, até 1973, eles ainda eram segregados nos leprosários. 

O fim do isolamento compulsório decretou a libertação dos doentes que viviam confinados entre os muros da Colônia, possibilitando a reintegração no seio da família e da sociedade da qual foram compulsoriamente excluídos. Mas, boa parte dos antigos internos, não conseguiu se readaptar a essa nova vida, seja por terem perdido por completo o contato com os familiares, seja por ainda se acharem discriminados.  

Centro de convivência Antônio Diogo atualmente

Atualmente cerca de 100 pessoas moram nas dependências do Centro de Convivência, que completa 91 anos em 2019. A unidade abriga 42 pacientes remanescentes da Colônia de Antônio Diogo em dois pavilhões, e 65 casas, quase todas ocupadas por famílias de ex-internos. O equipamento atua com um serviço ambulatorial de dermatologia para atendimentos de pacientes da unidade e da região, promovendo reabilitação física e social.


Fontes: 
Feitosa, Adilia Maria Machado. A Institucionalização da Hanseníase no Ceará: do Leprosário de Canafístula ao Centro de Convivência Antônio Diogo. 2008. Dissertação de Mestrado em Políticas Públicas. Universidade Estadual do Ceará. 2008.
Leite Filho, Rogaciano. A História do Ceará passa por esta rua. Fortaleza, Fundação Demócrito Rocha, 1988.
Doentes ainda sofrem isolamento. Jornal Diário do Nordeste, edição de 19 de agosto de 2014
fotos: 
Brasiliana Fotográfica, Fundação Fiocruz e Centro de Convivência Antônio Diogo

   

4 comentários:

  1. Fátima, só agora, infelizmente, conheci seu blog. Que maravilha. Por que você parou? Você está fazendo outro trabalho? Obrigado.
    Eugenio

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  2. Esse centro de convivência tem muita historia, aí viveu a irmã Priscila, natural de Quixeramobim e que deticou sua vida em ajudar o próximo.

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