As casas grandes fazendeiras nos moldes das existentes nos engenhos da região açucareira, não foram muito frequentes no sertão do Ceará. Mas, aqui e ali, perdidas na imensidão das caatingas, encontravam-se casas enormes, baixas, de paredes muito grossas e madeirame pesado – autênticas casas fortes – para atender as exigências de estabilidade e da segurança.
Tais residências pertenciam geralmente, aos antigos donos de engenho, que mantinham fazendas de criação nos sertões, com a finalidade de atender interesses comerciais nas zona açucareira.
O tipo de construção mais comum na zona rural da Capitania do Ceará era naturalmente, daqueles fazendeiros que foram se estabelecer em suas terras. Apesar das grandes dimensões, eram casas sóbrias, com cobertura de telha em duas águas, vastos alpendres e paredes reforçadas, levantadas com madeira, pedra e tijolo da própria fazenda.
As instalações modestas dessas fazendas e a indumentária simples dos moradores não apresentavam nenhum conforto nem requinte, o que contrastava com a ostentação das casas-grandes dos engenhos de cana.
Ao longo dos latifúndios, a distâncias regulares, ficavam os casebres dos outros moradores. Cabanas de taipa, de chão batido, cobertas quase sempre de palha, tetos baixos e pouca inclinação, portas e janelas escassas, insuficientes para entrada de luz e ventilação.
Ao redor das choupanas se cultivavam pequenos roçados para atender ao consumo imediato. A agricultura de emergência era trabalho para mulheres e crianças, porque os homens se dedicavam às labutas pastoris. A própria lavoura da sede da fazenda não tinha importância comercial. O couro representava a matéria-prima por excelência, na confecção de utensílios empregados tanto no campo como nas atividades domésticas.
Cada fazenda representava uma família, caracterizada por extremo patriarcalismo. Laços de parentescos uniam todos ao senhor. Havia os parentes sanguíneos legítimos ou ilegítimos, e o demais, em maior número, ligados por parentescos canônicos ou convencionais. Dentre estes últimos encontravam-se os moradores e os agregados.
O fazendeiro – quando residia na fazenda – dirigia os trabalhos, cercado dos parentes citados, juntamente com os índios mansos, que, constituindo depois sua prole, ali permaneciam como pessoas da casa, podendo ainda, se acoitar forasteiros, no mais das vezes fugitivos da justiça ou da ação de parentes das vítimas em busca de vingança.
Não havia pagamento de salário, e sim troca de serviço. O fazendeiro sustentava seus agregados de comida, casa e roupa em troca do seu trabalho. Toda família permanecia sob o teto paterno e sob o pátrio poder mesmo depois da maioridade, até que seus novos membros contraíssem matrimônio e formassem um novo lar.
Os filhos homens, auxiliados por outros elementos da fazenda, cuidavam do gado. Vestindo roupas de couro e montados em cavalos escolhidos campeavam o gado. Os vaqueiros se transformavam em donos de fazenda, por herança, ou por vaqueirice, sistema em que a fazenda era entregue aos cuidados do vaqueiro, o qual, um dia, poderia transformar-se em seu próprio senhor.
O vaqueiro – a mais legítima representação do sertanejo – foi sempre um individuo respeitado em razão da superioridade que lhe conferia o conhecimento da terra, do gado, dos métodos de criação e a responsabilidade direta das coisas da fazenda.
Também não recebiam salários. A própria estrutura econômica não permitia a remuneração em dinheiro aos vaqueiros. O pagamento pelo seu trabalho era feito a longo prazo, através da quarteação da produção dos animais criados na fazenda, na proporção de quatro por um (de quatro animais nascidos anualmente, um pertencia ao vaqueiro). Esse sistema de pagamento por quarteação, em uso até o início da primeira década do século XX, era feito geralmente no fim de cada inverno, quando o gado era recolhido aos currais, para a marcação e outras providências.
Toda a vida fazendeira da colônia e de grande parte do império, desenvolveu-se em torno da criação do gado, o que contribuiu para o pouco empenho pela exploração agrícola da região sertaneja, onde até mesmo a mandioca era não cultivada em quantidade suficiente para atender as necessidades de consumo.
extraído do texto
da conquista à implantação dos primeiros núcleos urbanos na capitania do Siará Grande
de Valdelice Carneiro Girão
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