terça-feira, 23 de outubro de 2012

Adolfo Caminha - Um Escritor contra a Sociedade Provinciana

Antigo prédio da Escola Normal na Praça José de Alencar, cenário de boa parte do romance "A Normalista"

Ao publicar o romance “A Normalista” em 1893, Adolfo Caminha causou o maior escândalo  e revolta na sociedade cearense da época. No romance, o autor expõe cruamente a falta de moral e as baixezas de pessoas influentes que posavam de puritanas, dignos representantes dos bons costumes.   
A edição esgotou-se em poucos meses, graças à interferência das pessoas que se sentiram atingidas e que não tinham interesse na divulgação da história. O romancista então deixou de ser editado por muitos anos. Em seu livro “Escritores na Intimidade”, Raimundo Menezes fala sobre o episódio:
O autor focaliza em suas páginas cenas e fatos de Fortaleza daqueles tempos, ridicularizando e combatendo certos hábitos e costumes provincianos, quando então descrevera e pintara conhecidos tipos com nomes diferentes, porém tão bem traçados que, foram identificados pela população e apontados sob o riso malicioso dos leitores.
Afirma que foi tamanha a celeuma provocada pelo romance que Adolfo Caminha esteve na iminência se ser chicoteado e mesmo assassinado. Criou-se lhe um ambiente tal, que o escritor se viu na contingência de tomar determinadas precauções para evitar o perigo de ser surpreendido com um ataque à mão armada.

 Passeio Público de Fortaleza

A violência com que Adolfo Caminha retratou os preconceitos existentes em Fortaleza esta relacionada com o seu rumoroso caso de amor com Isabel Jataí de Paula Barros, de 19 anos, casada com um oficial do exército.
O escritor foi alvo de críticas tanto da sociedade local como dos próprios colegas da Marinha, onde era também oficial. Chamaram-no de “flagelo dos bons costumes”.  A repercussão do caso foi tão grande que custou até mesmo a carreira do escritor na Marinha. Frota Pessoa, amigo de Adolfo caminha, conta o escândalo:
“ o idílio começou com todas as secretas cautelas, tímido a princípio, mais tarde audacioso, e imprudente. Nasceram ponderadas suspeitas no espírito do marido; cenas conjugais, violentas disputas, tempestuosas explicações lavraram aos poucos a discórdia no casal, e uma certa manhã, ela deserta do lar e vai se abrigar na casa do namorado. Ele não hesita; aceita-a e, em pleno dia, atravessa a cidade com sua amada pelo braço e a deposita em lugar seguro”.
A cidade ficou alvoroçada com o caso; os alunos da Escola Militar querem “vingar a farda do Exército”; as famílias puritanas exigem que o profanador dos bons costumes seja transferido do Ceará: faça suas aventuras onde quiser menos em Fortaleza. 

 Correm os dias e o escândalo parece esquecido, quando o ministro chama o oficial à Corte. Ele vai, conta a verdade, o Ministro acha que o assunto nada tem a  ver com o regulamento da marinha, e o casal continua em Fortaleza.
Em novembro do mesmo ano, foi proclamada a República. Adolfo Caminha, que tinha sempre se mostrado republicano, discursou em praça pública, a pedido do povo, recebendo verdadeira consagração. 
Mas o antigo caso ainda não tinha sido encerrado, e Adolfo Caminha foi chamado novamente ao Rio de Janeiro. A intriga renascera. Caminha é transferido para um navio que está de saída para a Europa, nem terá tempo de voltar à Fortaleza para as despedidas. Tenta explicar ao comandante da impossibilidade de viajar assim de uma hora para outra, diz que pedirá uma licença para tratar da saúde. É acusado de prática de rebeldia.
Diante desses acontecimentos, o oficial-escritor pede demissão, que obteve em 1890. A partir da demissão da marinha, para sobreviver, consegue através do ministro Rui Barbosa ser nomeado amanuense do Tesouro do Ceará. O emprego, embora com salário modesto, permite a Adolfo Caminha dedicar-se a literatura.
Amainados os ecos do tremendo escândalo, o escritor vai se reintegrando na vida da cidade.  Mas essa reintegração se processa com atritos e novas inimizades. Em 1891 o escritor fundou a revista Moderna passando a atacar as publicações literárias da terra. Um dos alvos dessas críticas é o escritor Antônio Sales e seu livro de estreia, Versos Diversos, de 1890. Pela mesma revista Moderna fizera impiedosa  critica ao romance A Fome de Rodolfo Teófilo, que lhe dará resposta quatro anos depois, alegando que o artigo de Caminha havia saído sem assinatura em 1891. 

 reunião da Padaria Espiritual

Em 1892 seria Adolfo Caminha convidado a participar, como fundador, da originalíssima Padaria Espiritual. E já no Rio de janeiro, para onde se mudou definitivamente em fins de 1892, como 3° oficial adido ao Tesouro Nacional, ao publicar suas Cartas Literárias , não deixaria de incluir os mesmos artigos com que fizera duras críticas a Antônio Sales e a Rodolfo Teófilo, este último já então membro da Padaria Espiritual, igualmente vergastada neste livro, o que talvez tenha determinado ao crítico sua expulsão do grêmio. As criticas de Adolfo Caminha aos seus colegas de literatura não ficaram sem resposta. 

Café Java, na Praça do Ferreira, berço da Padaria Espiritual
  
Com a publicação de Bom Crioulo, o escritor contribui para atiçar ainda mais a sociedade conservadora do Ceará, pois abordou a história de marinheiros em que conta um caso de homossexualismo. Na opinião de Sânzio de Azevedo talvez seja o primeiro escritor brasileiro a abordar tal tema na literatura nacional. Além disso, o personagem principal é um negro, fato incomum em nossa ficção.
No Rio de Janeiro, Adolfo Caminha tem uma vida difícil: o emprego no Tesouro absorve muito tempo na cidade grande; os filhos aumentam, o dinheiro não; a literatura não é remunerada  adequadamente. Nada, no entanto, o faz trair a própria consciência: quase na penúria recusa o comando de um navio porque não quer compactuar com as violências do governo de Floriano Peixoto. 
Em 1° de janeiro de 1897, uma doença romântica, a tuberculose, atacou o crítico irônico, o escritor realista. Morreu com trinta anos incompletos. 

Adolfo Ferreira Caminha nasceu a 29 de maio de 1867, em Aracati (CE), filho de Raimundo Ferreira dos Santos e Maria Firmina Caminha. Em 1877, quando da seca que destruiu grande parte da lavoura cearense. Ficou órfão de mãe e passou a morar na casa de parentes em Fortaleza. Aos 16 anos, a convite do Tio Álvaro Tavares da Silva, que se dispôs a financiar seus estudos, partiu para o Rio de Janeiro, sendo matriculado na Escola de Marinha, de onde saiu em 1885, como guarda-marinha.
Depois de servir no couraçado “Sete de Setembro”, na corveta “Niterói”, no cruzador “Guanabara” e na canhoneira “Afonso Celso”, foi promovido a segundo tenente. Em 1888, por questões de saúde, conseguiu sua transferência para o cruzador Paquequer, sediado em Fortaleza, onde se envolveu amorosamente com a mulher de um oficial do Exército. 

 Aracati, terra natal de Adolfo Caminha (foto do Diário do Nordeste)

Obras:
Vôos Incertos (poesia, 1886)
Judite (contos, 1887)
Lágrimas de um Crente (novelas, 1887)
A Normalista (Romance, 1894)
No País dos Ianques (Impressões de viagem, 1895) 
Bom Crioulo (Romance, 1895)
Cartas Literárias (Crítica, 1895)
                              Tentação (Romance, 1896)                         
 
extraído do livro de Rogaciano Leite Filho
A História do Ceará passa por esta Rua

Um comentário:

  1. Meu sonho era identificar cada padeiro na fato acima, da "Reunião". Você sabe e informar se o Antonio Bezerra de Menezes, ou André Carnaúba, está na foto acima?

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